Pepe Escobar: China-Rússia contra a geopolítica dos EUA para a Eurásia

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Essa semana, todos de olho em Astana, Cazaquistão: China-Rússia contra a geopolítica dos EUA para a Eurásia

Por: Pepe Escobar, Al-Jazeera, Tradução: Vila Vudu

12/6/2011

Ver também: “EUA insuflam uma nova Guerra Fria”, 7/6/2011, MK Bhadrakumar, Asia Times Online; e “Militares paquistaneses ‘enquadram’ os EUA”, 10/6/2011,  MK Bhadrakumar, Indian Punchline.

As apostas não poderiam ser mais altas. Perdida, sem rumo, Washington assiste à integração regional liderada por Rússia e China.

Dia 15/6 próximo, aconteça o que acontecer, não se pode tirar os olhos nem por um instante de Astana, capital do Cazaquistão: Astana, naquele dia, talvez seja cenário de mudanças dramáticas, com choque de placas tectônicas geopolíticas, no Novo Grande Jogo na Eurásia.

No dia 15/6, 4ª-feira, começa em Astana o encontro anual da Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organisation (SCO)] – constituída de China, Rússia e quatro ‘-stãos’ da Ásia Central, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão.

Mais importante que isso, a Organização de Cooperação de Xangai está a um passo de admitir Índia e Paquistão como membros plenos, e o Afeganistão como observador.

Tradução simultânea: Rússia/China jogam para aplicar um cheque-mate geopolítico no mundo pós-EUA. A mensagem, em síntese: “Cara Washington: Esqueça para sempre a ideia de ‘incrustar-se’ na Ásia.” Reação: As elites em Washington batendo cabeça, em frenesi, sem saber o que fazer. Imperdível!

O frenesi com que Washington vem mexendo nas peças do tabuleiro foi interpretado por seletos círculos em Moscou e Pequim como ‘desatino preventivo’. Dentre aqueles movimentos, por exemplo:

• A intervenção “humanitária” sancionada pela ONU, por soldados do EUA-Africom e OTAN na Líbia. • A ameaça de intervenção “humanitária” na Síria. • Novo despertar da obsessão que nasceu no governo Bush, de instalar um sistema norte-americano de defesa antimísseis na Europa Oriental • A expansão sem qualquer limite, da OTAN, do Norte da África para a Ásia Central (ampliando o famoso, como diz o Pentágono, “arco de instabilidade”). E isso ainda sem falar das invasões à moda de serial-killers – atos de guerra com aviões-robôs tripulados à distância (drones) ou com assassinatos de alvos predeterminados [orig. targeted assassination] – contra o território e a soberania do Paquistão. Reset com a Rússia (remixed)

Por mais que Washington muito fale sobre um reset das relações EUA/Rússia, Moscou interpretou todos aqueles movimentos, seja na periferia seja no coração da Eurásia – como um torpedeamento considerado indispensável contra o papel da Rússia como grande exportador global de energia.

A estratégia de Moscou é usar a Organização de Cooperação de Xangai como forte contragolpe não só contra a OTAN mas também contra os objetivos dos EUA que envolvam as fontes de energia da Ásia Central.

Moscou e Pequim veem a OTAN pelo que a OTAN de fato é – o braço europeu armado do Pentágono. A política oficial de Pequim é uma espécie de “contenção reversa soft”, para conter o ímpeto dos EUA na Eurásia – e usando o Paquistão, “aliado de sempre” dos EUA, como peão-chave.

De seu lado, Washington vê a Índia como, essencialmente, agente chave no Pacífico Asiático, numa estratégia para conter os chineses.

Para Moscou, assim como para Pequim, uma Ásia Central protegida contra os ventos de mudança da Grande Revolta Árabe de 2011 inclui necessariamente um Paquistão política e economicamente estável – embora Moscou ainda mantenha parceria estratégica “privilegiada” com Nova Delhi.

É onde entra uma viagem crucial que o presidente do Paquistão Asif Ali Zardari fez à Rússia em meados de maio.

Zardari discutiu não só terrorismo e contrabando de drogas com o presidente russo Dmitry Medvedev, mas também o possível envolvimento da empresa russa Gazprom num capítulo crucial da história do oleo-gasodutostão, o eternamente adiado oleoduto TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia) – o qual, vale a pena repetir sempre, é questão crucial ativa no Afeganistão desde meados dos anos 1990s.

