Africanos na Capital sentem 'na pele' o preconceito Janaína Brás, Jornal o Povo Online, Fortaleza 22/08/2011
Andy Monroy, de 22 anos, saiu de Cabo Verde para estudar na UFC (IANA SOARES)
1.260 pessoas originárias de um dos cinco países da língua portuguesa na África vivem no Ceará. Entre estudantes e trabalhadores, eles sentem por causa da pele o preconceito escravocrata brasileiro
22.08.2011| 01:30 “Cearense é cheio de graça. E isso é bom, o bom-humor. Mas existem brincadeiras maldosas. Quando você é o alvo, percebe mais fácil esse limite”, alerta o historiador especialista em África, João Paulo Có. Guineense, palestrante e estudante da Universidade Federal do Ceará. Atualmente, 1.260 pessoas originárias dos cinco países africanos de língua portuguesa batalham a vida no Ceará. Os dados são apurações da Polícia Federal e dão conta dos imigrantes registrados, não dos legais. A PF não soube precisar quantos deles são estudantes. Os números tampouco revelam a discriminação.
Andy é popular. Ostenta a cabeleira black power, uns óculos com aros pretos e o sorriso sempre a postos. Pelos corredores da Universidade Federal do Ceará (UFC), a simpatia negra do estudante cabo-verdiano faz alvoroço com as meninas e angaria as amizades. Mas Andy Monroy, aos 22 anos, não é o poço de satisfação espraiado pela superfície. Há quatro anos e meio em Fortaleza, convive dia após dia com o detalhe sempre lembrado pelos nativos: é negro.
“Quando cheguei, não dava conta da minha cor. Muito menos do estigma. Aqui pude me enxergar como diferente. A ignorância das pessoas veio de brinde, com o preconceito”. E também diz dos dias quando foi confundido com bandido, e preferiu passar o resto da semana em casa. “A gente busca o melhor pra gente, não ia sair pra ser maltratado”, admite.
Andava com bermudas e chinelos, quando viveu no Papicu, para evitar os ladrões, “porque o bairro é violento”. Então era confundido com o próprio perigo – algumas pessoas atravessavam a rua. Se vestisse jeans e polo, era assaltado. Há uns meses, procurava apartamento no Benfica. Bateu à porta da senhoria: “Estou interessado no quarto para aluguel”. Ela olhou para os lados e gritou: “Socorro!”. E o colocou para fora dali. Sem mais.
A UFC recebe 10% dos estudantes africanos de páises cuja língua materna é o português. O intercâmbio é possível graças ao PEC-G, desenvolvido pelos ministérios das Relações Exteriores e da Educação. São 66 cabo-verdianos, 43 guineenses, 8 angolanos e 8 são-tomenses em áreas de convívio universitário. Não há moçambicanos em intercâmbio agora. Conforme os alunos, dentro da universidade, o preconceito se manifesta mais velado.
O doutorando em engenharia civil pela UFC, Fernando Pedro Dias, 33, ressalta: “Acontece mais se o negro daqui acha que estamos tomando as vagas da cota, as vagas deles”. O mesmo estudante das exatas, nativo da Guiné Bissau, também chama atenção para outro tipo de discriminação: a negação da identidade do estrangeiro. “Eu me apresento: Fernando Pedro. E o cara prefere me chamar de moreninho. Esse não é o meu nome. Essa não é minha identidade. Eu nem moreno sou”. A piada pronta, pra Fernando, não tem graça.
O historiador guineense, João Paulo Có, identifica o fenômeno e o remonta ao passado colonial: “O negro desembarcava na América e, desde aquele primeiro momento, perdia a raiz. Deixava de se chamar como o chamavam os pares, recebia um número ou um nome europeu. O branco, hoje, continua com o costume de tentar construir, delinear o mundo do negro”.
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