E se os carneiros se juntarem e deixarem de ser carneiros Por Max Altman (recebido por e-mail) 31 de março de 2011A fim de que o leitor possa apreender a letra e o espírito da Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas e não se deixar levar por interpretações enviesadas da nossa ínclita mídia e seus distintos comentaristas nacionais e internacionais, reproduzo o original da Nota emitida pelo seu Departamento de Informação Pública, cujas principais passagens traduzo.
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17 March 2011
Security Council
SC/10200
Department of Public Information • News and Media Division • New York
6498th Meeting (Night)
Security Council Approves ‘No-Fly Zone’ over Libya, Authorizing ‘All Necessary
Measures’ to Protect Civilians, by Vote of 10 in Favour with 5 Abstentions
Demanding an immediate ceasefire in Libya, including an end to the current attacks against civilians, which it said might constitute “crimes against humanity”, the Security Council this evening imposed a ban on all flights in the country’s airspace — a no-fly zone — and tightened sanctions on the Qadhafi regime and its supporters.
Adopting resolution 1973 (2011) by a vote of 10 in favour to none against, with 5 abstentions (Brazil, China, Germany, India, Russian Federation), the Council authorized Member States, acting nationally or through regional organizations or arrangements, to take all necessary measures to protect civilians under threat of attack in the country, including Benghazi, while excluding a foreign occupation force of any form on any part of Libyan territory — requesting them to immediately inform the Secretary-General of such measures.
Recognizing the important role of the League of Arab States in the maintenance of international peace and security in the region, and bearing in mind the United Nations Charter’s Chapter VIII, the Council asked the League’s member States to cooperate with other Member States in implementing the no-fly zone.
The Council stressed the need to intensify efforts to find a solution to the crisis that responded to the legitimate demands of the Libyan people, noting actions being taken on the diplomatic front in that regard. It further demanded that Libyan authorities comply with their obligations under international law and take all measures to protect civilians and meet their basic needs and to ensure the rapid and unimpeded passage of humanitarian assistance.
In that connection, the Council specified that the flight ban would not apply to flights that had as their sole purpose humanitarian aid, the evacuation of foreign nationals, enforcing the ban or other purposes “deemed necessary for the benefit of the Libyan people”.
It further decided that all States should deny permission to any Libyan commercial aircraft to land in or take off from their territory unless a particular flight had been approved in advance by the committee that was established to monitor sanctions imposed by resolution 1970 (2011).
In tightening the asset freeze and arms embargo established by that resolution, the Council this evening further detailed conditions for inspections of transport suspected to be violating the embargo, requesting States enforcing the embargo to coordinate closely with each other and the Secretary-General on the measures they were taking towards implementation.
It requested the Secretary-Secretary to create an eight-member panel of experts to assist the Security Council committee in monitoring the sanctions.
“O Conselho de Segurança aprova Zona de Exclusão Aérea” sobre a Líbia, autorizando “todas as medidas necessárias” para proteger os civis.” Este é o título da nota e a essência da resolução. Sigamos:
“Exigindo um imediato cessar fogo na Líbia, inclusive um fim aos atuais ataques contra civis, que podem se constituir em “crimes contra a humanidade”, o Conselho de Segurança impôs nesta noite (17 de março) uma proibição a todos os vôos no espaço aéreo do país – uma zona de exclusão aérea – e endureceu as sanções contra o regime de Kadafi e seus apoiadores.”
“ … o Conselho autorizou os Estados Membros, agindo nacionalmente ou através de acordos ou organizações regionais, a tomar todas as medidas necessárias para proteger os civis sob ameaça de ataque no país, inclusive Bengazi, embora excluindo força de ocupação estrangeira de qualquer tipo e em qualquer parte do território líbio ... .”
“O Conselho ressaltou a necessidade de intensificar esforços para encontrar uma solução para a crise que respondam às legítimas demandas do povo líbio, cuidando de adotar ações no campo diplomático a esse respeito. Ademais, exigiu que as autoridades líbias cumpram com suas obrigações perante a lei internacional e tome todas as medidas para proteger civis e satisfaçam suas necessidades básicas e garantam uma passagem rápida e livre de obstáculos para a assistência humanitária.”
