Compare este texto com o de Bhadrakumar, aqui, o de Pepe Scobar, aqui, o de Spengler, aqui e, finalmente o de Nick Turse (especialmente a tradução do discurso do Secretário de Defesa dos EUA, aqui).
________ Publicidade //A vida e a morte de Osama bin Laden: O Paquistão tem um preço a pagar Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online Tradução: Vila Vudu 4/5/2011
ISLAMABAD – Funcionários dos EUA modificaram sua narrativa do assassinato de Osama bin Laden na 2ª-feira na cidade paquistanesa de Abbottabad, para proteger interesses mais amplos do Paquistão contra ameaças dos militantes, e disseram que os paquistaneses não tiveram, ou só tiveram mínimo envolvimento, no assassinato.
Apesar disso, fontes bem localizadas no aparelho de segurança garantem que a operação em Abbottabad – distante duas horas, de automóvel, da capital Islamabad – foi sem dúvida operação conjunta EUA-Paquistão e que toda a logística foi preparada em território paquistanês.
Seja como for, apesar de todo o alto comando paquistanês saber que a operação visava alvo extremamente valioso, os paquistaneses não tiveram certeza de que se tratasse de bin Laden, até que o anúncio, pelos norte americanos, de que o líder da Al-Qaeda havia sido assassinado por comandos das Forças Especiais dos EUA.
A operação para assassinar Bin Laden foi semelhante à que cercou Umar Patek, agente da Al-Qaeda – e principal planejador dos atentados em Bali, na Indonésia, em 2002, que fez mais de 200 vítimas – também em Abbottabad, no final de janeiro.
Assim, no momento em que a inteligência paquistanesa autorizou o vôo de helicópteros armados, que decolaram de Tarbella Ghazi, a 20 quilômetros de Islamabad, e a partida de uma unidade de elite do quartel-general do Exército do Paquistão, para operação de captura de alvo de alto valor em Abbottabad, os paquistaneses entenderam que se trataria de prender outros membros do grupo de Umar Patek.
Autorizada a decolagem dos helicópteros, as forças de segurança do Paquistão foram postas em alerta máximo em Abbottabad, para o caso de ser necessária alguma assistência à operação liderada pelos “Seals” da Marinha dos EUA.
Os EUA têm direitos limitados de uso de uma base em Tarbella Ghazi desde 2008, nos termos de um acordo de cooperação para operações altamente secretas, história e acordo que Asia Times Online descobriu e acompanhou (“A long, hot winter for Pakistan”, 11/10/2008; e “The gloves are off in Pakistan”, 23/9/2008).
Depois de operação, que durou 40 minutos, os EUA tomaram posse do cadáver de Bin Laden – depois lançado no Mar da Arábia – e as autoridades do Paquistão foram informadas. O exército paquistanês entrou então no conjunto residencial onde Bin Laden fora encontrado e assassinado e, desse ponto em diante, assumiu o controle da operação.
A notícia do assassinato de Bin Laden caiu como bomba nos altos círculos militares e políticos no Paquistão. No front diplomático, o Paquistão já perdera a discussão contra alegações de que estaria ajudando a perpetuar o terror. Agora, já todos sabem que vários grupos de militantes armam-se contra o estado paquistanês, pela cumplicidade no assassinato de bin Laden.
Antes do assassinato de Bin Laden, menos de 10% dos militantes pró-Talibã viam o Paquistão como inimigo. 90% deles discordavam da política paquistanesa de aliar-se aos EUA na “guerra ao terror”, mas optavam por lutar contra o inimigo estrangeiro no Afeganistão. O assassinato de bin Laden agiu como ímã que atraiu sobre o governo paquistanês a ira de todos os grupos terroristas da região.
Por exemplo, o grupo Tehrik-e-Taliban Pakistan (TTP, “Talibã no Paquistão”), já anunciou que vingará o assassinato de bin Laden e declarou o Paquistão seu inimigo n.1; os EUA são o inimigo n.2. Ontem, 2ª-feira, à noite, houve um ataque suicida contra um posto de polícia na província Khyber Pakhtoonkhwa – onde se localiza a cidade de Abbottabad. O Talibã no Paquistão, TTP, já se declarou responsável pelo ataque.