Além do mais, sim, há projetos bilaterais Rússia-Paquistão que são muitíssimo mais ambiciosos que os projetos EUA-Paquistão.

Também foi crucialmente importante uma viagem de trabalho pré-reunião da Organização de Cooperação de Xangai que fez a Pequim, mês passado, o ministro de Relações Exteriores do Afeganistão Zalmay Rasoul – desafiando abertamente um ‘bloqueio’ declarado pelos EUA. A Índia investiu mais de $1,5 milhão no Afeganistão. Mas a China investiu mais de $3 bilhões – incluído o gigantesco projeto Aynak Minas de Cobre.

Em recente palestra na Universidade de Defesa Nacional do Paquistão, Husain Haqqani, embaixador nos EUA, perguntou aos presentes qual seria a mais grave ameaça que o país enfrenta: ameaça interna, a Índia ou os EUA. Os EUA ‘venceram’ por grande maioria.

Compare-se tudo isso com a ideia dos neoconservadores nos EUA – que é também a visão do Pentágono – para os quais, para alcançar alguma “vitória” contra os Talibã no Afeganistão, a OTAN deve varrer mover guerra aérea sem tréguas também contra o Paquistão.

Quando Islamabad considera a ofensiva de sedução sino-russa e compara-a com o relacionamento ultra fraturado com Washington, não surpreende que o que mais se destaca é o medo, essencialmente punjabi, do que possa haver numa agenda oculta dos EUA: a decisão de balcanizar o Paquistão.

Além do próprio Paquistão, outra vítima dessa agenda oculta, nesse cenário, seria a China – porque estaria definitivamente morto o oleoduto Irã-Paquistão que deve levar o petróleo até o importante porto de Gwadar construído pelos chineses no Mar da Arábia.

Para a Organização de Cooperação de Xangai , uma possível balcanização do Paquistão – onde se entrecruzam o sudoeste da Eurásia, a Ásia Central e o Sul da Ásia (Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia e China Ocidental) – é o pior dos pesadelos.

Agora, somos todos afegãos

Claro que há uma muralha de desconfiança entre New Delhi e Pequim – que se pode suavizar ao longo do tempo mediante contatos mais próximos dentro do grupo das potências emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Mas o problema não é só a elite política russa: a elite política indiana ainda não desenvolveu uma visão estratégica do papel dos BRICS no mundo pós-EUA.

E, isso, enquanto uma Washington imperial – com o ocasional auxílio da Grã-Bretanha sitiada de David Cameron e apesar do que invente o neonapoleônico Sarkozy da França – parece já não ser capaz de produzir ideias para enfrentar competidores estratégicos de peso como Rússia e China.

Considerados os fatos em campo, Moscou e Pequim alarmaram-se muito com a guerra da OTAN contra a Líbia, com a ameaça de intervenção na Síria, com o livre passe para a mais brutal repressão no Bahrain e com a obsessão de Washington, que insiste em permanecer no Iraque a qualquer custo.

Mas em vez de focar-se no mundo árabe, Moscou e Pequim preferiram focar o quadro mais próximo de casa, na Eurásia (...). E é aí que se encaixa a ideia da Organização de Cooperação de Xangai, para um Afeganistão estável.

O plano de longo prazo da Organização de Cooperação de Xangai é ampliar a autonomia estratégica de Islamabad, de modo a que se torne imune às pressões-bullying de Washington, humilhações e violações de soberania. E incluir o Paquistão como membro da Organização de Cooperação de Xangai é instrumento valioso para que Moscou e Pequim ‘forcem’ Islamabad a afinar sua posição sobre o Afeganistão.

Ambas, Moscou e Pequim também querem que o Afeganistão – como o Paquistão – torne-se um entroncamento de estradas de ferro, rodovias e gás-oleodutos para todo o Oceano Índico e a Eurásia. Isso explica que Pequim esteja usando o eixo privilegiado China-Paquistão para ‘seduzir’ Cabul e, dentro da Organização de Cooperação de Xangai, unir-se em parcerias estratégicas “para todas as horas” que ultrapassem o quadro hoje vigente.

