Nesse POST, eu publiquei a notícia com a ressalva que era preciso aguardar apurações e dizia que torcia com todas as forças pra que a notícia de uma criança indígena queimada viva fosse mentira. Por motivos óbvios, qualquer ser humano com um mínimo de humanidade deve ter torcido para que algo tão grotesco não fosse verdade.
O relatório da Funai do Maranhão disponível no blog do Rogério Tomaz Jr. afirma que é boato. O blogueiro Rogério Tomaz põe em xeque a investigação da Funai.
Espero que para essa região do Maranhão se faça uma grande reportagem no estilo do documentário que Luiz Carlos Azenha fez sobre a Raposa Serra do Sol ou que Gustavo Costa produziu sobre os Kaiowá. Espero realmente que ela aconteça. Que jornalistas sérios se desloquem para a região, permaneçam nela para entrevistar todos os envolvidos: os que inicialmente fizeram as denúncias, os que a negaram, os indígenas da TI, alvo da ação dos madeireiros, os funcionários da Funai e até os madereiros.
A TI Araribóia tem problemas reais com os madeireiros, o próprio relatório da FUNAI mostra que os madeireiros não respeitam a terra dos Awa e que a FUNAI não tem poder sobre os madereiros. Esse caso merece uma reportagem investigativa feita por profissionais dos grandes veículos que têm recursos que a blogosfera não têm. Obviamente que uma reportagem não resolverá o problema dos Awa, mas a informação séria sobre a situação gravíssima que se encontra os Awa e outros povos geralmente desperta a solidariedade para com esses povos, mobilização, pressão para que o poder público faça o seu trabalho.
De acordo com a carta enviada à presidenta Dilma Rousseff em agosto de 2011, assinada por pesquisadores, representantes de Universidades e lideranças indígenas a situação dos Awa e outros povos indígenas na região é gravíssima e necessita de intervenção federal. Reproduzo-a:
Presidenta Dilma Rousseff Gabinete da Presidenta Palácio do Planalto Praça dos Três Poderes Brasília DF 70150-900 Brasil 15 de agosto de 2011 Vossa Excelência Os índios Awá no Maranhão Os signatários desta carta trabalham, há muitos anos, com os povos indígenas Awá, Ka’apor, Guajajara e Tembé, nos estados do Maranhão e do Pará. Alguns dos signatários são vinculados a institutos de pesquisa científica e antropológica, enquanto outros trabalham em ONGs nacionais ou estrangeiras que lidam com questões ambientais e de direitos indígenas.
Gostaríamos de transmitir nossa profunda preocupação com o futuro dos Awá no Maranhão, e pedir que V. Ex.ª e seu governo tomem providências urgentes para evitar a destruição dos Awá como um povo.
Acreditamos que órgãos federais e estaduais precisam, em caráter imediato, colocar em prática ações robustas e coordenadas para preservar a floresta onde vivem os índios, floresta que está sendo rapidamente destruída, a ponto de seus modos de vida e a própria sobrevivência estarem em risco.
Paralelamente, planos de proteção envolvendo todas as agências federais e estaduais pertinentes, implementados em consulta e parceria com os povos indígenas, têm de ser priorizados. Têm que ser planos a longo prazo, inclusivo a vigilância constante da área.
A situação é tão grave que um juiz federal, um promotor federal e um antropólogo já declararam que os Awá enfrentam um caso de genocídio (veja cronologia em anexo).
Um funcionário da FUNAI lotado na aldeia Awá alertou, em janeiro de 2011, que ‘Os awá-guajá, no processo de aceleração de invasão em que se encontram, se não houver ação rápida e emergencial, o futuro desse povo é a extinção’.
Os Awá são um dos únicos povos coletores-caçadores remanescentes no Brasil.
Muitos Awá somente estabeleceram contato regular com não-indígenas nas décadas de 70 e 80, quando a FUNAI iniciou um plano de contato durante o Projeto Grande Carajás.
Aproximadamente 100 Awá permanecem isolados, e são altamente vulneráveis. Vivendo em pequenos grupos móveis, estão literalmente em fuga conforme enormes trechos de suas florestas são colonizados e explorados por madeireiros.
As autoridades relevantes, isto é, FUNAI, IBAMA e a Polícia Federal vêm, por muitos anos, fracassando na proteção aos Awá e suas terras.
Muitos Awá isolados morreram, ou vítimas de brutos massacres por fazendeiros desmatando suas terras, ou por doenças transmitidas quando foram inicialmente contactados, doenças contra as quais não possuem imunidade.
Os Awá também já foram vítimas de corrupção, negligência e incompetência.
Como condição de empréstimo para o Projeto Grande Carajás, o Banco Mundial disponibilizou fundos para a demarcação de territórios indígenas na região na década de 80. No entanto, o Território Awá foi o último território indígena a ser demarcado, apesar de haver evidências robustas de que Awá isolados estavam vivendo no local, sob risco extremo. O território foi finalmente demarcado em 1992, mas reduzido à metade de seu tamanho original: 117,000 hectares dos 247,000 hectares originais delimitados pela FUNAI. O território foi ratificado em 2005.
Dados publicados recentemente pela FUNAI [Ilícitos na Terra Indígena Awá, MA, FUNAI, Agosto 2010] revelam que 31% do território Awá já foi invadido e destruído por madeireiros, fazendeiros e colonos. Grande parte do desmatamento ocorreu depois que o território foi demarcado.
