"Crise é papo da direita para tirar da pauta a reforma agrária", diz dirigente do MST
Por Igor Felippe Santos Do Setor de Comunicação do MST (via e-mail)
Mais uma vez, o Estadão insiste que o MST vive um "cenário de crise" e de "esvaziamento da sua luta por reforma agrária" com "pano de fundo desanimador", na página A13 deste domingo, assinada por Gabriel Manzano.
Em uma matéria editorializada, sem entrevista com nenhum dirigente do Movimento nem qualquer analista para referendar essas teses, aparece a tática do jornal de enfraquecer a bandeira da Reforma Agrária colocando em crise os protagonistas da luta, os movimentos sociais, especialmente o MST.
A primeira matéria sobre uma suposta crise do MST no Estadão apareceu no final de março, que projetava uma jornada de lutas fraca em abril. A tese do jornal foi rebatida pelo Blog da Reforma Agrária.
Agora, os números da jornada de lutas, com 70 ocupações e protestos em 19 estados e no Distrito Federal, jogam por terra a idéia de crise, uma vez que o número de ocupações está entre os maiores dos últimos 10 anos.
A dirigente do MST, Marina dos Santos, em entrevista ao repórter Daniel Cassol, do Último Segundo/iG, rebate a tese de que o Movimento esteja em crise. (veja aqui a reportagem)
"Crise é papo da direita para rebaixar o papel do nosso movimento e tirar da pauta política a reforma agrária. Nos últimos anos, sofremos um processo intenso de criminalização pela classe dominante, que colocou seus aliados no judiciário, no parlamento e na mídia para atacar o movimento", afirma Marina.
"Se estamos em crise, por que tanta criminalização? O movimento mantém 100 mil famílias acampadas, avança na organização e produção nos assentamentos e tem influência em setores importante na sociedade", pergunta.
Abaixo, veja a íntegra da entrevista ao IG.
- Segundo balanço do MST, neste ano foram 70 ocupações de terra no chamado “Abril Vermelho”. O número é menor que o de 2004, quando houve 92 ocupações, mas está próximo dos 74 do ano passado – que já registrou aumento no número de ocupações durante a Jornada. Ou seja: parece que o movimento não deu um período de trégua para a presidente Dilma Rousseff. Por quê? No primeiro ano do governo Lula, estava em construção o plano nacional de reforma agrária, que não foi cumprido. O plano já existe e cabe ao governo executar, mas reforma agrária está emperrada. No ano passado, quase não saíram assentamentos. Nos oito anos do governo Lula, a reforma agrária não foi prioridade. Infelizmente, o governo colocou em primeiro plano o agronegócio. Diante disso, sabemos que só com luta vai avançar a reforma agrária, para enfrentar os interesses das empresas transnacionais e do capital financeiro, que controlam a nossa agricultura. Independente do governo, vamos continuar fazendo ocupações de latifúndios. Quase todos os assentamentos foram criados a partir da pressão das famílias sem terra em ocupações.
- Por outro lado, nota-se que caíram pela metade o número de acampados (segundo dados do MST, a queda foi de 150 mil para 75 mil). Por que isso ocorreu?
Ainda temos um número grande de acampados, em torno de 100 mil famílias, que vivem em situação de extrema pobreza nas beiras de estradas e em ocupações. A queda do número de acampados decorre da lentidão da reforma agrária. Sem a expectativa de conquistar a terra, as famílias buscam alternativas. No entanto, continuam sonhando com a conquista da terra, que abre um horizonte para as famílias pobres do campo.
___________ Publicidade //- Programas como o Bolsa Família, além do aumento da oferta de emprego no Brasil, não diminuem o número potencial de pessoas dispostas a acampar? O que o MST faz para superar esse desafio?
No Nordeste, o país tem alcançado os maiores índices de crescimento econômico e geração de empregos, além de ter o maior número de famílias no Bolsa Família. Mas é no Nordeste onde se concentra o maior número de famílias acampadas. Não podemos ser economicistas e fazer uma relação direta entre esses fatores e o número de famílias acampadas. Claro que esses fatores têm influência, mas há outros elementos. O mais importante é a lentidão da reforma agrária, que deixa as famílias sem motivação para acampar. A questão é: qual alternativa as famílias têm para sobreviver no meio rural? O agronegócio, que tem hegemonia na agricultura, emprega pouco, superexplora a força de trabalho e paga os menores salários da sociedade. Ou as famílias se submetem a essas condições ou vão para as grandes cidades para viver no caos urbanos. Com o avanço da reforma agrária e políticas de fortalecimento dos assentamentos, a reforma agrária será a melhor saída para essas famílias saírem da pobreza, como pretende a presidenta Dilma.
