________ PublicidadeSangue nas trilhas iraquiano-sírias
Por: Pepe Escobar, Asia Times Online, Tradução: Vila Vudu 17/8/2011
Foi segunda-feira sangrenta em todo o Iraque; dois suicidas-bomba, 11 carros-bomba e 19 VBIEDs (língua do Pentágono para dizer “vehicle-borne improvised explosive devices”, dispositivos explosivos improvisados instalados em veículos) –, com cerca de 70 mortos e mais de 300 feridos.
Carros-bomba em Najaf, outro dentro do principal mercado em Kut, uma bomba detonada ao lado do comboio que acompanhava o prefeito de Baquba, dois suicidas-bomba contra uma unidade iraquiana de contraterrorismo em Tikrit, uma bomba detonada em área próxima de um comboio do governo no subúrbio de Mansur em Bagdá. – O fato de a segunda-feira sangrenta ter acontecido menos de duas semanas depois que o governo de Nuri al-Maliki anunciou negociações para que Washington mantenha no Iraque pelo menos parte dos atuais 48 mil soldados, depois de esgotado o prazo final de 2011 para completa retirada dos EUA do Iraque, inevitavelmente obriga a perguntar: quem ganha alguma coisa, de todo esse sangue?
A Al-Qaeda no Iraque tem o que ganhar, talvez, se sua estratégia for impedir que os EUA consigam escapar do pântano iraquiano –, dado que a principal acusação que atravessou o Potomac e domina a narrativa tem a ver com a “capacidade” das forças iraquianas, em cenário em que estariam “sobrecarregadas na luta contra os insurgentes”. Mais sangue no Iraque também interessa aos neoconservadores norte-americanos, aos falcões de gabinete, sobretudo no Pentágono, e praticamente a todos os Republicanos e pelas mesmas razões, também se beneficiam, em contexto de mais sangue.
Mohamed al-Adnani, porta-voz da Al-Qaeda no Iraque, parece ter fortalecido essa hipótese, dizendo, semana passada, por um website islâmico: “Não se preocupem, os dias de Zarqawi logo voltarão.”
Se é mensagem autêntica da al-Qaeda no Iraque, está destinada ao fracasso, exatamente como Abu Musab al-Zarqawi, líder da al-Qaeda no Iraque, fracassou miseravelmente – foi assassinado em 2006 –, seus métodos sanguinolentos usados contra os próprios iraquianos sunitas. Não faz sentido algum – além de ser profundamente não islâmico –que a al-Qaeda no Iraque bombardeie indiscriminadamente áreas de maioria sunita e de maioria xiita, com muitas mortes de civis, e durante o mês do jejum de Ramadan, sagrado para todos os muçulmanos.
Estabilidade é sempre relativa
A segunda-feira sangrenta no Iraque vem depois da sexta-feira sangrenta na Síria – e muitos perdem o sono em Bagdá, preocupados com o que acontece na Síria.
Mas, por mais que a violência viciosa do aparelho de segurança do presidente Bashar al-Assad incomode Maliki, seu governo nada fez até agora para pressionar Damasco (ao contrário dos curdos e do Partido Iraqiya de maioria sunita, que já criticaram com veemência o governo de Assad).
Há muitas razões para essa omissão. Quando ainda vivia exilado, nos tempos de Saddam Hussein, Maliki foi sempre muito bem acolhido pelo regime dinástico dos Assad. Maliki – como a maioria dos xiitas iraquianos – teme a volta dos sunitas salafitas, no caso (até agora altamente improvável) de o regime sírio, controlado pela seita xiita dos alawitas, cair.
Teerã, que é xiita, por sua vez, também teme aquele mesmo cenário. Mas isso não significa necessariamente – como os EUA repetem sem parar – que o Irã, que, sim, de fato, negociou a formação da maioria parlamentar a favor de Maliki em Bagdá, esteja manobrando todos os cordões, das sombras.
