Durante a entrevista ao candidato Márcio Pochmann na TV Fórum eu o questionei sobre a aliança com o PSD, já que em São Paulo, juntamente com os tucanos, o PSD - novo rearranjo do DEM - representa o que há de mais nefasto: a militarização do poder e o higienismo da sociedade.
Pochmann me respondeu sobre as grandes diferenças entre uma cidade e outra e a complexidade das eleições municipais e alianças locais. Em Campinas a sua aliança é programática, sua vice representa o grupo de comerciantes, do pequeno industrial contra o rentismo imobiliário e bancário. Pochmann deu conta de mostrar como essa aliança pode ser benéfica para a cidade de Campinas. Achei bem interessante este texto de Rafael Evangelista que retoma esta discussão, por isso o reproduzo aqui.
_________________ Publicidade // //Eleições: Campinas
Pochmann e a encruzilhada política de Campinas
Rafael Evangelista*, no Trezentos
A resposta forte talvez tenha passado meio batida na longa entrevista que Marcio Pochmann concedeu à TV Forum, há algumas semanas atrás (aqui). Mas é muito real e explica muito para quem vive em Campinas, pra quem tenta entender essa cidade que é rica, grande (a terceira do estado), mas perdeu ao longo dos anos seu caráter progressista e de vanguarda, tanto na política como na cultura.
Questionado por sua aliança com o PSD local, Pochmann defendeu a vice, Adriana Flosi, afirmando que, no contexto da cidade, o partido representava o setor produtivo, o pequeno industrial e comerciante e que se tratava de uma aliança contra o rentismo, imobiliário e bancário. Parece desculpa de candidato em campanha, mas começa a fazer sentido quando se olha os outros candidatos a vice. Como já bem mostrou o Rovai (Pochmann vai ter de derrotar o PSDB disfarçado de esquerda) Campinas tem hoje três fortes candidatos que carregam siglas de esquerda, mas dois deles são testa de ferro de setores conservadores da cidade.
Pedro Serafim, do PDT, carrega um vice do PMDB e é claro representante da especulação imobiliária. Como explicou Pochmann nesse mesmo debate, Campinas ainda possui mais de 50% de seus terrenos zoneados como rurais. Mas há uma grande pressão imobiliária, derivada tanto do crescimento da cidade como da tentativa de “fuga” dos paulistanos para lugares mais tranquilos (mas que não sejam exatamente pequenas cidades). Uma canetada na prefeitura é capaz de transformar ricos em milionários especuladores.
O líder nas pesquisas, Jonas Donizette (PSB), radialista, é a linha de frente populista que esconde um ninho de tucanos. De atuação tímida no Congresso Federal, Jonas já tentou ser eleito prefeito duas vezes. Mas é ao refazer a aliança com o partido onde nasceu que Jonas se cacifa novamente para o cargo. Sem espaço junto aos caciques locais – o PSDB já foi forte em Campinas, principalmente com o ex-prefeito Magalhães Teixeira – Jonas saiu do partido em 2002. Na época, eram os jovens líderes locais que davam as cartas após a morte do Grama, como Magalhães era conhecido. Só que a arrogância e o distanciamento dessa elite afastou o resto da cidade do PSDB. Digamos que não se trata de um pessoal muito ilustrado, mas é desproporcionalmente poderoso.
O que é um reflexo e algo que, ao mesmo tempo, explica a divisão em Campinas. A cidade é grande, mas parece pequena. Há um núcleo central que comanda os veículos de comunicação, a especulação imobiliária. E há o resto da cidade, que está nela mas não se sente parte dela. Mesmo a segunda maior universidade do estado, a Unicamp, influencia pouco. Fica em um distrito mais afastado e boa parte dos professores, principalmente dos cursos de humanidades e artes, nem mora na cidade. Não se vê o nome desses professores nos jonais, eles não falam para a televisão, não têm ascendência intelectual. Tomam periodicamente o chamado “massa crítica”, um ônibus que sai para a Unicamp logo cedo e retorna para São Paulo no final do dia.
Com isso a vida política míngua e é pouco interessante, quando existente. Os jornais locais simplesmente não falam de política, cobrem buraco de rua e futebol. As eleições quase nunca “esquentam”, dificilmente se tornam ideológicas, não dividem projetos que sejam essencialmente diferentes. São como uma eleição do interior, vota-se naquele que mais parece gente boa ou que pode dar alguma ajuda para um problema pessoal na prefeitura. Mesmo Toninho do PT, prefeito que foi assassinado em 2001, num episódio que traumatizou a cidade, chegou lá mais por méritos pessoais do que por alguma escolha política forte da população. Ele poderia ter mudado significativamente as coisas, mas não teve tempo. Como as qualidades eram pricipalmente pessoais, morreram com ele.
E é por isso que a eleição de Pochmann em Campinas é tão importante quanto a eleição de Haddad em São Paulo. Talvez menos no contexto nacional, mas certamente para a cidade.
Pochmann vem falando em “integrar a Campinas do conhecimento”. Isso não parece ser um discurso vazio, mas uma percepção de que tem faltado inteligência e política não apenas na administração como no debate sobre a cidade. É algo que vai além do partido, pois a escolha dele, um nome desconhecido da população em geral, marca um distanciamento de um populismo perigoso e de certos vícios que o PT local vinha adquirindo.
Se de fato Pochmann conseguir chegar ao poder, pode ter a chance de reoxigenar a cidade, operar um tipo de renovação na política que dê um chega pra lá nos coronéis urbanos. Nesse tipo de elite que às vezes comanda as cidades sem ter nenhum tipo de mérito intelectual ou credenciamento político-representativo na base da população: estão lá só pela força do dinheiro. E aí, quem sabe, Campinas volte a se falar e a fazer política de novo.
*Rafael Evangelista é jornalista, doutor em antropologia pelo IFCH/Unicamp com tese sobre o movimento software livre. Professor do Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do IEL/Unicamp.