Fito Páez fala sobre a eleição em Buenos Aires: 'Metade da cidade dá asco'

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A análise de Fito Páez à vitória da direita em Buenos Aires não lembra algo semelhante que ocorreu em uma cidade específica do Brasil? A descrição que ele faz de uma elite indigente, egoísta e que provoca asco, não lembra um determinada elite do país? O desprezo desta elite aos direitos humanos não lembra o comportamento de uma elite muito específica do Brasil?

Fito Páez opinou sobre a eleição portenha No Infobae, Tradução e notas por Victor Farinelli de Santiago do Chile especial para o Maria Frô 12/07/2011

Abandonando seu rol de músico e compositor, Fito Páez escreveu uma coluna de opinião para o diário Página/12 sobre os portenhos (como os argentinos chamam os que nascem ou moram em Buenos Aires) e o compromisso na hora de eleger as autoridades. Os parágrafos mais destacados.

O músico e compositor Fito Páez deixou de lado sua profissão e falou como cidadão a respeito das eleições de domingo passado na cidade de Buenos Aires, onde se o atual prefeito Mauricio Macri se impôs com quase 20% a mais que seu principal oponente, o kirchnerista Daniel Filmus.

"Metade dos portenhos está mais interessada em viver os bolsos cheios, a custa do quê, não importa. Metade dos portenhos prefere aparentar mais do que ser", sustenta Fito Páez na sua coluna publicada hoje.

Fito Páez assegura que "aqui, a metade dos portenhos prefere seguir tentando resolver o mundo em mesas de bar, nos táxis, emburrecendo cada vez mais com profetas do vazio disfarçados de animadores familiares televisivos, porque 'o povo quer é se divertir'".

"Metade de Buenos Aires dá asco", conclui o músico e compositor.

Nesse sentido, continua: "Sinto que o corpo celeste da cidade se retorce em arcadas ao ver a toda essa cambada de ineptos e incapazes levando por suas ruas uma coroa de ouro, que hoje lhes corresponde pelo voto popular, mas que não foi feita à sua medida".

Ademais, agrega que "Buenos Aires quer um governo de direita. Mas daquela direita com papadas. Simplória... Gente com idéias para poucos. Gente egoísta. Gente sem swing. Isso é o que a metade da Cidade Autônoma de Buenos Aires quer para si mesma". Esta é a carta completa de Fito Paez:

"Nunca Buenos Aires esteve menos misteriosa que hoje. Nunca esteve mais longe de ser a cidade desejada por todos. Hoje, feita um trapo, convertida numa feira de balões que vende livros como se fossem hambúrgueres, a metade de seus habitantes volta a celebrar sua festa de pequenas conveniências. Metade dos portenhos está mais interessada em viver com os bolsos cheios, a custa do quê, não importa. Metade dos portenhos prefere aparentar mais que ser. Não porque não possam. É porque não querem ser. E o que essa metade está sendo ou no que está se transformando, cada vez com mais veemência já há algumas décadas, é repugnante. Digo isso devido à imensa maioria macrista que se impôs com o límpido voto republicano, que hoje, provavelmente, se esconde sob algum disfarce progressista, como o fizeram os que “não votaram em Menem no segundo turno”*, pela vergonha que implicava demonstrar seu lado mesquinho.

Aqui vemos que a metade dos portenhos prefere seguir tentando resolver o mundo em mesas de bar, nos táxis, emburrecendo cada vez mais com profetas do vazio disfarçados de animadores familiares televisivos. Porque “o povo gosta é de se divertir”, que participar de qualquer evento público desde que possa aparecer nas fotografias das revistas de moda (moda???), se chateia diante de qualquer idéia ligada aos direitos humanos, quase como se se isso fosse “o que não pode ser falado”, ou passar o dia tuitando coisas estúpidas que não interessam a ninguém. Olhar para o outro lado, se é necessário e afeta os interesses morais e econômicos do chefe da tribo, e sempre, sempre temer a Deus e fazer o que mandam os bons costumes.

Metade de Buenos Aires dá asco. Faz tempo que venho sentindo isso. É difícil diagnosticar algo tão pesado. Mas, por enquanto, não tem outro jeito. Dizem assim: “Repulsa porque metade de uma cidade que soube ser maravilhosa com gente maravilhosa”, “decepção profunda diante da imbecilidade geral de uma cidade que soube ser modelo de casa e vanguarda no mundo inteiro”, “ataque histérico de riso que aniquila o humor e conduz à psicose”, “efeito manicômio”. Sinto que o corpo celeste da cidade se retorce nas arcadas ao ver a toda essa cambada de ineptos e incapazes levar por suas ruas uma coroa de ouro, que hoje lhes corresponde pelo voto popular,  mas que não foi feita à sua medida. Não quero eufemismos.

Buenos Aires quer um governo de direita. Mas daquela direita com papadas. Simplória, que se esconde atrás das máscaras sinistras das inerentes forças ocultas da Argentina, que não vão entregar tão facilmente o que sempre tiveram: as rendas da dor, da ignorância e da hipocrisia deste país. Gente com idéias para poucos. Gente egoísta. Gente sem swing. Isso é o que a metade da Cidade Autônoma de Buenos Aires quer para si mesma".

Nota:

* A frase "como lo hicieron los que “no votaron a Menem la segunda vez”, por la vergüenza que implica saberse mezquinos" é uma referência ao segundo turno das eleições presidenciais argentinas de 2003. Naquela oportunidade, Menem venceu o primeiro turno com 24,5% das internções de voto, e teria que enfrentar um segundo turno com o então governador da provincia de Santa Cruz, Néstor Kirchner, que nas últimas pesquisas antes do pleito aparecia em quarto, com 14% das intenções de voto, mas que terminou obtendo 22%. A campanha do segundo turno durou pouco, e nesse pouco tempo, Kirchner viu sua intenção de voto se multiplicar quase como o milagre do pão e do vinho. Duas semanas depois do primeiro turno, com as pesquisas dizendo que Kirchner teria entre 60% e 70%, e que Menem terminaria tendo menos votos que no primeiro, e que sofreria uma derrota humilhante, o ex-presidente renunciou à sua candidatura, e seu adversário foi, assim, eleito presidente. Conta-se que, naquele ano, muitos menemistas começaram a negar suas preferências políticas e a negar sua simpatia por Menem, devido ao vergonhoso ocaso eleitoral da última aventura presidencial do privatizador da Argentina.

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