Wagner Iglecias: Refavela

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O guru que alimenta as estratégias de mercado voltado para a classe C, Renato Meirelles, do Instituto Data Popular, discordaria do professor Wagner Iglecias, ele diria que se as favelas brasileiras fossem um estado, seria o 5º em população e responsável por um consumo de 56 bilhões de reais anuais.

Refavela Wagner Iglecias, Estadão, via  Facebook do autor

Pesquisa divulgada hoje pelo IBGE, a partir do Censo de 2010, dá conta de que no Brasil mais de 11,4 milhões de pessoas “vivem em áreas ocupadas irregularmente por certo número de domicílios, caracterizadas, em diversos graus, por limitada oferta de serviços urbanos e irregularidade no padrão urbanístico”. Em outros termos, gente que vive em habitações precárias e com péssimas condições de habitabilidade. No popular, gente que mora em favelas e assemelhados. Distribuídos por mais de 6 mil delas, em 232 cidades de nosso país. Fenômeno metropolitano, a maioria das favelas concentra-se em cinco cidades, pela ordem: São Paulo, Rio, Belém, Salvador e Recife.

As favelas são um dado complexo e heterogêneo. Há uma ideia mais ou menos generalizada de que a favela é a opção que resta ao trabalhador de baixíssima renda que deseja viver próximo às regiões centrais das cidades, mais bem atendidas por serviços públicos e com maior oferta de postos de trabalho. Isso pode ser verdadeiro em alguns exemplos, como o Rio de Janeiro, mas é discutível no caso de São Paulo, cidade que se notabilizou, ao longo de décadas e pela ação de vários governos, em expulsar e confinar as favelas nas periferias.

Para além de toda sorte de precariedades e carências que vive quem mora numa favela, pesa ainda a estigmatização vinda de quem vive fora dela. Entrar numa favela e conversar com seus moradores é quase sempre ouvir o discurso de que “aqui somos todos trabalhadores, se há algo de errado acontecendo não é aqui, é lá na rua de baixo, do outro lado do rio, do lado de lá da linha do trem”. A favela brasileira vive entre o eufemismo midiático da categoria “comunidade”, retratada em novelas e programas de auditório que anunciam um Brasil festeiro e dançante, onde tudo acaba em celebração inter-étnica e inter-classes ao som de pagode e funk, e o preconceito dos programas policialescos nos quais uma maioria de gente honesta e ordeira viveria sob o permanente jugo de criminosos, tornando a favela, assim, o locus da violência e de toda sorte de ilegalidades.

A favela, na realidade, é o lugar da pobreza e da exclusão social. É a síntese, cravada no espaço construído, de um modelo de desenvolvimento que incorpora mal as pessoas, pagando a elas salários irrisórios, e de um Estado que tem o braço curto para estender políticas públicas a toda a população, em que pese a euforia recente de ascensão social dos pobres à tão propalada nova classe média. A favela é resultado de um modelo de cidade que historicamente concentrou investimentos públicos em pequenas porções do território, visando alavancar investimentos privados ligados ao mercado imobiliário e ao padrão de mobilidade baseado no automóvel. A favela é o outro lado da moeda desse nosso modelo urbano baseado no concreto e no asfalto, e que se vê hoje à beira do colapso.

*Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.