“Com relação a isso, o Conselho especificou que a proibição de voo não se aplicaria aos voos que tivessem como único propósito a ajuda humanitária, a evacuação de cidadãos estrangeiros, fazendo respeitar a proibição ou outras medidas “consideradas necessárias para o benefício do povo líbio”.
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A Secretária de Estado Hillary Clinton e os ministros das Relações Exteriores da França, Allain Juppé e da Grã Bretanha William Hague falaram em entregar armas aos insurgentes. Hillary chegou a afirmar que a Resolução 1973 fala em “usar todas as medidas necessárias” para proteger os civis e isto autorizaria a entrega de armamento. Robert Gates, Secretário de Defesa dos Estados Unidos em depoimento ao Congresso assegurou que Washington não faria a entrega, mas defendeu que outros o fizessem. Cinismo. Esta resolução em nenhuma passagem admite a entrega de armamento. A Resolução 1970 anterior é taxativa. Ela exige a imposição de embargo a qualquer entrada de armas. Mas Washington, Londres e Paris não disseram que estavam intervindo militarmente para proteger o povo líbio? Armar um dos lados da guerra civil significa proteger os civis ?
Agora se sabe, segundo revelou o The New York Times que o próprio presidente Obama havia assinado há semanas uma diretiva presidencial autorizando o emprego de agentes da CIA em solo líbio e que também o M16 britânico participa de operações secretas no país.
Alguém em sã consciência acha que as atividades secretas da CIA e do M16 se prestem a assistência humanitária, a proteger civis ou a impedir crimes contra a humanidade? Como a história já mostrou à farta, CIA e M16 são especialistas, entre outras, em fazer entrar armas ilegalmente, em pôr abaixo governos inconvenientes. Não à toa, os insurgentes de Bengazi se mostraram desde o inicio bem armados e dispostos a derrubar Kadafi e assumir o poder.
Com base na Resolução 1970 e reforçada na 1973, valores e bens móveis depositados em bancos dos Estados Unidos, França, Inglaterra e Itália foram bloqueados. São 200 bilhões de dólares aproximadamente. Cameron e Sarkozy chegaram a afirmar que o dinheiro deveria ser repassado aos insurgentes. Além do mais, deveria ser-lhes permitido exportar petróleo e ficar com os recursos.
Divisas e petróleo pertencem ao Estado e ao povo líbio e não a uma facção que não detém o poder. Não podem Londres e Paris dispor de bens que não são seus. O que pretendem fazer é rigorosamente ilegal.
Quando os Rafale da Força Aérea francesa se adiantaram e no primeiro dia incursionaram no espaço aéreo e em território líbio, seus comandantes se vangloriaram de ter praticamente inutilizado a débil força aérea de Kadafi. Em seguida, centenas de mísseis Tomahawk de Ataque a Superfície (Tomahawk Land Attack Missile -TLAM ) norte-americanos, lançados do Mediterrâneo com precisão cirúrgica, destruíram pistas, torres de controle, anulando a capacidade de voar dos aparelhos de Kadafi. Portanto, a exclusão aérea estaria virtualmente concluída. Nos dias que se seguiram não houve notícia de sobrevôo de qualquer avião das forças do ditador líbio. A Resolução 1973 poderia se dar por parcialmente satisfeita.
Faltava a proteção aos civis. Eis que o bispo apostólico da Igreja Católica na Líbia, Giovanni Innocenzo Martinelli, disse que pelo menos 40 pessoas morreram em um bombardeio da coalizão internacional sobre Trípoli. "Os chamados 'bombardeios humanitários' causaram dezenas de vítimas entre civis em alguns bairros de Trípoli. Em particular, em Buslim, destruiu-se um edifício civil, o que causou a morte de 40 pessoas", disse Martinelli em Trípoli à agência de notícias vaticana "Fides". O bispo destacou que, nesta quinta-feira, vários hospitais de Trípoli foram atingidos por bombas, um deles no bairro de Misda, no sul da capital. A OTAN não acredita na palavra do bispo. Disse que iria verificar.
