Robert Fisk: Por 10 anos, temos mentido a nós mesmos para evitar a principal pergunta

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11/9: Mentimos a nós mesmos há dez anos, fugindo da principal pergunta

Robert Fisk, The Independent, UK, Tradução e notas: Coletivo Vila Vudu

3/9/2011

Pelos livros deles, se pode conhecê-los.

Falo dos volumes, das bibliotecas – não, dos hectares e hectares de páginas impressas – que os crimes internacionais contra a humanidade cometidos dia 11/9/2001 geraram. Muitos não passam de pseudo patriotismo e autocomiseração; outros repetem incansavelmente a mitologia sem esperança das culpas de CIA/Mossad; uns poucos (infelizmente brotados no mundo muçulmano) referem-se aos assassinos como “os rapazes”; praticamente todos fugindo da pergunta que qualquer investigador policial sabe que é a primeira e a principal, para desvendar qualquer crime de rua: o motivo.

Por que, eu me pergunto, depois de 10 anos de guerra, centenas de milhares de inocentes mortos, tanta mentira e hipocrisia e traição e tortura sádica em prisões controladas pelos EUA – e os britânicos do MI5 ouvidos, bem entendido, e sem conversa fiada e patriotadas – e pelos Talibã? Teremos conseguido silenciar nós mesmos, assim como silenciamos o mundo, com nossos medos? Será que ainda não somos capazes de pronunciar três frases curtas: “Os 19 assassinos do 11/9 declararam-se muçulmanos. Vieram de uma parte do mundo chamada Oriente Médio. Logo, é aí que está o problema”?

Os editores norte-americanos foram à guerra, antes de todos, em 2001, com massivos volumes de foto-lembranças. Os títulos falam por eles mesmos: Above Hallowed Ground [Acima da terra santificada], So Others Might Live [Para que outros possam viver], Strong of Heart [Fortes de coração], What We Saw [O que vimos], The Final Frontier [A última fronteira], A Fury for God [Fúria de Deus], The Shadow of Swords [A sombra das espadas]... Ao ver pilhas disso em todas as prateleiras dos EUA, quem duvidaria que os EUA iriam à guerra? E muito antes da invasão do Iraque em 2003, outra pilha de tomos apareceu para justificar a guerra, procurando guerra. No mais importante deles de autoria de um ex-espião da CIA, Kenneth Pollack, The Threatening Storm [Tempestade ameaçadora] – e não é que todos nos lembramos de The Gathering Storm [Arma-se a tempestade], de Churchill[1]? – Pollack comparava a próxima batalha contra Saddam com a crise que Grã-Bretanha e França enfrentaram em 1938, claro.

Nesse livro de Pollack, há dois temas – “um dos principais especialistas mundiais em Iraque” como muitos informavam aos leitores (Fareed Zakaria garantia que o livro de Pollack seria “um dos mais importantes livros sobre política exterior dos EUA, em anos”) –, o primeiro dos quais inventário detalhado das armas de destruição em massa que Saddam guardava em seus arsenais; não existiam, como se sabe. O segundo tema era a importância de conseguir romper de vez “a ligação” entre “a questão iraquiana e o conflito entre árabes e israelenses”.

Os palestinos, privados do apoio do poderoso Iraque, prosseguia a narrativa, estariam ainda mais enfraquecidos na luta contra a ocupação israelense. Pollack falava da “viciosa campanha terrorista” movida pelos palestinos – mas nem uma linha de crítica a Israel. Falou de “atentados terroristas semanais, seguidos por reação de Israel” (sic), a versão israelense padrão de todos os eventos. O viés dos EUA favorável a Israel nunca foi mais que “fantasia” dos árabes. Bem, pelo menos o ilustríssimo Pollack disse, embora de modo distorcido, que o conflito Israel-Palestina teve algo a ver com o 11/9, embora também culpasse Saddam que, esse, nada jamais teve a ver com a explosão das torres gêmeas.

