Pepe Escobar: democracia real está chegando às portas do “farol da estabilidade” - Omã.

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Atenção: não tirem os olhos do Golfo Por: Pepe Escobar, Asia Times Online Tradução: Vila Vudu 2/3/2011

fonte: Picasa do JPB

Imaginem um paraíso feudal, ou neomedieval, ex-lar do legendário Sindbar, o Marinheiro, onde reina, absoluto, um septuagenário solteiro, magro, que toca alaúde e escolheu viver em paz em seu palácio, o sultão Qabus bin Sa’id, paradigma da discrição. Em poucas linhas, eis Omã.

No Omã pratica-se o Islã ibadi – nem sunita nem xiita –, também encontrado em seletas latitudes no norte e leste da África. Nada poderia ser mais diferente do wahhabismo, ou do fanatismo jihadista à moda da al-Qaeda. Em termos de Omã, o Islã ibadi implica procurar o justo equilíbrio, numa mistura de costumes tribais e aparato de estado (Qabus orgulha-se muito do sistema de consultas aos anciãos das tribos).

Washington – e Londres – são absolutamente apaixonados por Qabus. Formado na Academia Militar de Sandhurst na Grã-Bretanha, o homem é amante de Mozart e Chopin, com faro estratégico que tem sido comparado ao do pai fundador de Cingapura, Lee Kwan Yew. (Quando estive em Omã, senti, mesmo, como se estivesse numa Cingapura árabe. Tudo em Omã é limpo demais, disneylandiamente perfeito demais, uma espécie de Stepford Wives[1] à moda de Cingapura.)

O amor dos EUA é facilitado pelo fato de o sultão ter dado enorme mão a George W. Bush durante a 1ª Guerra do Golfo em 1991 contra o Iraque de Saddam Hussein, estendendo o favor a George W. Bush e permitindo que 20 mil soldados dos EUA parassem em Omã antes de invadir o Afeganistão e o Iraque. Coroando tudo, o largo e profundo, além de imensamente estratégico, Estreito de Hormuz – essencial para a navegação dos superpetroleiros no Golfo Persa – está em território de Omã.

Lamento estragar o namoro, mas...

Qabus, no poder desde 1970, talvez ainda não seja objeto da ira do povo, em seu paraíso no Golfo de Omã. Mas a vez dele – e das elites de Omã – não tarda, nas voltas que dá o relógio da Grande Revolta árabe de 2011, que não pára.

Na lista dos países à espera de levar sapatadas na revista The Economist, Omã ocupa nada menos que o 6º lugar, logo abaixo do já-deposto Hosni Mubarak do Egito e muitos furos à frente de Zine el-Abidine Ben Ali já-deposto na Tunísia e do Khalifa-por-um-fio do Bahrain. Metade da população de menos de três milhões de habitantes têm menos de 21 anos. O desemprego é altíssimo – sobretudo entre os portadores de inúteis diplomas. De um total de mais de 40 mil egressos de cursos secundários, por ano, só alguns pouquíssimos encontram emprego.

Não há receita mais segura para tumultos. Blogueiros e tuiteiros de Omã destacam que têm havido manifestações em Sur e nos portos crucialmente estratégicos de Salalah (no sul, perto do Iêmen) e de Sohar (onde a polícia usou munição viva e matou um menino de 15 anos; a polícia de Omã – como a Mukhabarat egípcia – é treinada na Jordânia). Não menos de 3.000 manifestantes foram atacados com gás lacrimogêneo. A estrada entre Sohar e al-Ayn – que atravessa a fronteira para os Emirados Árabes Unidos (UAE) – foi fechada.

Os manifestantes, basicamente, reclamam dos salários miseráveis, em luta perdida contra a inflação que não arrefece; e de praticamente todos os empregos iram para estrangeiros (empregados das empresas estrangeiras) ou para os nativos que vivam na capital, Muscat.

São manifestações pacíficas. Os manifestantes dizem que não sossegarão enquanto os salários não melhorarem. Preventivamente, o sultão aumentou o salário mínimo nacional, de US$316 mensais, para $520; os manifestantes exigem “não menos de $1.300". E mais: melhores aposentadorias; educação gratuita para todos; e, por que não, a renúncia do governo. Durante o fim de semana, o sultão mudou o Gabinete e anunciou 50 mil novos empregos, e benefícios aos desempregados. Os manifestantes responderam “Só palavras”.

Também é crucial que nada disso esteja sendo noticiado adequadamente no Golfo. A rede Al-Jazeera está estranhamente calada. A rede Al-Arabiyya – porta-voz da Casa de Saud – também está muito quieta. Para não falar da imprensa em Omã. A Al-Jazeera foi pesadamente criticada em várias frentes durante semanas pela fraquíssima cobertura dos eventos no Bahrain – se comparada à blitzkrieg de 24 horas/dia, sete dias/semana de cobertura do Egito ou da Líbia. Tudo isso despertou suspeitas de que o emir do Qatar, há “luta pela democracia” (no norte da África) e “luta pela democracia” (no Golfo), assuntos diferentes.

