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Midia brasileira está nas mãos de poucos – E o que é que a propaganda tem a ver com isso?
Todas no Blue Bus sobre regular a midia
Por Jayme Serva
A organização Repórteres Sem Fronteiras faz uma crítica à mídia brasileira que deve ser ouvida com atenção. Primeiro, porque trata-se de uma instituição que não pode ser acusada de qualquer alinhamento com quem se queixa da nossa mídia hoje. Ao contrário, a RSF carrega a pecha de pró-EUA. Segundo, porque não está no calor do debate interno sobre o assunto – partidarizado até o último fio de cabelo.
A RSF denuncia a perseguição a jornalistas e veículos periféricos, destacando o assassinato de 11 jornalistas no país em 2011. Mas o ponto que mereceu mais destaque foi a crítica da instituição à concentração da propriedade de veículos de comunicação no país. O relatório tem o sugestivo título de ‘O país dos 30 Berlusconis’, em referência ao magnata e ex-primeiro-ministro italiano que domina a mídia em seu país. É preciso lembrar que o Brasil não é caso único de concentração da propriedade de meios de comunicação em poucas pessoas ou famílias, como mostram o próprio título do relatório, o recente escândalo da mídia britânica, a briga Kirchner-Clarín ou mesmo a história da família Hearst nos EUA.
Mas a questao aqui tem um ingrediente a mais – a fonte de receita dos veículos de comunicação e sua relaçao com as agências de propaganda. Isto é fator determinante – embora nao único – da concentração do negócio nas maos das mesmas famílias que o dominavam 30 anos atrás. De onde vem a receita? Da propaganda. Ocorre que, no Brasil, como apenas em alguns países da África e da Europa Oriental, as agências de propaganda ainda são remuneradas basicamente por ‘intermediação comercial’, como era o padrao no fim do século 19 – Ganham comissao pelo espaço de mídia que vendem. Comparando com um corretor de imóveis – é melhor vender 1 apartamento em Ipanema do que 20 em Sorocaba. É melhor vender 30 segundos na Globo do que 3 mil segundos no Canal Brasil. Dá o mesmo trabalho e rende muito mais.
Aqui (e duvido que isso ocorra em qualquer lugar civilizado do mundo), a remuneração das agências de publicidade é regulamentada por lei federal, a 4.680, de 1965. Essa lei nasceu em tempo record, já durante o primeiro governo da ditadura, como fruto de uma manobra parlamentar esperta: dormia na mesa um projeto de lei de 1963, do deputado Almino Affonso, do antigo PTB, que regulamentava a profissao de publicitário. Com o golpe de abril de 1964, Almino foi cassado e forçado a se exilar. Mas o projeto ficou lá na Câmara Federal dando sopa. Deputados com muito senso de oportunidade e ligaçao com a atividade da propaganda emendaram o projeto do líder trabalhista e introduziram nele todas as regras para remuneração das agências – 20% de comissão sobre veiculação, pagos pelo veículo, 15% de taxa sobre produção, pagos pelo cliente.
Embora a lei tenha sido historicamente desrespeitada pelas verdades de mercado, o critério de comissionamento prevaleceu até hoje, depois de ter sido ratificado e re-regulamentado pelo CENP, a partir de 1998. O raciocínio é – na hora em que uma agência tiver de escolher entre um jornal semanário de Piracicaba e o Estadão – ou a Folha ou a Vejinha ou a Globo, qual ela escolherá, sabendo que tem de pagar suas contas no fim do mês?
Com isso, o critério mais sutil, que poderia fazer a decisão pender para o veículo local, sequer é levado em conta. Usa-se a “mídia-da-mãe” e um abraço. Em tempo – nenhum problema ético nisso, agências e veículos são negócios que precisam seguir as regras, gerar empregos e dar algum lucro. O problema está nas regras, não em quem as cumpre.
Não é de admirar que, enquanto se vê gente nova dando os rumos dos mais importantes setores da economia, no setor da mídia os protagonistas são os mesmos de 1980 (ou de 1960, 1930, 1880…), com honrosas e/ou falidas exceções. Para ter novos agentes nesse negócio, é preciso ter a perspectiva de receita e lucro. Com as normas atuais, só quem já está estabelecido tem alguma possibilidade de conseguir isso.
Há ainda a questão “antitrust”, que fica para um próximo texto.