Depois, claro, vivemos sob um dilúvio da rica literatura do trauma pós 11/9, do eloquente O Vulto das Torres (2007, São Paulo: Companhia das Letras) de Lawrence Wright, a Scholars for 9/11 Truth [Intelectuais pela verdade do 11/9], cujos apoiadores disseram que o avião que todos viram espatifado à frente do Pentágono foi jogado ali por um C-130; que os jatos que atingiram o World Trade Centre eram teleguiados; que o voo United 93 foi abatido por um míssil dos EUA, etc. Dado o relato cheio de segredos não revelados, obtuso e às vezes desonesto que a Casa Branca apresentou – para nem falar da fraude inicial que foi a investigação pela equipe oficial – não me surpreende que milhões de norte-americanos acreditem em muitas dessas ideias. E também nem se fala da maior das mentiras oficiais: que Saddam estaria por trás do 11/9. Leon Panetta, recentemente nomeado autocrata-em-chefe da CIA, repetiu a mesma mentira, ainda esse ano, em Bagdá.

E também houve os filmes. Voo 93 reimaginou o que pode ter acontecido (e pode não ter acontecido) a bordo do avião que caiu num bosque da Pennsylvania. Outro contou história altamente romantizada, na qual as autoridades de New York agiram, estranhamente, para impedir que se filmassem nas ruas reais da cidade.

E, agora, é o dilúvio de especiais de televisão[2], todos os quais dão como verdadeira a mentira de que o 11/9 realmente mudou o mundo. – A repetição, por Bush/Blair, dessa ideia perigosa, permitiu que seus meganhas cometessem crimes de invasão e tortura –, sem jamais, nem uma vez, perguntarem por que a imprensa e a televisão aceitaram e repetem até hoje a mesma ideia.

Até hoje, nenhum desses ‘especiais’ pronunciou, uma única vez, a palavra “Israel”; na 5ª-feira à noite, Brian Lapping, na edição noturna de ITV, mencionou uma vez a palavra “Iraque”, sem explicar que o 11/9/2001 serviu de pretexto para o crime de guerra que foi aquela invasão do Iraque, em 2003. Quantos morreram dia 11/9? Quase 3.000. Quantos morreram na guerra do Iraque? Quem se importa?[3]

A publicação do relatório oficial sobre o 11/9 – em 2004, mas leia a edição de 2011 – é estudo valioso, se por mais não for, pelas realidades que apresenta, embora as frases de abertura mais pareçam início de romance, que de relatório de inquérito oficial: “Terça-feira... temperatura amena e céu praticamente sem nuvens no leste dos EUA... Para os que iam para o aeroporto, as condições do tempo não poderiam ser melhores para uma viagem segura e agradável. Entre os que embarcavam estava Mohamed Atta...” Será que esses sujeitos foram estagiários da revista Time?

Mas Anthony Summers e Robbyn Swan, em seu The Eleventh Day [O décimo-primeiro dia] enfrentam o que o ocidente recusou-se a encarar nos anos posteriores ao 11/9. “Todas as provas indicam que a Palestina foi o fator que uniu os conspiradores – em todos os níveis”, escreveram. Um dos organizadores do ataque acreditava que obrigaria os EUA a concentrarem-se sobre “as atrocidades que os EUA cometem, por apoiarem Israel”. A Palestina, dizem os autores, “sem dúvida foi a principal questão política a mover os jovens árabes (que viveram) em Hamburgo”.

A motivação para os ataques foi “escamoteada” até no relatório oficial sobre o 11/9, dizem os autores. Os investigadores discordaram quanto a essa “questão” – palavra-clichê código para não dizer “problema” – e os dois principais funcionários encarregados, Thomas Kean e Lee Hamilton, explicariam mais tarde que: “Esse era terreno sensível (...) Investigadores que argumentaram que a al-Qa'ida teria tido, como motivação, uma ideologia religiosa – e não a oposição a políticas norte-americanas – opuseram-se a qualquer referência ao conflito Israel-palestinos. (...) Na opinião deles, falar do apoio dos EUA a Israel como causa profunda da oposição da al-Qa'ida aos EUA indicaria que os EUA devessem reavaliar aquela política.” Aí está. Mais claro, impossível.

E então, o que aconteceu? Os investigadores, dizem Summers e Swan, “optaram por uma linguagem vaga, que contornou a questão do motivo”. Há uma pista, no relatório oficial – mas nada além de rápida referência numa nota de rodapé que, é claro, poucos leram. Em outras palavras, ainda não dissemos a verdade sobre o crime que – como nos querem fazer crer – “mudou o mundo para sempre”. Depois de ter visto Obama ajoelhar-se à frente de Netanyahu, em maio passado, nada disso me surpreende.

Enquanto o primeiro-ministro de Israel consegue que até o Congresso dos EUA curve-se a ele, ninguém, dos cidadãos americanos, ouve sequer uma palavra de resposta para a questão mais importante e mais “sensível” do 11/9: o porquê.[4]

NOTAS

[1] CHURCHILL, Winston. Memórias da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1995 (primeiro volume).