De acordo com a FUNAI, o território Awá sofreu os mais altos índices de desmatamento entre todos os territórios indígenas na Amazônia Legal em 2009 – o último ano para o qual existem dados. Imagens Landsat revelam que, até junho de 2010, aproximadamente 37,058 hectares já haviam sido desmatados.
A despeito da decisão de um juiz federal que, em junho de 2009, ordenou que todos os invasores fossem removidos, muitos impetraram recurso e permanecem no território. No meio tempo, mais trechos da floresta estão sendo destruídos e o tempo está se esgotando.
Como um povo de caçadores-coletores sem qualquer tradição de plantio de culturas, os Awá dependem totalmente da floresta, para alimentos e animais.
Caçadores Awá têm relatado que suas famílias estão passando fome, pois a caça está desaparecendo rapidamente. A floresta, com sua rica fauna e flora, também é fundamental para a identidade e cosmologia dos Awá.Existem atualmente três povoados de não índios dentro do território indígena e uma vasta rede de estradas abertas por madeireiros, que se estendem por territórios indígenas vizinhos. Alguns colonos se encontram a meros seis kilômetros da comunidade de Juriti, onde os Awá recentemente contactados vivem, aumentando muitíssimo o risco de transmissão de doenças potencialmente fatais e de encontros violentos.
Outros territórios indígenas na região também estão sob forte pressão. Os segundo e terceiro territórios indígenas mais desmatados na Amazônia Legal em 2009 foram, respectivamente:
• o Território Indígena Alto Rio Guamá, no Pará, na fronteira com o Território Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, e lar dos índios Tembé e Ka’apor;
• o Território Indígena Araribóia, no Maranhão, moradia de um grupo grande de Awá isolados e também de índios Guajajara.
O Território Indígena Alto Turiaçu é o território que, até o momento, tem sido melhor conservado em toda a região. Houve, em 2001, uma invasão frustrada de madeireiros, mas há relatos alarmantes de que eles já retornaram com toda a força.
O relatório da FUNAI de 2010, citado acima, declara que “a região em que se encontra a TI Awá é uma das mais problemáticas em termos de ilícitos ambientais da Amazônia Legal, devendo ser encarada pelo poder público (principalmente PPCDAM, IBAMA e PF) como prioridade para a realização de operações de fiscalização interministeriais”.
Nós concordamos com a conclusão do relatório, que afirma: “É importante destacar a necessidade de atuação conjunta entre diversos órgãos federais (Ibama, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força de Segurança Nacional e Exército Brasileiro), haja vista a impossibilidade da FUNAI em atuar sozinha na questão da regularização fundiária e proteção do território de Awá”.
O fracasso do governo em proteger as terras dos Awá e povos vizinhos viola os direitos constitucionais dos índios (artigos 231.1 e 231.2). Viola, ainda, seus direitos à terra, como definidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (artigos 14.1, 14.2 e 15.1), que o Brasil ratificou em 2002.
A destruição das florestas pré-amazônicas nos territórios indígenas do Maranhão e de áreas de proteção na região, como a Reserva Biológica do Gurupi, também viola a Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (artigo 8j), ratificada pelo Brasil em 2005. Solicitamos que V. Ex.ª crie uma força-tarefa interministerial em caráter de urgência e que tome providências imediatas para proteger os Awá e suas florestas. Acreditamos que o fracasso em fazê-lo resultará em nada menos que a destruição de um povo e a extinção da floresta da qual eles dependem.
Atenciosamente, Paulo Adario, Greenpeace Brasil Marcos Apurinã, Coordenador Geral, COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) Professor William Balée, Universidade de Tulane Dra Elizabeth Maria Beserra Coelho, Professora do Progama de PósGraduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão Claudio Bombieri, Presidente da Associação Carlo Ubbiali, Maranhão Dr João Paulo Botelho Filho, Professor Adjunto e Preceptor do Centro de Diabetes da Universidade Federal de São Paulo, e Membro da Comissão Pró-Índio de São Paulo Stephen Corry, Diretor, Survival International Dr István van Deursen Varga, Universidade Federal do Maranhão, Associação Nacional de Ação Indigenista-Maranhão (ANAÍ-MA) Rosana Diniz, Conselho Indigenista Missionário - Regional Maranhão Clare Dixon, Diretora, Departamento da América Latina e o Caribe, CAFOD Dra Iara Ferraz, Pesquisadora associada do Museu Nacional / UFRJ Wellington Gomes Figueiredo, ex-sertanista da FUNAI, Coordenação Geral de Indios Isolados Dr Louis Forline, Universidade de Nevada-Reno Dr Uirá Felippe Garcia, Doutor em Antropologia, Universidade de São Paulo Dr. Alfredo Gonzalez-Ruibal, Instituto de Ciencias del Patrimonio (Incipit), Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC). Santiago de Compostela, Espanha. Dra Almudena Hernando, Universidade Complutense de MadridDra Marina Magalhães, Universidade de Brasília (UnB) Dr Denny Moore, Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém Dr Gustavo G Politis, Investigador do CONICET da Argentina e Professor na Universidade de La Plata e Universidade del Centro de la Pcia. de Buenos Aires Dr Beto Ricardo, ISA- Instituto Socioambiental Professor Terence Turner, Universidade de Cornell
Agora leia a nota e o relatório da Funai (regional de Imperatriz- Maranhão) e tire suas próprias conclusões. Clique nas imagens para vê-las ampliadas. _________ Publicidade // //