Quando o Viomundo me apresentou Azenha

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Estou triste,  mas muito triste com o anúncio de que Luiz Carlos Azenha fechará o Viomundo: Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa

Azenha é um amigo querido, um sujeito que admiro e me orgulho de ter trabalhado junto, brigado junto, aprendido junto para que fizéssemos uma série bacanuda para o público brasileiro sobre o continente africano, para ser exibida em um projeto que acreditávamos e que defendemos com unhas e dentes: o desenvolvimento de uma tv pública de qualidade no Brasil.

Para variar investimos muito tempo de nossas vidas num projeto que acreditamos e nos dedicamos de forma obcecada: cansamos de sair às 3, 4 horas da madrugada da produtora porque ambos exigentes além da conta revíamos texto, edição, até acharmos que ficou razoável. E como sempre perdemos dinheiro. Quando vencemos o edital dispensei um trabalho na editora para ganhar o dobro que que ganharia na produtora, além de todas as garantias do mundo corporativo ausentes em empreitadas como as de produção independente. Até hoje minha mãe acha que sou uma maluca por ter feito tal escolha (e ela provavelmente tem razã0).

Ilha de Moçambique, 2009.

Ao conhecer Azenha em campo, vendo sua prática antes de começar qualquer pauta, ao fazer a reportagem e ao editá-la minha admiração por ele aumentou ainda mais.

Azenha literalmente mergulha nas leituras e ele tem algumas características fascinantes que poucas pessoas que conheço tem: humildade para aprender o que não sabe; uma imensa curiosidade intelectual, uma velocidade acima da média de leitura (eu já o vi iniciar um livro de umas 300 páginas à noite e no dia seguinte ao pegar o livro constatar que está inteiro grifado, há muitos livros meus assim pra contar esta história).

Eu brigo muito com Azenha, agora mesmo tenho vontade de dizer para ele: Não, você não vai fechar o Viomundo, a gente vende roupa no brechó, pastel na feira, sei lá, mas você não vai fechar o Viomundo!  Eu conheci você por causa do Viomundo!

O Viomundo me apresentou o Azenha, o jornalista Luiz Carlos Azenha.

Já não via a Globo há muito tempo, não me lembro de ter assistido alguma vez na vida a Manchete (uma das tevês que ele havia trabalhado). Devia lembrar vagamente do rosto de Azenha, mas não o conhecia como jornalista global, até que pesquisando um texto jornalístico sobre o Haiti para preparar uma atividade para a coleção didática História em Projetos, Editora Ática (Prêmio Jabuti 2008 e a única coleção que recebeu ótimo em todos os critérios analisados no Guia PNLD-2008) deparo-me com uma crônica sensível (Azenha é um excelente cronista e adoraria editar um livro de crônicas dele, mas ele não pára pra selecioná-las) sobre o maior PIB de esperança do planeta: o Haiti.

Azenha com uma sensibilidade quase ausente no jornalismo venal e metido a besta que invadiu as grandes redações conseguia fazer o leitor se interessar pelos haitianos, se solidarizar com os haitianos, sorrir com aqueles sorrisos brancos de propaganda de creme dental que as crianças que ele adora registrar em suas viagens nos exibem. O texto do Azenha casou com perfeição com a perspectiva que eu propunha analisar a história do Haiti.

Bons textos sempre me conquistaram e a partir daí virei leitora assídua do Viomundo (quando ele ainda estava na Globo.com) a Globo deve até isso ao Azenha: Maria Frô lendo domínio da Globo.com para acessar o Viomundo.

E quando o Blog ainda não tinha espaço para comentários eu mandava e-mails discordando de seus posts. Discordando muito e do jeito assertivo que sempre me expresso. Daí descubro uma segunda grande qualidade do Azenha: ele é democrático, ele aceita um discurso diverso do seu, ele debate, rebate, ouve, argumenta, lê mais, discute, discorda, retruca e se convence e muda de opinião. Azenha não é um velho de ideias antiquadas é impressionante o vigor que ele tem diante de descobertas. Foi assim com a política de cotas, foi assim em nossas conversas sobre o continente africano, sobre, militância política, sobre sexismo, feminismo e tantos outros assuntos que debatemos com vigor. Foi assim que nos conhecemos, nos tornamos amigos, parceiros de projetos fantásticos: no blog da Mulher no Viomundo; no Nova África, na Comissão do Blogprog.

Claro que com ou sem o Viomundo vou continuar ao lado do meu grande amigo, mas a 'morte' do Viomundo para mim seria como sofrer um aborto, ver algo que acho que tem um imenso potencial morrer antes de nascer em sua plenitude. 

Vou começar a fazer chantagem, apelar, sei lá. Mas o que gostaria de pedir agora a quem me lê é que não deixem estas corporações midiáticas e este governo subserviente a estas corporações vencer a liberdade de expressão. Não deixem que um idiota com cara de fuinha que não sabe porra nenhuma de jornalismo e democracia leve a melhor.

Sejam de fato solidários. Solidários de modo concreto e efetivo e isso significa mais que curtir ou compartilhar posts nas redes sociais.

Azenha já gastou 30 mil reais com as custas do processo e continuará gastando com advogado porque certamente entrará com recursos e se perder será mais 30 mil para aquele que parece estar se especializando em calar 'blogueiros sujos': Cloaca, Rodrigo Vianna, Marco Aurelio Mello que o digam.

E se vocês gostarem um tantinho do Maria Frô me ajudem a não deixar o Viomundo fechar. Já decretei no Face se isso acontecer, encerro o Maria Frô.

Será greve de verbo dissonante num mundo cada vez mais discurso único.  Sinceramente? Ando exaurida de tantos recuos e covardia dos que não têm mais desculpas para assim agir. Parece que está chegando a hora em que a coragem será o silêncio. Leia também: Quando o Viomundo me apresentou Azenha Filho de comunista não se deixa intimidar pelos capachos colaboracionistas da ditadura militar Quem quer calar a imprensa mesmo? Igor Felippe: Viomundo não vai fechar porque os que são imprescindíveis lutam a vida inteira