Ayres Britto sobre o "mensalão': Vai ser um julgamento técnico, justo, fundamentado, sem nenhum ingrediente político. Senão, é justiçamento, é linchamento.

Escrito en BLOGS el

Um poeta na alta corte

Por: Cynara Menezes, na Carta Capital

27/04/2012

De olho na rua. Ayres Britto não descuida da "vida vivida". Foto: Glaucio Dettmar

Quando entramos no amplo gabinete no prédio principal que agora ocupa como presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Carlos Ayres Britto aproxima-se de um dos janelões para comentar sobre a vista. “Eu gosto muito, porque embora seja bonito, é simples, não tem luxo”, diz e aponta para a Praça dos Três Poderes desenhada por Oscar Niemeyer. Na praça, um grupo reconhece o ministro à janela e acena. Ayres Britto retribui, e acha graça.

Aos 69 anos, o sergipano de Propriá é seguramente o mais popular ministro dos solenes tribunais superiores, abrigo de vetustos magistrados que, geralmente, têm urticária ao contato com o cidadão comum. A princípio visto com reservas, classificado como mais um jurista “afinado” ao ex-presidente Lula, que o indicou ao cargo em 2003, Ayres Britto revelou-se ao longo dos anos um grande frasista e um progressista de argumentos bem fundamentados. Destacou-se como relator de causas polêmicas, como a que liberou a pesquisa com células-tronco embrionárias no País, em 2008. No ano passado, virou ídolo dos gays com seu voto em favor da união civil homossexual.

Com a frase “o grau de civilidade de uma sociedade se mede pelo grau de liberdade da mulher”, dita há duas semanas durante a decisão sobre o aborto de anencéfalos, ganhou as feministas e “bombou”, para usar um termo da moda, nas redes sociais. Tanta notoriedade começou a atrair detratores. No dia em que o encontramos em seu gabinete, na terça-feira 24, estava extrovertido como sempre, mas deixava transparecer certo incômodo com o artigo de um historiador que o chamara de “provinciano” e fizera chacota de seu estilo descontraído.

_______________

Confira trechos da entrevista dada pelo presidente do STF, ministro Ayres Britto, à edição 695 da revista CartaCapital, citados aqui:

CartaCapital- O julgamento do chamado “mensalão” é o maior da história do STF? Ayres Britto- Desde que estou aqui é o mais incomum, o mais insólito. É o que mais chama a atenção por características dele mesmo, não por avaliação política de minha parte. Tem 38 réus, a acarretar 38 sustentações orais, 600 testemunhas, um mundo de provas documentais, laudos técnicos, mais de 300 volumes, mais de 300 apensos. É gigantesco e vai demandar de nossa parte um script também diferenciado, é evidente. Entretanto, do ponto de vista de todos nós, magistrados, é um processo como outro qualquer, é igual aos outros. Temos o dever de julgar os réus com isenção, a partir da prova dos autos, com fundamentação técnica da nossa decisão. Se não for assim, vai haver prejulgamento, seja no sentido da absolvição, seja no da condenação.

CC- Há quem diga que pela opinião pública os réus já foram condenados. AB- Pois é. É nesses instantes nos quais a opinião pública julga antes que os ministros o façam que a serenidade, a impessoalidade, a neutralidade têm de funcionar. Juízes e partes processuais são como óleo e água, não se misturam. É um dever ser imparcial.

CC- É difícil não ceder à pressão popular? AB- os juízes do Supremo se colocam diante da pressão popular com toda sobranceria, eles tiram de letra. Já são curtidos, vacinados contra isso, pela idade, pela experiência, pelo dever de ofício. Vai ser um julgamento técnico, justo, fundamentado, sem nenhum ingrediente político. Senão, é justiçamento, é linchamento. Não podemos surfar nessa onda da cólera coletiva, da pressão social. Quanto ao timing, é de toda conveniência que seja julgado por brevidade, porque a razoável duração do processo é uma norma constitucional. Se pudermos terminar antes do processo eleitoral, melhor, porque o processo eleitoral é o clímax da democracia representativa. Como 3 juízes daqui são titulares do TSE e outros três, suplentes, e como a Justiça Eleitoral funciona quase full time, evidente que ficarão divididos, esfalfados. Sem falar do risco da prescrição. Tudo isso recomenda o julgamento com brevidade sem prejuízo da segurança jurídica.

CC- Mas existem ministros a se manifestar contra essa celeridade. AB- É ponderável. Eles pensam que não há que se conferir prioridade ao processo eleitoral nem ao julgamento do chamado “mensalão” em relação a outros processos penais. Mas é uma prioridade porque, segundo o Ministério Público, vem envolto numa ambiência de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro com, em parte, dinheiro público. Combater a corrupção administrativa é uma prioridade constitucional.

_________ Publicidade