E a OTAN tomar conta das operações? Isto também não está previsto na resolução. Ela autorizou os Estados Membros, “agindo nacionalmente ou através de acordos ou organizações regionais”, a tomar todas as medidas necessárias para proteger os civis. Há Estados que compõem o Conselho de Segurança, aprovaram a resolução e não fazem parte da OTAN. O que se visava no dia da aprovação era a inclusão da organização regional Liga Árabe. A transferência do comando das ações para a OTAN se deu por pressão de Washington que não queria entrar numa terceira guerra simultânea nem consumir outros tantos bilhões de seus cofres endividados. Que os leais amigos paguem a conta.
Deu agora de o presidente da China, Hu Jintao, rechaçar o uso da força para solucionar problemas como o da Líbia. “Só o diálogo e outras vias pacíficas são a solução definitiva”, declarou num encontro com seu homólogo francês, Sarkozy. Na mesma linha, se manifestou Vladimir Putin e Serguei Lavrov, primeiro ministro e ministro de Relações Exteriores da Rússia. Esse é o caminho, solução pacífica e negociada. Cessar fogo imediato e incondicional das forças da Nato, dos rebeldes, de Kadafi. Aí as partes e a comunidade africana, arábica e internacional discutiriam e solucionariam questões como direitos humanos, proteção aos civis, liberdade, democracia, progresso, soberania, autodeterminação. Mas por que cargas d’água a China e a Rússia não se valeram de seu poder de veto no Conselho de Segurança? Não sabiam, seus argutos diplomatas e analistas políticos, que as conseqüências seriam as que estamos assistindo?
E para coroar toda essa conjuntura surge o que estão chamando de ‘Doutrina Obama’: “A força será usada não só em situações em que interesses vitais dos Estados Unidos estão em jogo, mas também para defender valores americanos.” Supõe-se que valores devem ser os da liberdade, da democracia, do livre mercado. Mas seriam esses valores os mesmos em relação à Líbia e ao Egito, a Israel e Arábia Saudita, ao Bahrein e ao Iêmen ou variam de acordo com os interesses vitais? Imagina-se que interesses vitais são os estratégicos, bases militares avançadas, fontes de energia, eventualmente de água, controle de rotas marítimas e aéreas. Porém, quem decide o que são interesses vitais. A Casa Branca, e unilateralmente, por certo.
O cenário que se descortina e o da lei da selva, da lei do mais forte.
Os leitores certamente se lembram da fábula de La Fontaine de 1688, O Lobo e o Cordeiro. Vale a pena recordar.
Na água limpa de um regato, / matava a sede um cordeiro, / quando, saindo do mato, veio um lobo carniceiro. / Tinha a barriga vazia, / não comera o dia inteiro. - Como tu ousas sujar / a água que estou bebendo? / - rosnou o Lobo a antegozar / o almoço. - Fica sabendo / que caro vais me pagar! / - Senhor - falou o Cordeiro - / encareço à Vossa Alteza / que me desculpeis mas acho / que vos enganais: bebendo, / quase dez braças abaixo / de vós, nesta correnteza, / não posso sujar-vos a água. / - Não importa. Guardo mágoa / de ti, que ano passado, / me destrataste, fingido! / - Mas eu nem tinha nascido. / - Pois então foi teu irmão. / - Não tenho irmão, Excelência. / - Chega de argumentação. / Estou perdendo a paciência! / - / Não vos zangueis, desculpai! / - Não foi teu irmão? Foi o teu pai / ou senão foi teu avô. / Disse o Lobo carniceiro. / E ao Cordeiro devorou. Onde a lei não existe, ao que parece a razão do mais forte prevalece.
E se os cordeiros se juntarem e deixarem de ser cordeiros !
Max Altman explica como potências ocidentais jogaram a resolução 1973 da ONU no lixo!
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