Direitos Humanos e a promoção da igualdade racial
Por: Deborah Silva Santos, UNB
2008
Comemoramos os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Uma reflexão sobre o seu papel no combate as discriminações raciais deve ser pensada a partir das palavras de Norberto Bobbio (1998:30), de que os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas, portanto, são um dado construído. Ao ser lançada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos propunha uma proteção geral e abstrata à pessoa, formulada a partir do temor em identificar a diferença, que na era Hitler foi a justificativa do nazismo para o extermínio, a destruição e o genocídio. Assim evitava a intolerância, baseada na destruição do outro, em razão da nacionalidade, etnia, raça ou religião. No entanto, o tratamento do indivíduo de forma genérica tornou-se insuficiente no atendimento às particularidades e peculiaridades das violações de direitos. Tornou-se necessário a especificação do sujeito de direito, evidenciando a necessidade de conferir a determinados grupos e indivíduos tratamento e proteção especial e particularizado mediante suas vulnerabilidades. Isto é, as diferenças não poderiam ser aniquiladas pela igualdade de direitos, mas sim para a promoção de direitos. O sociólogo Boaventura Souza Santos define perfeitamente essa questão ao dizer: "Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades." Assim, negros, indígenas, mulheres, crianças e demais grupos passaram a ser tratados em suas especificidades e particularidades. Ao direito à igualdade foi acrescentado o direito à diferença e à diversidade. Desta forma, a Declaração suscitou o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que permitiu a formação de um sistema baseado em instrumentos internacionais de proteção, como tratados e convenções acerca dos temas centrais aos direitos humanos, fixando parâmetros de proteção mínimos aos diversos grupos. No caso específico das vítimas do racismo e da discriminação racial - a população negra -, as Nações Unidas aprovaram, em 1965, a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada por 167 Estados e pelo Brasil, em 1968. No artigo 1º, parágrafo 4º, é definido que para o combate à discriminação racial, "medidas especiais serão tomadas com o objetivo precípuo de assegurar, de forma conveniente, o progresso de certos grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdade de condições". Assim definiu-se que o combate ao racismo e à discriminação racial teriam que propor ações punitivas acompanhadas de ações para a promoção da igualdade racial, buscando superar as desigualdades ocasionadas ao grupo vitimado. É importante ressaltar que essas ações foram complementares à Declaração de 1948, que não levou em conta as questões específicas de racismo que aconteciam ao redor do mundo, como na África do Sul, com o sistema do "apartheid". Sessenta anos após a Declaração dos Direitos Humanos, o que se pode verificar é a criação de uma série de instrumentos de acompanhamento e monitoramento das violações de direitos e de atendimento às vítimas, nesta questão. Além da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, foram realizadas três conferências mundiais contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e intolerâncias correlatas nos anos de 1978, 1983 e 2001. Esta última, realizada em Durban, na África do Sul, definiu, baseada em documento brasileiro, a adoção de medidas afirmativas como forma de superar as desigualdades raciais no âmbito mundial, continental, regional e local. Ou seja, a adoção das ações afirmativas pelo Brasil - como o Sistema de Cotas e o Programa de Combate ao Racismo e a Xenofobia, adotados na Universidade de Brasília - são medidas de cumprimento às determinações da Declaração Universal dos Direitos Humanos que estão servindo de exemplo para o mundo.
*Deborah Silva Santos é coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade Racial do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília (UnB), professora da disciplina Pensamento Negro Contemporâneo, mestre em História Social pela PUC/SP e ex-assessora para Gênero e Raça da SESu/MEC.
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