Na sentença proferida pela juíza da 6a Vara da Fazenda Pública, reproduzida abaixo, no caso de um dos estudantes expulsos da USP. A juíza acolheu quase todos os argumentos do réu e anulou a expulsão.
___________ Publicidade // //TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA de SÃO PAULO FORO CENTRAL - FAZENDA PÚBLICA/ACIDENTES 6ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA VIADUTO DONA PAULINA, 80, SÃO PAULO - SP - CEP 01501-020 0006481-97.2012.8.26.0053 - lauda 1 SENTENÇA Processo nº: 0006481-97.2012.8.26.0053 Classe - Assunto Mandado de Segurança - Atos Administrativos Impetrante: Yves de Carvalho Souzedo Impetrado: Reitor da Universidade de São Paulo - Usp
C O N C L U S Ã O Em 10/05/2012, faço estes autos conclusos à MMª Juíza de Direito da 6ª Vara de Fazenda Pública da Capital, a Dra. Alexandra Fuchs de Araújo. Eu ___________________________ Escrevente Técnico Judiciário, subscrevi. Paulo Cesar de Morais - matr. 814.395-3 Vistos. Trata-se de mandado de segurança com pedido de concessão de liminar impetrado por Yves de Carvalho Souzedo em face de ato praticado pelo Reitor da Universidade de São Paulo – USP.
O impetrante é estudante do curso de Geografia da USP e, em 18 de março de 2010, juntamente com outros estudantes, teria invadido as dependências da Divisão de Promoção Social da Coordenadoria de Assistência Social.
Em consequência, foi instaurado o Processo Administrativo n. 10.1.5910.35.0, que resultou na eliminação do estudante do quadro discente da USP, bem como do alojamento CRUSP/COSEAS, com supedâneo no art. 249, IV do Decreto n. 52.906/72, em vigor por disposição do art. 4º das Disposições Transitórias do atual Regimento Geral da USP.
Na inicial, o impetrante pugna pela nulidade do referido ato administrativo.
Alega, em síntese, a inconstitucionalidade do Decreto n. 52.906/72, produzido à época da Ditadura Militar, quando ainda não havia a garantia da autonomia universitária trazida pela Constituição de 1988, por violar direitos e garantias fundamentais, além da ausência de motivação suficiente ao ato da autoridade, que teria se limitado a louvar as conclusões da Comissão Processante, sem exame ou referência que respaldassem o parecer.
A liminar foi indeferida (fls. 134/135). O fundamento da decisão foi não ter restado comprovada a existência da fumaça do bom direito, porque o impetrante não comprovou: a realização de todos os créditos necessários à colação de grau, a recusa da administração em lhe dar o certificado de conclusão de curso, e a existência de previsão de colação de grau para o período até 03 de março de 2012.
O impetrante reiterou o pedido de concessão de liminar (fls. 137) e juntou documento comprovando a conclusão dos créditos necessários para a conclusão do curso. O pedido foi novamente negado pela ausência de comprovação da recusa do impetrado em colar grau ao impetrante e de que haveria colação até 03 de março de 2012.
Notificada, a autoridade impetrada prestou informações (fls. 218/242). Aduziu preliminar de nulidade da notificação e de inadequação da via eleita por ausência de direito líquido e certo. Alegou que a Procuradoria Geral da Universidade de São Paulo não foi notificada e que o Ofício encaminhado ao impetrado não estava acompanhado por documentos, e que o impetrante não logrou provar, na inicial, a existência de violação clara e evidente à direito seu.
O Ministério Público se manifestou pela extinção do feito sem julgamento do mérito ou, no mérito, pela denegação da ordem. Defendeu a ausência de direito líquido e certo diante da legalidade do ato administrativo, o qual afirma ter cumprido os requisitos legais e respeitado o contraditório e a ampla defesa. Ainda, defendeu a inadequação da via eleita, porque o alegado desrespeito aos direitos constitucionais do impetrante necessitaria de instrução probatória, incabível no mandado de segurança.
