Mera Coincidência?
Por Leandro Fortes, de Marabá (PA) na Carta Capital 653
02/07/2011
Os assassinatos decorrentes de conflitos agrários voltam a aumentar no Pará e os movimentos sociais acusam o governo do PSDB de conivência com a violência no campo
Foto: Leandro Fortes ouve moradora no Acampamento Santa Luzia, sul do Pará, 38 graus à sombra. Fonte Facebook do repórter Leandro Fortes
_____________ Publicidade //O acampamento Santa Luzia é um campo de miséria e tristeza cravado numa terra dura e estéril. Em um canto escondido no município de Marabá, no sul do Pará, 96 famílias são tentadas, diariamente, a cometer um erro. Amontoados no lugar, desde o ano passado, depois de expulsos da terra onde viveram, plantaram e colheram por cinco anos, os trabalhadores rurais foram despejados bem em frente a 10 mil hectares de terra administrados pela Agropecuária Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas. A fazenda está prestes a ser desapropriada para fins de reforma agrária porque, para plantar capim, a Santa Bárbara jogou de avião um agente químico sobre a mata nativa e, praticamente, acabou com a vegetação local. A única maneira de Dantas conseguir, ao menos, protelar o processo aberto pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por crime ambiental é incitar a invasão de terras. Ocioso e faminto, o povo do acampamento pensa nisso todo santo dia, mas teme, além da mão pesada da justiça, a sanha dos pistoleiros locais, subitamente ressuscitados nos últimos meses.
“É isso que esperam de nós”, explica Manoel Floriano, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá e coordenador do acampamento dos sem-terra de Santa Luzia. “Querem que a gente perca a cabeça, entre na terra e fique na mira da Justiça e dos pistoleiros”, afirma, ele mesmo uma das 300 lideranças rurais do sul do Pará ameaçadas de morte por grileiros, madeireiros e latifundiários.
Floriano é um dos 450 camponeses que, entre 2006 e 2010, participaram da ocupação pacífica da Fazenda Mutamba, a 18 quilômetros de Marabá, uma área improdutiva de 10 mil hectares de propriedade de Aziz Mutran Neto, filho do falecido Nagib Mutran, o maior latifundiário da região. Por cinco anos, cada família levantou casa, construiu cercas para os animais e abriu lavouras de arroz, milho, mandioca, manga, laranja, feijão, graviola e mandioca. Em junho do ano passado, a Justiça do Pará mandou a polícia evacuar a área em 30 dias. Na mesma época, Floriano começou a receber ameaças por telefone. “Diziam para eu sair logo ou as consequências viriam”.
Floriano ou qualquer outra liderança camponesa do Pará não tinha motivos para se preocupar com a truculência policial historicamente usada nos processos de desocupação nem com a pistolagem. Sob o governo da petista Ana Julia Carepa, houve uma repressão a essas práticas. Desde janeiro deste ano, porém, o Estado voltou às mãos do PSDB. O Governador Simão Jatene derrotou Ana Julia no segundo turno, com apoio maciço dos latifundiários.
Não se pode culpar o governo tucano pelo recrudescimento da violência no campo, como quer a oposição, mas a relação íntima entre o PSDB e a Federação da Agricultura do Estado do Pará (Faepa), confraria dos grandes fazendeiros obcecada em impedir a reforma agrária a qualquer custo, não pode ser ignorada. Assim como no Congresso Nacional, a bancada ruralista na Assembleia Legislativa do Pará é forte e atuante, sobretudo no que diz respeito a barrar qualquer iniciativa dos movimentos de luta pela terra, que, ao contrário do imaginado, não está majoritariamente nas mãos do Movimento dos Sem Terra (MST), mas de entidades ligadas à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag).
Não é somente a agora oposição petista que sustenta a tese de condescendência tucana com a violência rural no Pará. Todos os movimentos sociais ligados a movimentos de reforma agrária e agricultura familiar, além da Comissão Pastoral da Terra, órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), enxergam um recrudescimento da violência. “Com o PSDB, voltaram ao governo os setores mais arcaicos e violentos do estado, ancorados numa política centrada no poder do latifúndio e dos madeireiros”, avalia José Batista Afonso, advogado da CPT em Marabá e um dos mais antigos ativistas de direitos humanos da região, onde atua há três décadas. “O agronegócio aqui não é tão moderno, ao contrário, comanda a violência contra os camponeses e o meio ambiente”.
