Direitos Urbanos:A PROVÍNCIA ANTIDEMOCRÁTICA: RECIFE TERRA DAS CONSTRUTORAS

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Acho que Recife está longe de ser isoladamente a "terra das construtoras". O Brasil está virando a terra das empreiteiras, a política institucional cada vez mais dependente delas.

Em 2012, ouvi uma procuradora em Natal, Rio Grande do Norte, dando dados assustadores: Natal ficará endividada por mais de 30 anos por causa da construção do estádio  para Copa, mas não avançará em mobilidade urbana.

No Rio, Paes age como um novo Pereira Passos, Kassab vendeu a cidade, equipamentos públicos como escolas, bibliotecas, creches em áreas valorizadas da cidade foram VENDIDOS a empreendimentos privados!!!!! A violência institucionalizada com a política das remoções em todas as cidades que vão sediar jogos da Copa aliada à grande especulação imobiliária são de indignar todos os que lutam por moradia urbana.

Em São Paulo além da violência contra a população dependente do crack para utilizar a área para a especulação imobiliária, houve centenas de incêndios criminosos em favelas e que só recentemente passaram a ser investigados pelo Ministério Público. Enfim, se nem direitos humanos (indissociáveis) conseguimos garantir aos mais pobres e sem acesso à Justiça, o que dirá de direitos urbanos, direito à moradia digna.

A PROVÍNCIA ANTIDEMOCRÁTICA: RECIFE TERRA DAS CONSTRUTORAS Por: Direitos Urbanos | Recife, no Facebook

Enquanto o mundo pensa uma “nova cidade”, a partir da emergência de novas concepções de viver no e com o espaço urbano, Recife imita o que tem de pior na história da construção das grandes cidades. A capital pernambucana investe em um modelo ultrapassado que vem sendo desmontado nas grandes urbes do globo.

Atualmente, o grande embate vem sendo travado entre o poder executivo municipal – através do Prefeito do PT João da Costa, sua secretária de controla urbano Maria José de Biase – e o consórcio de construtoras (Moura Dubeux/Queiroz Galvão) versus o grupo da sociedade civil, o “Direitos Urbanos”, tendo como objeto o Projeto Novo Recife cuja construção pretende descaracterizar uma importante área da capital. O grupo “Direitos Urbanos” vem atuando para mostrar como todo procedimento está eivado por vícios formais e materiais e ilegalidade.

Em entrevista recente ao Diário de Pernambuco, o Prefeito do Recife demonstrou por que não tem condições de conduzir a avaliação do Projeto Novo Recife. Como se não bastasse o descaso na fala do prefeito, em uma manobra ilegal  a Prefeitura aprovou hoje (28/12) o projeto através do seu Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU).  A aprovação do projeto Novo Recife ocorre em meio ao descumprimento de uma liminar, assinada pelo juíza de Direito Edina Maria Brandão de Barros Correia, que exigiu a sustação da reunião.

O mesmo CDU está sofrendo ações na justiça pelo desrespeito ao seu regimento interno (link) e, além, pela ilegalidade flagrante das mais diversas ações do executivo municipal ao tratar das questões da cidade. A liminar acatou uma ação popular impetrada por representantes do grupo Direitos Urbanos. A ação evidenciou que o CDU-Recife vem descumprindo a Lei Municipal n º 16.704/01, bem como o regimento do conselho que prevê composição paritária. Atualmente, no CDU não há equilíbrio de forças, ficando a decisão nas mãos do poder público municipal e das empreiteiras, que aglutinam um maior número de lugares em detrimento das vagas destinadas à sociedade civil. Além disso, há vagas em aberto e membros no conselho por tempo superior ao permitido (quatro anos).