Moscou também descobriu que a Organização de Cooperação de Xangai pode ser imensamente útil. O que Washington realmente queria da Ásia Central era que o gás virtualmente ilimitado do Turcomenistão fluísse para a Europa Ocidental – via a eternamente amaldiçoado oleoduto Nabucco –, com o que cortaria o controle que a Gazprom exerce sobre a energia da Europa.

Com o TAPI tornado viável com a ajuda da Gazprom russa, Moscou poderá ‘recompensar’ o Paquistão com direitos de trânsito; e a Índia, com o gás de que tanto precisa. E, acima de tudo, o gás turcomano não competirá com o gás russo no mercado europeu.

O campo de gás Yolotan Sul, no Turcomenistão – com 3.500 quilômetros quadrados – é o segundo maior do mundo. Significa gás, gás, gás até o século 23 para China, Índia e Paquistão. E o Turcomenistão ainda poderá exportar o que sobrar.

Portanto, bem-vindos ao superexclusivo “Clube da energia da Organização de Cooperação de Xangai”. E o vencedor é, mais uma vez, o ex-presidente Vladimir Putin da Rússia, primeiro a sugerir a ideia nos idos de 2005.

Se a Organização de Cooperação de Xangai é instrumento necessário para pôr em andamento todo esse projeto – e ainda há um grande “se” a pairar sobre tudo – ela é também fato-monstro em terra, no que tenha a ver com a Grade de Segurança Energética da Eurásia, um conceito de integração pan-asiática do qual muitos especialistas em energia falam-me, desde o início dos anos 2000s. Todos a bordo, pela nova rota da seda

Pequim claramente classificou a guerra Afeganistão-Paquistão – depois que Obama autorizou a extensão – como guerra regional perigosa. Pequim teve de agir também fora da arena geopolítica, porque também a economia chinesa está sendo ameaçada.

Um eixo China-Paquistão que se aproxime do Afeganistão, indica que se pode estar iniciando um capítulo crucial do renascimento da Rota da Seda – com massivo investimento chinês numa rede de estradas, gás-oleodutos e grades de eletricidade.

Quem viaje pela região maravilha-se com o corredor Wakhan que liga o nordeste do Afeganistão à China Ocidental. A conhecida Kashgar está a poucas horas de distância de Wakhan.

Apesar do tratamento usual sempre deplorável dispensado aos uigures, Pequim está investindo dezenas de bilhões de dólares para implantar uma Zona Especial de Comércio [ing. special economic zone (SEZ)] no extremo oeste do país, orientada na direção do sul e do centro da Ásia. Kashgar está sendo reformatada para reviver seus tempos de glória da Rota da Seda, como cruzamento chave para o Paquistão (via a Rodovia Karakoram), para o Afeganistão e para a Ásia Central.

Não há meio pelo qual a guerra ao terror do Pentágono, baseada na doutrina da Dominação de Pleno Espectro, consiga competir com essa visão integrada.

Eis o que a Organização de Cooperação de Xangai conclui ao analisar o tabuleiro de xadrez: Washington não estabilizará o Afeganistão; a Organização de Cooperação de Xangai tem melhores chances. Nenhum ator regional deseja que a presença dos EUA se eternize, nas bases militares no Afeganistão – como o Pentágono, nos termos da Dominação de Pleno Espectro, sim, deseja ardentemente.

Moscou não duvida de que nada deterá Washington na tentativa de seduzir os ‘-stãos’ da Ásia Central na direção de evitar a rede de dutos russos.

E, sem grande demora, a OTAN pode ser monopolizada para “dar segurança” a gasodutos e oleodutos que contornem território russo (o que sempre foi sonho erótico do governo Bush).

Yan Xuetong, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua, não poderia ter sido mais claro: “Criamos a SCO com o objetivo de resistir à intenção estratégica dos EUA de estender seu controle militar até a Ásia Central”.

Através da Organização de Cooperação de Xangai, Pequim e Moscou estão agora prestes a desmascarar o mito (1) da OTAN como guarda-chuva de segurança na Eurásia. E ao mesmo tempo, a China harmoniza-se com a Índia, no desejo de estabilizar o Afeganistão e o Paquistão, e assim esvaziar completamente a estratégia dos EUA para a “Grande Ásia Central” construída sobre o mito (2) da guerra ao terror.

A bola – bolaço – atravessou o Potomac.

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