Enquanto os EUA falavam, divulgando ao mundo o assassinato de bin Laden, o Paquistão – onde toda a operação foi planejada e executada – comportou-se como adolescente em pânico que não consegue articular palavra. Só ao meio-dia o ministério de Relações Exteriores emitiu nota em que declara que toda a operação foi conduzida exclusivamente por forças dos EUA.
Os americanos dizem que lançaram o cadáver de Bin Laden ao mar, para que não se criasse local de sepultamento a ser convertido em ponto de peregrinação e ícone do antiamericanismo. Os EUA ainda não entenderam: a al-Qaeda não é disso; a al-Qaeda é animal de outra espécie.
O mundo sem Osama
Bin Laden, rico príncipe saudita por nascimento, foi, em vários sentidos, filho espiritual do Dr. Ayman al-Zawahiri e de seu campo egípcio (ver “Al-Qaeda's unfinished work”, Asia Times Online, maio/2005), criador de um movimento que, nos anos 1990s, estava praticamente falido, perdendo popularidade rapidamente no mundo muçulmano.
Quando Khalid Sheikh Mohammad, o homem que planejou o 11/9, e que não era membro da al-Qaeda, aproximou-se de Zawahiri com um plano para atacar em território dos EUA, usando como arma um avião sequestrado, Zawahiri viu ali uma boa chance para fazer aumentar o atrito entre o mundo muçulmano e o mundo não muçulmano e, no processo, organizar o sentimento antiamericano no mundo muçulmano, pondo-o todo sob uma única bandeira. Zawahiri aprovou o plano, contra forte oposição de vários altos comandantes da al-Qaeda, para os quais nem os Talibã no Afeganistão nem a al-Qaeda teriam meios para resistir à contraofensiva dos EUA.
Mas Zawahiri já planejava outro mundo, completamente diferente, para depois do 11/9. Assim, imediatamente depois do ataque de 11/9 e das subsequentes invasão dos EUA ao Afeganistão e derrota dos Talibã, a al-Qaeda migrou para a área tribal do Waziristão Sul, no Paquistão, onde, em 2003, já conseguira reagrupar-se.
Esse foi um ponto de virada, quando se resolveu que a figura icônica de Bin Laden seria preservada como jóia preciosa, ao mesmo tempo em que Zawahiri trabalhava numa estratégia diferente: construir outro tipo de liderança para a al-Qaeda.
O uso atento de recursos materiais e humanos, com exploração máxima das circunstâncias, já haviam levado a identificar, em 2004, vários novos líderes, como os comandantes Nek Mohammad e Haji Umar; e, sempre que um desses caísse, já havia outro pronto para assumir suas funções. Entre esses líderes presselecionados estavam Abdullah Mehsud, Baitullah Mehsud e Hakeemullah Mehsud; o hoje altamente competente Sirajuddin Haqqani; e o comandante Ilyas Kashmiri.
A reestruturação da Al-Qaeda ajudou os Talibã a voltarem à cena em 2006, momento em que Bin Laden sumiu da vista do público, preservado e calado – no fundo da Terra, em segurança e bem cuidado, como gema de alto valor. Já não tinha funções de decisão, mas seu nome e estatura política continuavam a gerar ricos financiamentos para a al-Qaeda.
Em 2010, os EUA apresentaram uma fórmula para retirar-se do Afeganistão, e a al-Qaeda começou a dar mais ênfase a personagens como Haqqani e Kashmiri como substitutos da geração anterior da al-Qaeda na ação nas montanhas das áreas tribais. E os chefes mais antigos e mais experientes voltariam ao Oriente Médio, para comandar as revoltas árabes.
Sob esse projeto, os combatentes da Ásia Central nas áreas tribais foram avisados para fazer os preparativos necessários para construir fronts na Ásia Central (ver “Doces sufis, militantes de pedra”, parte 3, Asia Times Online, 22/1/2011, em português, aqui).
Na essência, à altura do início de 2011, a al-Qaeda já estava reorganizada como uma espécie de enxame de vespas, capaz de combater em vários pontos ao mesmo tempo, ou, sendo o caso, concentrar todas as energias num só front. O assassinato de Bin Laden congelou os planos anteriores e, segundo fontes que o Asia Times Online ouviu no Waziristão Norte, os esquemas rearranjaram-se em duas partes: resposta imediata contra o Paquistão; e esquema de guerra de longo prazo contra o ocidente e a Índia.