Hoje, na capital pernambucana, o projeto Novo Recife representa uma batalha simbólica que decidirá os destinos da construção da própria cidade. Democracia ou jogos obscuros de poder, nos quais o Prefeito da cidade é homenageado como “grande nome do ano” pela Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (ADEMI-PE). ENTENDENDO O CASO:

Em termos de importância urbanística para o centro da cidade o Cais José Estelita jamais pode ser tomado como o “lote de um projeto como qualquer outro”. O terreno tem proporções que não se confundem com um terreno qualquer, 10ha, fica no ponto de articulação entre a Zona Sul e o Centro da cidade e é vizinho de uma área do Centro degradada e subutilizada (a região da rua Imperial) mas também de outra com intenso uso popular (o entorno do Mercado de São José).

O projeto que será feito ali pode determinar uma mudança de rumo no desenvolvimento da cidade, com um Centro vibrante, novamente referência da cidade como um todo, ou pode enterrar essa possibilidade, agravando problemas de mobilidade na ligação com o bairro de Boa Viagem, isolando ainda mais a área degradada do entorno da rua Imperial e segregando ainda mais ou levando a uma expulsão branca dos usuários populares do bairro de São José. Só alguém completamente cego para a cidade, suas possibilidades e suas fragilidades, e surdo a um debate que vem sendo feito desde 1920, quando o engenheiro Domingos Ferreira fez um plano urbanístico para aquela área, vai dizer a completa estupidez de que aquele é um terreno qualquer. Qualquer empreendimento do porte do NovoRecife é classificado pela legislação urbanística federal e municipal como um empreendimento de impacto, sujeito a análise especial, mais detalhada e que, mesmo segundo a lei de uso e ocupação do solo de 1996, que é ruim, não tem aprovação automática garantida. A aprovação de empreendimentos de impacto dependem do interesse social neles. Portanto, mesmo se o prefeito quisesse agir como um papagaio legalista, ele não poderia falar a bobagem de que o Cais José Estelita é um “lote como outro qualquer”.

Em certos momentos críticos, como o em que Recife vive, com o seu colapso de mobilidade, mero sintoma do colapso da urbanidade, é preciso tomadas de posição firmes, como mostrou o exemplo tão incensado de Enrique Peñalosa em Bogotá. Mas, mesmo assim, assumindo a existência de vários pontos de vista válidos e legítimos sobre a questão, então por que não fazer a danada da discussão pública sobre que cidade queremos? A reposta é porque, apesar desse papo de que há gente de todo tipo pensando de tudo, só um tipo de gente consegue falar no ouvido do prefeito. Há um plano para o futuro da cidade, só não é um plano feito pela cidade.

O projeto Novo Recife é um gravíssimo exemplo da maneira como vem acontecendo o desenvolvimento da cidade do Recife, processo no qual o poder público, ao invés de zelar, como manda a Constituição, pela “função social da cidade e o bem-estar de seus habitantes” (art 182), degrada-se em um mero facilitador dos interesses privados, sempre guiados por uma visão fragmentária e de curto prazo. Isso não vem de hoje, mas com o boom do desenvolvimento econômico recente no nosso estado esta tendência se acelerou. E o desenvolvimento econômico, ao invés de ser encarado como um meio para abrir o caminho da construção de uma cidade melhor para todos, com mais qualidade de vida e justiça social, se torna, ao contrário, quando tomado como um fim em si mesmo, um mecanismo para enterrar oportunidades. Maus políticos passam, com alguma sorte não voltam a ser eleitos, mas os efeitos da suas escolhas equivocadas permanecem por décadas. E patrimônio ambiental, a qualidade urbana da cidade e seu patrimônio histórico são bens que, uma vez perdidos, podem nunca mais ser recuperados. Quando isso se perde, a cidade que poderíamos ter construído fica no passado. Ao contrário do que pensa uma indústria que só sabe funcionar numa lógica extrativista, o Cais José Estelita não é só mais um terreno baldio, mas sim um pedaço da nossa cidade estratégico, com um potencial talvez inigualável para a construção de um projeto de cidade diferente.

Um adendo: O Consórcio Novo Recife é formado pela Moura Dubeux, Queiroz Galvão, mas também, pela G.L. Empreendimentos e Ara Empreendimentos.