Por que as tevês e os grandes veículos vociferam contra o marco regulatório? Pontos para reflexão

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Por: Maurício Machado*, especial para o Maria Frô

14/04/2011

O conteúdo do modelo brasileiro de televisão aberta é baseado na ‘grade’ dos programas de rádio da década de 40 e 50. Fez muito sucesso pois o contexto era diferente (país rural a caminho da industrialização) mas foi mantido por conta dos hábitos das famílias brasileiras daquela época.

Em 1965, já com a crescente popularidade da televisão e coincidentemente com a criação da TV Globo, foi criada a Lei n° 4.680/65 para normatizar a relação entre anunciantes, agências e veículos de comunicação (vários meios). Um regulamento é particularmente pernicioso (art. 11 do Regulamento da citada Lei aprovado pelo Decreto n° 57.690/66) pois estabelece que os veículos ‘darão’ 20% de desconto às Agências sobre aqueles investimentos para publicidade dos anunciantes mas administrados por elas. Que fique claro que são verbas de empresas públicas, privadas ou de economia mista destinadas a ações de comunicação de marketing.

Além daqueles 20% (da chamada comissão) há um adiantamento para as Agências por conta do volume de investimento delas com o dinheiro dos clientes. Assim são ainda mais ‘estimuladas’ a manter sua programação nos grandes veículos. Verba milionária que deturpa o negócio e as relações comerciais.

Os grandes veículos deram o nome a isso de ‘estímulo comercial’ mas no mercado publicitário isso se chama ‘BV’ (‘bonificação por volume de investimento). Ou seja: os valores são aplicados mas voltam para as Agências que reforçam seus caixas. E elas são ‘estimuladas’ a usar mais verba naqueles mesmos e determinados veículos que ‘oferecem’ o tal ‘estímulo’. Lógico que acabam preferindo aqueles que usam dessa prática (os grandes) em detrimento daqueles que não o fazem (os pequenos). E quem paga a conta? O anunciante. E quem é o maior anunciante do país hoje em dia? O Governo Federal através de seus Ministérios (que tem obrigação de fazer campanhas de esclarecimento) e as empresas estatais ou de economia mista (que fazem o mesmo e tem que competir com companhias globais) para divulgar seus produtos e serviços.

Pois bem. Num país de dimensões continentais, com o poder de cobertura do rádio e com a expansão da internet,  não se justifica este tipo de ‘incentivo’ e a preferência por poucos veículos. E menos ainda, a grande concentração de verbas na mídia televisão aberta – majoritariamente na Rede Globo - em prejuízo dos veículos menores e mesmo aqueles com capacidade de grande penetração como o rádio, incluindo as comunitárias. E a Rede Globo por exemplo, apesar de hoje em dia, ter entre 35 e 40% de participação no mercado, fica com aproximadamente 70% do bolo publicitário das TVs!

Vejam o que diz Fernando Tassinari, gerente geral da empresa de comunicação digital ‘Razorfish Brasil’ durante participação no Workshop ANER – Redes Sociais, promovido pela Associação Nacional dos Editores de Revistas: Mesmo com o grande crescimento da internet no País, com mais de 40 milhões de usuários, segundo pesquisa divulgada em fevereiro pela ComScore, a fatia publicitária destinada a este meio de comunicação ainda é pequeno e não chega a 5%.

Segundo o Projeto Intermeios do Grupo M&M os investimentos em 2010 ficaram divididos assim: TV Aberta (64%), Internet (4,46%), TV fechada (3,28%). Na mídia impressa, a fatia dos jornais no bolo ficou em 12,36%contra 7,5% das revistas. Os investimentos em rádio somaram apenas 4,18%.

Este sistema de privilégios, que não existe no mundo, impede por exemplo que empresas e companhias donas de várias linhas de produto (sejam elas nacionais, globais ou estatais) deixem de investir aqueles 20% no desenvolvimento de campanhas para outros de sua linha. Por exemplo: um grande fábrica que tem 20 produtos, acaba fazendo comunicação de apenas 10 deles. Não fazendo de outros, não os vende como gostaria, não estimula a concorrência, a empresa não cresce, não gera mais empregos, não paga mais impostos, etc. Um volume brutal de verbas mantém um ciclo vicioso que só mantém benefícios para alguns poucos.

Durante o governo Lula, nas gestões dos Ministros Luis Gushiguen e depois Franklin Martins à frente da SECOM, foram feitos estudos que apontavam distorções e desperdício de dinheiro na programação de mídia.Decidiu-se então pela pulverização das verbas de publicidade governamental (ministérios e estatais) pelo país todo fazendo a distribuição entre tevês regionais, jornais locais e rádios principalmente. Mesmo assim, manteve-se ainda grande concentração na televisão.

Por conta disso, tanto os veículos da grande mídia, quanto o mercado publicitário em geral, vociferaram contra os critérios e dispararam críticas contra a nova política (cuja análise foi técnica) pois entenderam que perderiam as verbas consideradas ‘sagradas’. E afinal, para falar nos rincões da Amazônia é melhor o rádio, para um comunicado local é melhor o jornal da cidade e assim foi feito um esforço tremendo numa mistura de análise criteriosa e ação social. Mas ficou a mágoa da grande indústria da mídia traduzida em críticas descabidas até hoje.

Outro ponto que sempre provoca a grita da grande mídia contra o novo marco regulatório é que ele impeça um mesmo Grupo, de deter várias plataformas de geração de conteúdo como ocorre hoje. E nisso também o Brasil é exemplo no mundo (negativo) pois só aqui, um conglomerado tem e mantém TV aberta, TV fechada, distribuição do conteúdo via cabo e satélite, rádio, jornais, revistas e portal de web! Isso é deletério para o Estado de Direito pois configura monopólio da informação, possível manipulação da notícia para defender interesses e desrespeito ao contraditório entre outros aspectos.

Além disso, os Grupos encastelados (são 12 famílias que dominam os principais meios no país) temem a abertura para novos players de capital internacional que trariam know-how e novos modelos de negócios para fazer frente aos tradicionais que muitas vezes não se sustentam com pernas próprias e dependem do Governo (e suas verbas robustas). Querem manter seus privilégios, grandes negócios e domínio da opinião pública. Isso vale para os donos das concessões de TV e Rádio (que pela Constituição exploram os canais com função social) e também para os conglomerados de mídia impressa (jornais e revistas) que apesar de privados vivem em eterna crise em seu modelo de negócio por conta das rápidas transformações dos meios e plataformas em desenvolvimento. Sem contar a mudança do perfil da população brasileira mais madura, esclarecida e inteligente.

Como se vê, a mentalidade ‘grade de rádio anos 50’ ainda quer prevalecer. Falta combinar com os russos...

 

*Mauricio Machado é designer, consultor de marketing, publicitário. São Paulo, capital.