Estreitos e apertos[2]

Sohar – ex-lar de Sindbad, o Marinheiro – a 80 quilômetros da fronteira com os Emirados Árabes Unidos, e a 200 quilômetros da capital Muscat, merece exame detalhado. É a usina de energia industrial de Omã – lá está um dos maiores projetos de desenvolvimentos de portos do mundo, além de uma refinaria, um complexo petroquímico, um indústria de alumínio e uma fábrica de aço. Os trabalhadores do petróleo em Sohar começam a unir-se aos manifestantes. Não é impossível, para eles, bloquear o bombeamento de petróleo para exportação, como meio para pressionar o sultão. Omã bombeia 860 mil barris de petróleo/dia e exporta cerca de 750 mil barris.

A economia global sabe que o Golfo Persa é sua principal fonte de petróleo. A noção paranóica de que o Estreito de Hormuz poderia ser fechado pelo Irã no caso de guerra contra EUA/Israel sempre foi quimera fabricada pelos neoconservadores. A realidade mostra agora outro cenário: a democracia real está chegando às portas de Omã, esse “farol da estabilidade”.

Do ponto de vista da economia global, a luta pela democracia pode converter-se em cenário de pesadelo. Se a Líbia e Omã saírem completamente do mercado, desaparecerão da economia global 2,5 milhões de barris de petróleo/dia, 3% do que o mundo consome. Não há qualquer evidência de que a Arábia Saudita possa compensar a falta, explorando máquinas e infraestrutura até o limite. Tradução: o barril de petróleo pode ultrapassar os $150 o barris em questão de dias. E, isso, sem ninguém nem supor que possa haver protestos em março, na Arábia Saudita.

Omã não é exatamente um acidente da história, como os reinos do Golfo – que não passavam de “o fio de pérolas” na rota naval do império britânico ao longo do Oceano Índico. Não surpreende que Lord Curzon, o imperialista-em-chefe, os chamasse de “pequeninas chefaturas árabes” [orig. petty Arab chiefships] (o que, parece, pouco mudou sob o governo imperial dos EUA). No que tenha a ver com Washington, Omã continua a ser o proverbial “aliado estável dos EUA” – atachado à sua marinha altamente treinada nos EUA e, o que é decisivo, posta bem ali, na boca do inexcedivelmente estratégico Estreito de Hormuz.

Omã não é exatamente uma hacienda familiar recentemente estabelecida no deserto – como a Casa de Saud. A dinastia reinante – al-Bu Sa'id – tem mais tempo de poder, que os EUA de existência.

Mas, apimentemos um pouco toda essa “estabilidade”. Omã é berço de um dos mais sofisticados movimentos de oposição de todo o mundo árabe – hoje incorporado em grande medida pela Frente Popular de Libertação de Omã [orig. Popular Front for the Liberation of Oman]. Alguns dos líderes acabaram cooptados pelo sultão, mas o ímpeto progressista, modernizante, não se perdeu completamente.

Ao mesmo passo em que os EUA fazem das tripas coração para que se acredite que Omã respeita os direitos humanos, os direitos políticos, esses, não há quem salve: continuam praticamente no zero. Nada de imprensa livre, nada de livre manifestação do pensamento, nada de liberdade para reunir-se, nada de liberdade de credo. Omã talvez não seja a ultra-repressiva Arábia Saudita, o selvagem Iêmen – mas tampouco é alguma Escandinávia (o pessoal dos think-tanks de Washington só faz comparar o sultão aos primeiros-ministros escandinavos).

A Grande Revolta Árabe de 2011 está, citando Bob Dylan, “dirigindo a 90 milhas por hora, por um beco sem saída” no Bahrain; deve fazer um pit-stop na Arábia Saudita; e já chegou a Omã. O septuagenário sultão tem diabetes, não tem herdeiro para o trono, e está oficialmente intrigado com tantos jovens desempregados e trabalhadores irados, bem ali à sua porta. Atenção: cuidado com o imperialismo humanitário, pronto para meter a cabeçorra na Líbia. Mas que ninguém tire os olhos do estreito de Hormuz; mas na costa de Omã, não na costa iraniana.


[1]The Stepford Wives (1975, refilmado em 2004) é filme de ficção científica/horror (dir. Bryan Forbes), baseado em romance de Ira Levin. No Brasil, “As esposas de Stepford”.

[2] Orig. “Dire Straits”. Não há como traduzir. A expressão significa “dificuldades graves”, mas, também, é o nome de uma banda de rock do final dos anos 80, período e rock nos quais Pepe Escobar é especialista; e “estreito”, nesse contexto, só o de Hormuz. Tradução tentativa temerária [NTs].