- O MST está em crise ou admite, pelo menos, dificuldades na mobilização?
Crise é papo da direita para rebaixar o papel do nosso movimento e tirar da pauta política a reforma agrária. Nos últimos anos, sofremos um processo intenso de criminalização pela classe dominante, que colocou seus aliados no judiciário, no parlamento e na mídia para atacar o movimento. No RS, o ministério público propos acabar com o MST... Se estamos em crise, por que tanta criminalização? O movimento mantém 100 mil famílias acampadas, avança na organização e produção nos assentamentos e tem influência em setores importante na sociedade.
- Na avaliação do MST, Dilma Rousseff pode fazer mais pela reforma agrária do que Lula? O perfil do atual governo não é mais resistente à reforma agrária? O governo Dilma tem condições melhores de avançar na reforma agrária. As forças sociais da classe trabalhadora tiveram um peso grande na eleição de Dilma e na base social que sustenta as medidas populares do governo. Se essas forças sociais mantiverem um grau de unidade e fizerem lutas sociais, vamos conseguir avançar em várias áreas importantes. Por exemplo, na redução da jornada de trabalho, fim do superávit primária, ampliação do papel do estado como instrumento do desenvolvimento e na reforma agrária. Só com mudanças estruturais o governo vai cumprir seu objetivo de acabar com a pobreza no Brasil.
- O próprio movimento acusa as transnacionais do agronegócio de se apossarem das terras que poderiam ser destinadas para a reforma agrária. Neste sentido, não é quase inviável a reforma agrária no Brasil?
Inviável é o modelo do agronegócio, que concentra cada vez mais terras, aumentando a pobreza no campo, produz apenas monoculturas, que deterioram a terra e destroem o meio ambiente, exporta toda a produção, aumentando a dependência externa do país, e utiliza um quantidade violenta de agrotóxicos, fazendo do país o maior consumidos do mundo. Claro que o agronegócio articula setores fortes, como os fazendeiros capitalistas, empresas transnacionais e o capital financeiro, com influência no congresso, no judiciário e na mídia. No entanto, o povo brasileiro perceberá que os impactos nocivos do modelo do agronegócio para a economia, para os camponeses, para o meio ambiente e para a saúde humana, colocando em marcha mobilizações que vão mudar a correlação de forças, enfrentar a classe dominante e fazer a reforma agrária.
- No último Congresso do MST, realizado em Brasília, as lideranças do movimento falaram muito na necessidade de incentivos à produção nos assentamentos. A tendência é de que o MST se volte mais para os assentamentos ou as pressões por desapropriações de terra seguirão durante o governo Dilma? Vamos continuar a luta pela terra e fazer um trabalho político mais intenso para organizar a produção nos assentamentos. Não existe uma contradição. Pelo contrário, são dois lados da mesma moeda. E temos boas perspectivas em relação ao governo Dilma em relação ao desenvolvimento dos assentamentos, porque só com políticas de geração de renda os assentados saem da pobreza, com a ampliação da assistência técnico, crédito para produção e a implementação de um programa de agroindústrias.
- Considerando que os movimentos sociais apoiaram Dilma na eleição, não existe o risco de a adesão ao governo aumentar ainda mais a crise dos movimentos?
Quando um eleitor vota num candidato, ele não adere ao governo. A decisão do voto na eleição é baseada na comparação dos candidatos, e dos seus projetos políticos, tendo a perspectiva de que o seu escolhido esteja mais próximo da realização dos seus interesses e da derrota dos seus principais inimigos no pleito. Com os movimentos sociais, é a mesma coisa. Apoiamos a eleição de Dilma porque, dentre as forças sociais que sustentaram a candidatura dela, a classe trabalhadora teve um peso importante. Esperamos que essas forças mantenham uma unidade que seja capaz de fazer pressão para enfrentar os setores conservadores.