Não está nada fácil a vida dos movimentos sociais no Rio Grande do Norte, onde a liberdade de expressão e a liberdade de lutar pelos direitos da cidadania enfrenta uma postura dura e repressiva da polícia local.
Abaixo, um completo relato do Daniel Dantas Lemos, em seu blog, sobre o que vem acontecendo em Natal e no resto do estado. Esperamos que essa situação também seja investigada e divulgada pelos meios de comunicação nacionais.
#RevoltadoBusão: Militantes de partidos políticos e movimentos sociais são investigados pela polícia potiguar
Por: Daniel Dantas Lemos, em seu blog
11/03/2013
O RN parece viver tempos sombrios. Como nos dias da ditadura, militantes políticos - de partidos e movimentos sociais - são investigados e monitorados pela Polícia devido à sua ação pública.
No contexto da investigação sobre a queima de ônibus durante a #RevoltadoBusao em setembro passado, eu e outros companheiros fomos elevados à categoria de investigados pela Polícia - ainda que não esteja exatamente claro qual crime a nós é atribuído, a não ser a cobertura ou a participação nos eventos.
Interrogado pela Polícia, Felipe Serrano foi instado a responder se conhecia algum dos militantes sob investigação - como nos inquéritos dos tempos da ditadura. Meu nome está na lista. Meu nome consta em uma das lista de perfis do Facebook monitorados pela Polícia Civil na investigação. Destaque-se a presença do perfil do projeto de extensão da UFRN, Lições de Cidadania
No fim de agosto e início de setembro do ano passado, Natal foi revirada pela #RevoltadoBusao. Estudantes e militantes de diversos movimentos sociais tomaram as ruas da cidade em um movimento organizado contra o aumento das passagens de ônibus - que passaram de R$ 2,20 a R$ 2,40.
O primeiro protesto, em 29 de agosto, saiu das proximidades do Natal Shopping e seguiu rumo ao Midway Mall. Na esquina das avenidas Antônio Basílio e Salgado Filho, o Batalhão de Choque esperava os estudantes. Ainda que o comandante da PM, Coronel Araújo, tenha dito em entrevista à tevê que os policiais haviam disparado apenas uma bomba de efeito moral e os estudantes seriam responsáveis pela derrubada de um fio de energia, os vídeos postados no Youtube comprovaram o contrário.
O episódio da violência desmedida da polícia reprimindo a manifestação fez com que o protesto de dois dias depois, 31 de agosto, foi bem maior e percorreu cerca de 14 quilômetros em Natal.
No início de setembro a Câmara Municipal revogou o aumento concedido pelo Executivo - dando a impressão de que, mais uma vez, a ação popular nas ruas da cidade teria sido vencedora.
No entanto, para a surpresa de todos, os empresários resolveram suspender as gratuidades do sistema alegando que a suspensão do aumento lhes provocou desequilíbrio econômico-financeiro.
É nesse contexto que ocorre o protesto do dia 18 de setembro. Sobre ele, escrevi diversos textos - como aqui, em que responsabilizei o Seturn pelo endurecimento da disputa política. Sobre os eventos da noite, dois textos - aqui e aqui. Nessa noite, dois ônibus foram incendiados e a culpa foi atribuída aos manifestantes. O professor Felipe Serrano foi preso e espancado pela PM - ao ponto de ter um dedo quebrado.
No dia 20 de setembro, já noticiávamos que o governo do Estado havia constituído uma comissão de três delegados especiais para investigar a #RevoltadoBusao. Naquele momento, questionei o porquê tanta deferência ao movimento: "Afinal, três delegados para investigar manifestações sociais e a incapacidade de resolver crimes de morte ou desaparecimentos, como o do irmão do jornalista Cezar Alves, mostra que tem uma coisa muito errada aqui".
Além disso, desconhece-se tanta energia e atenção para a apuração de chacinas ou homicídios. No 14a DP, em Natal, por exemplo, em 2012 foram instaurados 57 inquéritos de homicídio, tendo apenas quatro sido elucidados - graças à confissão dos culpados.
E como esta sendo conduzida a investigação contra os militantes da #RevoltadoBusao?