Os números falam por si. De acordo com os dados da Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, houve 32 mortes por conflitos agrários no Pará entre 2003 e 2006, no primeiro governo do tucano Simão Jatene, ante 15 (50% a menos) durante a gestão da petista Ana Julia, entre 2007 e 2010. Além disso, entre 2004 e 2005, em plena era tucana, ocorreram 20 mortes no campo, que, por não terem sido devidamente investigadas pela Polícia Civil, não entraram nessa estatística. Muito embora não haja dúvida, tanto na CPT como nas demais entidades de direitos humanos da região, de que se tratou de ações de pistoleiros a mando de grileiros.
As piores previsões dos líderes da luta pela terra no sul do Pará se concretizaram com a onda de mortes na região a partir da última semana de maio, quando quatro camponeses foram assassinados por pistoleiros sem que ninguém tenha sido identificado até agora. Três dos quatro mortos estão entre as 207 lideranças que, entre 2000 e 2011, constavam da lista da CPT de camponeses ameaçados. O caso mais emblemático até agora, a execução, em 24 de maio, do casal de castanheiros José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em Nova Ipixuna, serviu para deixar em alerta tanto as lideranças locais quanto o governo federal. Que chegou a enviar à região, sem nenhuma consequência prática, uma tropa da Força Nacional.
De acordo com a CPT, os nomes de José Cláudio e Maria constavam da lista de ameaçados de 2004, 2005 e 2010. José Cláudio ainda apareceu sozinho nos relatórios de 2001, 2002 e 2009. Durante uma conferência realizada em novembro de 2010, o castanheiro afirmou ter sido alvo de ameaças e temia ser morto a qualquer momento. Ao passar por uma ponte com a mulher, a bordo de uma motocicleta, foi alvejado com vários tiros de escopeta e revólver calibre 38, disparados por dois pistoleiros que se encontravam de tocaia no mato. Em seguida, os assassinos cortaram uma das orelhas de José Cláudio e a levaram ao mandante como prova do crime.
No dia seguinte, também foi morto em Nova Ipixuna o agricultor Eremilton Pereira dos Santos, cujo corpo só foi encontrado quatro dias depois, no mesmo assentamento de trabalhadores sem-terra, o Praialta Piranheira, onde viviam José Cláudio e Maria. Em 27 de maio foi a vez de Adelino Ramos, o Dinho, liderança do Movimento Camponês Corumbiara (MCC), do Pará, ser assassinado por pistoleiros enquanto vendia verduras no distrito de Vista Alegre do Abunã, em Porto Velho (RO). Entre 2000 e 2008, Dinho figurou na lista de ameaçados de morte por fazendeiros do sul do Pará. Ele era um dos sobreviventes do massacre de Corumbiara, ocorrido em agosto de 1995, quando 12 pessoas, entre elas crianças, morreram nas mãos de pistoleiros e policiais militares. Foi morto porque, a exemplo de José Cláudio e Maria, denunciava a ação de madeireiros ilegais que atuavam nas divisa dos estados de Rondônia, Acre e Amazonas.
Ex-chefe da Casa Civil do governo da petista Ana Julia, o deputado Cláudio Puty (PT-PA) gosta de lembrar que, nas três vezes em que Jatene esteve no poder no Pará, houve um agravamento dos conflitos no campo no estado, com o consequente assassinato de dirigentes camponeses e de movimentos sociais. Jatene era governador do Pará em 2005, quando a missionária Dorothy Stang foi assassinada em Anapu, e era vice-governador em 1996, quando do Massacre de Eldorado dos Carajás. “É um governo firmemente comprometido com o latifúndio improdutivo. Os grandes fazendeiros, madeireiros e os grileiros interpretam a gestão tucana no Pará como um governo conivente com atentados aos direitos humanos”, afirma Puty. O governo do Pará recusou-se a atender ao pedido de entrevista de CartaCapital.
Em Marabá, o titular da Delegacia de Conflitos Agrários, José Humberto de Melo Junior, afirma que a investigação sobre as mortes de José Cláudio e Maria do Espírito Santo está adiantada, mas ainda não é possível dizer se as outras mortes do fim de maio podem ser atribuídas a conflitos agrários. Ele critica, ainda, a posição da CPT em relação às listas de camponeses ameaçados. “Ameaça é, tecnicamente, um crime de menor potencial ofensivo”, explica. “Mas querem que a polícia localize e mate quem ameaça antes, como se isso fosse fazer justiça”. Além disso, para cuidar de 25 municípios, entre eles Altamira, o maior do mundo, com 161,4 mil quilômetros quadrados, o delegado conta com apenas cinco agentes e um escrivão. “Fazemos o possível”.