É o relatório. Passo à fundamentação.
Não há nulidade por ausência de cópias. A notificação foi encaminhada por cópias, como se verifica a fls. 211, uma vez que não foi realizada nenhuma ressalva, no momento da assinatura, pela autoridade coatora.
A via eleita é adequada para verificar flagrantes nulidades de processo administrativo que possam resultar na nulidade.
Passo à análise do mérito.
De fato, o processo administrativo que levou ao ato impugnado é baseado no Decreto n. 52.906/72, editado durante a Ditadura Militar, momento anterior à instituição do princípio da autonomia universitária e repleto de violações aos direitos fundamentais.
Para o deslinde de litígios envolvendo membros do corpo discente de universidades públicas e suas respectivas administrações é saudável que analisemos os abusos cometidos no passado.
Ao longo das Ditaduras Militares, a Universidade Pública foi um constante alvo de ingerência e violenta repressão político-ideológica por parte das autoridades públicas. Os corpos discentes são marcados pelo apoio a lutas históricas em prol de demandas sociais, trabalhistas e nacionalistas, o que, durante períodos de violação às liberdades individuais, fez com que seus membros sofressem graves perseguições políticas, tais como expulsões carentes de quaisquer motivações.
Com a ab-rogação da Constituição anterior, a legislação infraconstitucional se mantém válida em relação àquilo que é recepcionado pela nova Constituição. Em relação à isso: “Para que a recepção, tácita ou expressa, da legislação anterior opere pela nova ordem constitucional, será indispensável a ocorrência de compatibilidade vertical entre as normas recebidas e a Constituição-receptora, sendo imperativa, também, a subsistência da própria competência legislativa do Estado sobre a matéria. Num Estado federal, como o nosso, será necessário, ainda, para que haja recepção tácita, o concurso de terceira condição, qual seja, a de que a competência deve substituir no mesmo ente federado que a detinha no sistema constitucional anterior.” FERREIRA, Luiz Tarcísio Teixeira. Recepção dos atos legislativos de exceção pela nova ordem constitucional. Revista de Direito Público; 1988. p. 227.
A Constituição de 1988 instituiu a autonomia universitária: "art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a competência para editar as normas disciplinares das universidades públicas." A mudança da titularidade da competência para editar normas disciplinares internas das universidades públicas, que passou da Administração Direta para as próprias universidades, invalida o referido Decreto porque inviabiliza a sua recepção pela nova Constituição.
Mas, mesmo que se admita a utilização do refeito decreto enquanto norma específica não for editada, apenas poderão ser aplicados os dispositivos que estão em concordância com os princípios da Nova Ordem Constitucional, em especial aqueles princípios que garantem ao Administrado o devido processo legal, motivação adequada aos processos administrativos, razoabilidade e proporcionalidade.
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são aplicáveis ao direito administrativo, e vêem previstos expressamente no artigo 111 da Constituição Paulista. Já na lei federal, o artigo 2º caput, e o inciso VI impõe a "adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público". Ora, o primeiro detalhe que chama a atenção no processo administrativo impugnado dis respeito à pena aplicada ao impetrante. Da leitura do artigo 249, IV, § 2º do Decreto n. 52.906/72, por ferimento do princípio da proporcionalidade. Com efeito, tratando-se de pena tão grave, a sua aplicação deve envolver, no mínimo, reincidência, ou prova inafastável de dano causado pelo autor em circunstâncias claramente individualizadas, o que não ocorreu no caso, tendo em vista os fundamentos para a exclusão do autor (fls. 539), que foi excluído da Universidade, basicamente, em razão do seu silêncio, do qual se reputou verdadeiros os fatos apontados contra ele.
"Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são normalmente tratados em conjunto, dizendo Hely Lopes Meirelles que "a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa".
Visam esses princípios proibir o excesso, servindo para aferir a compatibilidade entre meios e fins para evitar restrições desnecessárias ou abusivas, pela Administração contra o particular". CARMONA, Carlos Alberto. Processo Administrativo. Editora Atlas S.A. p. 32.