Em 6 de dezembro passado, por exemplo, escrevi sobre a abordagem violenta da polícia contra Juan Drugue:
Juan Drugue foi agressivamente abordado, há dois dias, por PMs na Cidade da Esperança. Ativista da #RevoltadoBusao, Juan foi interrogado, na mala da viatura que o conduzia até sua casa. E fotografado.Os PMs que o detiveram registraram imagens de suas tatuagens. Sabiam o conteúdo de postagens que o jovem havia postado em redes sociais.Queriam confirmar nomes de supostos líderes do movimento que conduziu a #RevoltadoBusao. Questionaram pelo menos um nome: o de Dayvsoon Moura, assessor do vereador Raniere Barbosa (PRB). Deram mostras que investigam e monitoram militantes políticos e sociais da cidade de Natal. Conhecem seus passos - ao ponto de abordarem Juan quando esperava ônibus para ir ao trabalho.Citaram nomes de expoentes mais midiáticos dos movimentos de rua em Natal. O que demonstra que certamente seguem os passos de meia dúzia de blogueiros, como eu, que ousam pleitear justiça, paz e direitos nessa cidade.A PM se comporta como nos dias do Relatório Veras - que no governo Aluízio Alves mapeou os "subversivos" potiguares nos primeiros momentos pós-Golpe de 64. Será que à revelia dos comandantes da corporação? Da justiça? Do governo?De agora em diante, fique claro, qualquer ação truculenta ou violenta contra militantes sociais, estudantis, ativistas da #RevoltadoBusao ou quaisquer outros movimentos de rua deve ser tributada à conta do comando da PM do RN. Se algo acontecer contra Juan, Dayvsoon, suas famílias, nossas famílias, nós mesmos, que se questionem os PMs, mas que se responsabilize o comando da PM e o governo do estado.Queira Deus que nenhum de nós seja vítima de violência - senão será nossa PM nossa principal suspeita.
Ironicamente, a referência feita ao Relatório Veras, no qual o governo Aluizio Alves mapeou "subversivos" nos primeiros momentos pós-Golpe 64, parece cada vez menos despropositada.Ylloh Gabriel Silva, citado acima, ocupa diversas páginas no inquérito que investigou Felipe Serrano. Ylloh prestará depoimento na delegacia de narcóticos, na investigação da #RevoltadoBusao. Quando foi intimado a depor, seus pais viram os policiais revirarem seu quarto e, numa cena digna dos regimes de exceção, homens apontando suas armas, por sobre o muro, na direção do interior da casa, na clara intenção de intimidar o jovem e sua família.
Militantes sociais tratados como criminosos - assim como nos dias do Regime Militar. A inteligência da Polícia Civil chegou a sugerir que fosse solicitado ao twitter, facebook e outras redes sociais informações suficientes para identificar os IPs dos usuários que postaram informações sobre a #RevoltadoBusao. Não consta do inquérito se a quebra de sigilo foi ou não solicitada.
Diversos militantes foram ou estão sendo investigados e há, no inquérito, dossiês sobre alguns deles. Como, por exemplo, a atual coordenadora do DCE da UFRN, Danyelle Guedes.
A UFRN merece uma atenção especial da Polícia Civil. Além de ter a coordenadora do DCE sob investigação, lembremos da prisão da professora Sandra Erickson na noite de 18 de setembro - prisão que o blog transmitiu ao vivo - pelo único crime de perguntar à PM porque os ônibus estavam sendo desviados. Além disso, em um relatório de inteligência afirma-se, como que para criminalizar a própria estrutura da Universidade, que a chamada comissão de segurança da #RevoltadoBusao se utilizava de rádio walk-talkies - coisa que pessoalmente não vi em nenhum evento. O relatório ainda registra a presença do professor Robério Paulino, ex-candidato a prefeito pelo PSOL, na delegacia para prestar assistência aos detidos na noite do protesto.
Enquanto homicídios superam um ano sem ser esclarecidos, o inquérito contra um dos investigados na #RevoltadoBusao já foi concluído.
A investigação contra Felipe Serrano se encerrou, a denúncia foi apresentada pelo MP e recebida pela justiça na última sexta-feira.
O governo do DEM reinaugurou o DOPS?
O inquérito traz a foto de diversos estudantes e militantes - como o professor Felipe Serrano.