[2] No Brasil, em notícia redistribuída pela TV Brasil (mas... diabos, por que a TV Brasil divulga isso?!): “Globo News Especial lembra os atentados de 11 de setembro que aconteceram fora de Nova York”, assiste-se a um inacreditável besteirol, em diálogo entre jornalistas da rede Globo, sobre o ‘evento’. Programação do dia 3/9, aqui, sempre pela Rede Globo: “Estreia hoje na Globo News o especial “Dossiê Segredos de Estado”, que trará, diariamente às 20h05, oito grandes entrevistas exclusivas e reveladoras feitas pelo jornalista Geneton Moraes Neto. E há muito mais [NTs].

[3] Osama Bin Laden fez exatamente essa conta e usou exatamente esse argumento na “Carta à América”, de 2004. Ver nota 4, adiante, item f.

[4] Esse artigo de Robert Fisk exige um comentário. Fisk elabora sobre os motivos do 11/9, como se jamais tivessem sido claramente expostos à opinião pública planetária. Isso é falso.

Todos os motivos que levaram aos ataques do 11/9 estão claramente, longamente e exaustivamente expostos na “Carta a América”, de Osama Bin Laden, publicada na íntegra pelo Guardian, no domingo, 24/11/2002 (em inglês).

Naquele documento, bin Laden discorre demoradamente sobre os motivos dos ataques do 11/9 (aqui alguns excertos traduzidos):

“Pedindo que Alá nos ajude, respondemos aqui às perguntas que nos fazem os norte-americanos: (Pergunta 1) Por que lutamos contra vocês e lhes fazemos oposição? (...)

A resposta à pergunta 1 é muito simples: porque vocês nos atacaram e continuam a nos atacar.

(a) Vocês nos atacaram na Palestina (...)

(b) Vocês nos atacaram na Somália. Vocês apoiaram as atrocidades dos russos contra nós na Chechenia, a opressão contra nós na Caxemira e a agressão dos judeus contra nós no Líbano. (...)

[Vocês apóiam governos] que se renderam aos judeus e lhes entregaram quase toda a Palestina, reconhecendo a existência daqueles estados sobre os pedaços desmembrados do próprio povo. (...)

(e) Seus exércitos ocupam nossos países; vocês espalharam suas bases militares em todos aqueles estados; vocês corrompem nossas terras e degradam nossas crenças e nossos locais sagrados, para proteger os judeus e, assim, garantir que possam continuar a pilhar nossas riquezas. (...)

f) Vocês mataram de fome os muçulmanos do Iraque, onde morrem crianças todos os dias. É terrível que mais de 1,5 milhão de crianças iraquianas tenham morrido, por efeito das suas sanções, e a América jamais deu sinal de preocupar-se com isso. Mas, quando morrem 3.000 do povo de vocês, o mundo se ergue, indignado e ainda não se recompôs. (...)

Se Sharon é homem de paz aos olhos de Bush... então todos nós somos, também, homens de paz!!! Os EUA não entendem a linguagem da honra e dos princípios, então tivemos de falar a única língua que os EUA entendem. (...)

O artigo de Fisk, portanto, deve ser lido como, no máximo, um levantamento dos muitos artifícios usados, para a opinião pública mundial, para ocultar os motivos do 11/9, que, sim, foram publicados em ‘jornal de grande circulação’ e devem ser pressupostos sabidos, muito explicitadamente expostos por bin Laden, em 2002.

O fato de Fisk não se referir a essa clara exposição pública dos motivos do 11/9 e àquela carta de bin Laden não dignifica sua persona pública, política nem jornalística.

Que sentido faz tanto se empenhar em denunciar que tantos tão ativamente não expuseram os motivos do 11/9... se Fisk tampouco os expõem, embora sejam de conhecimento públicos e expostos com absoluta clareza? Censurar a “Carta à América”, de bin Laden, além de não ser boa prática jornalística também não é boa prática historiográfica.

Além do mais, como se lê na “Carta à América”, mais importante, como motivo do violento ataque contra os EUA, são, além de qualquer vaga ‘questão palestina’, “a agressão norte-americana contra a Umma” e a favor dos judeus, e a implantação dos exércitos e bases norte-americanos no mundo árabe – operações que, como se sabe, prosseguem, dez anos depois do 11/9/2001. [NTs]

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