Como já foi dito, o impetrante não era reincidente e não havia, anteriormente, causado prejuízos à ordem universitária. É notória a desproporcionalidade existente entre a conduta típica discriminada e a pena cominada pelo Decreto, com evidente violação do Princípio da Proporcionalidade, expresso tanto na regulamentação do processo administrativo federal quanto estadual:
Lei n. 9.784, art. 2o - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; Lei n. 10.177, artigo 4º - A Administração Pública atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público e motivação dos atos administrativos.
Em relação ao processo administrativo que levou ao ato impugnado, ele é eivado de vícios.
No processo administrativo, foram reputados verdadeiros os fatos imputados ao impetrante por ele ter deixado de prestar depoimento nas oportunidades alegadas e de providenciar elementos de prova passíveis de demover a comissão de sua convicção. Ocorre que, a despeito do aduzido pelo impetrado, a revelia não é instituto de processo administrativo e não há confissão ou essa suposta aceitação implícita dos fatos narrados. Cabe a Administração apurar as verdades dos fatos, caso contrário há parcialidade manifesta do processo, visto que a administração está sujeita ao princípio da verdade material.
"Considerando que tanto o motivo legal como o motivo de fato devem ser objeto de considerações pelo administrador, pois, quanto ao primeiro, no mínimo é indispensável verificar sua conformidade com as regras e princípios constitucionais e, no que toca ao segundo, com o interesse público, o administrador – tanto quanto o julgador – está vinculado ao sistema e ao dever de uma consistente fundamentação". CARMONA, Carlos Alberto. Processo Administrativo. Editora Atlas S.A. p. 26.
Ainda, não houve, baseado nos documentos juntados, adequada descrição e individualização dos atos e condutas praticados pelos estudantes em ocasião da invasão das dependências da Divisão de Promoção Social da Coordenadoria de Assistência Social. Não é possível verificar que ato cada um praticou; da leitura da decisão de fls. 814/820, verifica-se que aqueles que se recusaram a falar foram condenados, em razão da presunção de veracidade dos fatos; aqueles que depois vieram a integrar outra chapa (AMORCRUSP), oposição da chapa Aroeira que teria organizado a invasão, foram absolvidos, sem que houvesse nenhuma apuração concreta dos fatos.
É de se concluir que não houve, por parte do impetrado, suficiente motivação do ato administrativo, que lhe é essencial. Sobre o tema:
"(...) um prestígio conferido à cidadania e consectariamente o reconhecimento de um direito, genericamente conferido aos administrados, de se informarem sobre atos administrativos e de terem conhecimento de informações de interesse geral ou particular em poder desta. Ora bem: o mínimo que daí se pode extrair é que existe um projeto constitucional assecuratório de "transparência" da Administração. Disto decorre que aos administrados em geral haverá de ser dado não apenas o direito de saber o que a Administração faz, mas, também, por que o faz. Se tal intelecção é devida como corolário dos aludidos versículos, com maior carga de razão sê-lo-á quando esteja em pauta o conhecimento dos motivos de decisões concretamente tomadas em processo administrativo no qual o cidadão seja parte direta e pessoalmente interessada." MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Malheiros Editores, São Paulo, 2005.
Reconheço, portanto, a nulidade do processo administrativo e consequentemente da decisão administrativa impugnada.
Pelo exposto, CONCEDO a segurança para declarar a nulidade do ato administrativo impugnado, ou seja, decisão no processo administrativo USP nº 10.1.5910.35.0, e cassá-lo definitivamente, fazendo cessar todos os seus efeitos.
O Estado deverá reembolsar as custas e despesas despendidas pela impetrante, sendo que não são devidos honorários advocatícios pelo que estabelece o art. 25 da Lei n. 12.016/09.
P.R.I.
São Paulo, 10 de maio de 2012. Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0006481-97.2012.8.26.0053 e o código 1H00000022CE4. Este documento foi assinado digitalmente por ALEXANDRA FUCHS DE ARAUJO. fls. 1 a 5