Por sugestão de Vanda Régia Corrêa Gomes, via Facebook.
Seu nome é Madalena, é transexual, negra e ainda ousou disputar uma vaga no Legislativo, na terra onde um cidadão é expulso da Câmara por não se levantar durante a leitura da bíblia, não vai ser fácil a tarefa da Madalena dos tempos modernos.
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Vereadora travesti recebe ameaça de morte após eleição em Piracicaba, SP A futura parlamentar suspeita de discriminação por ser homossexual. Ocorrência foi registrada no 5º Distrito Policial, em Santa Teresinha. G1 17/10/2012
Vereadora eleita disse que foi ameaçada de morte. caso tome posse (Foto: Thomaz Fernandes/G1)
A primeira travesti eleita vereadora em Piracicaba (SP) registrou, nesta terça-feira (16), boletim de ocorrência por estar recebendo ameaças de morte desde que venceu as eleições. Madalena (PSDB), cujo nome de batismo é Luis Antônio Leite, disse que recebeu ligações de um desconhecido que ameaça matá-la caso tome posse na Câmara. A futura parlamentar recorreu ao departamento jurídico do Legislativo, que a orientou a prestar queixa. Os telefonemas à casa de Madalena são diários. "A pessoa me diz coisas horríveis, diz que se eu assumir vai me matar no primeiro de janeiro", disse. O assessor jurídico da Câmara, Robson Soares, acompanhou a política até o 5º Distrito Policial de Piracicaba e afirmou que, pelo conteúdo das ameaças, tudo indica que houve preconceito em função da orientação sexual de Madalena.
"A pessoa que liga diz que ela não merece ter sido votada por ser homossexual, que ela não pode assumir o cargo em 1º de janeiro e faz ofensas. A ligação era no telefone residencial, então a Madalena não sabia quem era. Agora ela já colocou um identificador de chamadas e estamos atentos em caso de uma nova ligação. O autor pode ser um adversário ou alguém mal intencionado do próprio partido", disse Soares. Madalena disse estar assustada com a série de ameaças e relatou ter sido fotografada por uma pessoa que estava em um carro desconhecido nesta semana na Rua Governador Pedro de Toledo, no Centro de Piracicaba. "Eu estava conversando com uma amiga minha quando um carro preto parou e o motorista tirou uma foto nossa. Eu me virei pra ver quem era, mas o carro já havia acelerado", completou a vereadora eleita.
O texto de Cidinha da Silva sobre o episódio
________________ PublicidadeMadalena, vereadora transexual negra, e o mendigo caucasiano
Por Cidinha da Silva em seu blog
Eis que o novo hit das redes sociais é um mendigo-gato de olhos azuis. As moças querem levá-lo para casa, dar leitinho na boca, banhá-lo e passar talco. Semelhante ao que ocorre com os moços presos, com penas longas a cumprir, quando arranjam casamento de dentro da penitenciária. Descolam mulheres fidelíssimas, que zelarão pelo nome que o detento lhes dá, e elas, em troca, lhes darão filhos depois das visitas íntimas, que elas mesmas se encarregarão de sustentar.
Há pouco tempo, Renato Rocha, ex-baixista do Legião Urbana, foi descoberto na condição de mendigo nas ruas do Rio de Janeiro. Ele foi famoso, teve algum dinheiro, frequentou badaladas festas de embalo, teve milhares de fãs, deve ainda tê-los, foi belo. Não me lembro de que alguém tenha querido levá-lo para casa, dar leitinho na boquinha e coisa e tal. Parece que preto mendigo, mesmo famoso, é um preto só.
As famílias de Renato Rocha e de Rafael Nunes, este o nome do mendigo caucasiano de Curitiba, têm em comum, além do fato de serem trabalhadoras, desprovidas de lastro econômico hereditário, como os demais membros do Legião, por exemplo, o fato de terem oferecido apoio aos dois filhos desgarrados da orientação familiar que um dia tiveram. Renato e Rafael, por sua vez, como diversos moradores de rua, afirmam-na como um espaço de liberdade, de fuga das normas sociais que os oprime, além de serem usuários de drogas. Existe nestas opções, quando assim se configuram, realmente, um drama humano pouco acessível a nós, mortais de vidinha organizada e previsível.
Um dia, encontrei um homem branco, caucasiano, em um galpão de seleção de material reciclável. Perguntei qual era a história dele. Havia sido empresário, me contaram. Faliu, perdeu tudo e abandonou a família, envergonhado. Antes disso, tomara o cuidado de passar a casa onde vivia com a família para o nome de um amigo-irmão sem vínculo de parentesco. Evitou assim, que fosse penhorada junto com os outros bens para pagar dívidas, garantiu a segurança da família que, grata, um dia o reencontrou. Foram as filhas que contaram a história à assistente social e aos poucos tentavam se reaproximar. Ele, arredio, mal cumprimentava as pessoas, apenas selecionava o lixo e nas horas vagas, lia todas as revistas e livros com os quais se deparava. Só aceitara conversar com a filha mais nova.
Já Urinólia, moça negra, trabalhadora do mesmo local, viera da Maioba, interior do Maranhão, trazida por uma família da região de Higienópolis para trabalhar na casa deles como faz-tudo e mais um pouco. Ao fim do primeiro mês de trabalho, enquanto dormia, o adolescente da casa masturbou-se em cima dela. A moça acordou, gritou assustada e naquele momento mesmo foi expulsa da casa pelos patrões. Vagou dois dias pelas ruas da cidade, bebendo restos de líquidos encontrados no caminho, até lembrar-se que tinha fome e passar a vasculhar o lixo. Depois de uma semana andando a esmo, comendo comida das lixeiras de restaurantes e procurando lugar seco para dormir, encontrou um pessoal catando latas e papelão. Perguntou se podia juntar-se a eles, foi aceita de braços abertos. Sentiu-se mais protegida, dormiam debaixo das carroças, tinham um cachorro como guardião, até que fundaram uma cooperativa e hoje ela mora num quarto de pensão, enquanto constrói a própria casa num mutirão de habitações populares.
Mas Rafael, além de viver um drama humano de brancos e negros, tem o poder de mobilizar sentimentos humanitários que só aos brancos é dado arregimentar. Refiro-me ao sentimento massivamente manifesto de que algo está fora da ordem na hierarquia da gente que vale muito e da gente que nada vale. Rafael Nunes é branco demais (disseram bonito demais) para ser mendigo.
O outro lado da moeda é Madalena, negra, transexual, eleita vereadora em Piracicaba, interior de São Paulo, ameaçada de morte caso assuma a vaga conquistada na eleição deste ano. Uma mulher negra que além de um pênis e um rosto marcado pela vida, tem um corpo negro anti-modelo que não a habilita a desfilar em passarelas ou posar nua para revistas masculinas, como fez Roberta Close, lembram-se? Transexual branca, objeto de desejo de muitos homens socialmente heterossexuais, bem postos e moralmente conservadores, durante os anos 80. Se Roberta, Madalena fosse, tudo se resolveria pelo fetiche, mas uma preta transexual é inaceitável, como também impronunciáveis deveriam ter sido os gritos de auto-defesa de Urinólia. Madalena é preta demais, para ousar ser uma transexual legisladora numa câmara do interior paulistano.
Aqui, enquanto ouço as cordas sublimes do Ponteio afro para violoncelo, do querido Di Ganzá, apuro a motivação racial desses dramas todos. A tragédia cotidiana nas ruas expõe o valor desigual da moeda do racismo para negros e brancos. É sua essência rediviva.