Maliki – pessoalmente encarregado do Ministério da Defesa e do aparelho de segurança em Bagdá – é homem muito próximo de Teerã. Mas, sobretudo, é nacionalista iraquiano. Sua posição é muito mais nuançada – quer reformas mas, ao mesmo tempo, adverte que o governo de Assad não deve ser desestabilizado, porque na Síria é ‘ou Assad ou o caos’.
A sede de sangue do regime de Assad pode ser confundida com alguma espécie de patologia. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan da Turquia não é nenhum Maliki – e sua paciência está chegando ao fim. Aparentemente, o regime Assad ganhou algum tempo depois da visita do ministro turco de Relações Exteriores Ahmet Davutoglu a Damasco, semana passada (ver “Síria: Assad não cairá”, 12/8/2011).
A gota d’água para Davutoglu pode ter acontecido no fim de semana, quando as forças do regime sírio intensificaram o sítio de Latakia. Muito significativamente, Davutoglu anunciou, nessa 2ª-feira: “É nossa última palavra às autoridades sírias: Esperamos absolutamente que todas essas operações sejam imediata e incondicionalmente suspensas. Se as operações não forem suspensas, nada mais haverá a discutir sobre medidas a serem tomadas.”
Mas... e agora? A Turquia invade a Síria, com a ajuda da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)?
A possibilidade de que o regime de Assad como um todo esteja numa viagem suicida é quase impensável. Mas o regime luta pela vida; reformas realmente democráticas implicam o fim do regime. As manifestações não param, e podem já estar chegando a Aleppo, a segunda maior cidade do país; e a linha oficial não muda: é rebelião armada por sunitas islâmicos financiada de fora (quer dizer, pela Arábia Saudita e por milionários ‘pessoais’ do Golfo Persa).
Pode ser parcialmente verdade – no que tenha a ver com ramos mais radicais da Fraternidade Muçulmana, aquela ‘nuvem’ sem contornos precisos de salafitas. Mas não explica o que a romancista síria Samar Yazbek define como “revolução de Spartacos escravos contra os senhores”, que começou no interior, entre os mais pobres e oprimidos, e espalhou-se globalmente para a juventude e os intelectuais urbanos plugados.
Agora, quando uma Bagdá “estável” olha para uma Síria “instável”, tenta avaliar o nível de popularidade do levante – e até que ponto a repressão furiosa poderá provocar, dentre outros resultados, uma crise reversa de refugiados, imagem especular da guerra sectária no Iraque, que gerou uma onda de refugiados iraquianos que atravessaram a fronteira em direção à Síria em 2006/2007.
Bagdá também tenta avaliar o jogo que a Casa de Saud está jogando – a paranóia cósmica dos sauditas, que só vê o “crescente xiita”, levando a Casa de Saud à guerra contra todos os regimes sunitas. Dizer que Riad é hostil a Bagdá é dizer o mínimo.
E há também, mais uma vez, o Kuwait, que nos tempos otomanos não passava de anexo do que, depois, viria a ser o Iraque. Membros do parlamento em Bagdá já acusam abertamente o Kuwait de roubar petróleo iraquiano, em perfurações clandestinas dentro do território iraquiano. Pode-se dizer que a história se repete outra vez como tragédia – não como farsa –, porque essa, precisamente, era a amarga reclamação de Saddam contra o Kuwait em 1990; e foi a razão-chave para que o Iraque invadisse o Kuwait, o que levou à primeira guerra do Golfo.
Quero dizer que, sim, Bagdá sabe por experiência própria que vive cercada de vizinhos muito perigosos. Portanto, precisa de forças armadas poderosas. A história volta como farsa trágica, se, para conseguir as forças armadas poderosas de que precisa, Bagdá tem de pedir ajuda a Washington – exatamente a mesma superpotência que destruiu o Iraque.
Pepe Escobar: Bagdá, a história volta como farsa trágica
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