Em 20 de julho de 2009, Kubiske já via a disputa eleitoral para a presidência da república reduzida entre Serra e Dilma Rousseff e, acertadamente, descrevia o PMDB como um partido não ideológico (de fato um partido que abriga de Sarney a Requião é um saco de gato) e o partido mais importante como aliado na disputa eleitoral. Aliás, a definição do PMDB, suas práticas e sua importância no cenário nacional é a melhor análise feita por Kubiske nesse telegrama. Ela compensa a 'bola fora' da diplomata ao descrever José Serra como candidato de esquerda.
Outro aspecto interessante deste telegrama: o reconhecimento que o Brasil vive um clima de estabilidade institucional, clima raro na história do Brasil. Curioso também é a classificação de Aécio Neves como político de 'segundo escalão' feita pela diplomata. O que será que o governador mineiro achou desta avaliação?
Do resto o conteúdo do telegrama reflete o discurso que presenciamos durante a campanha eleitoral: tanto na campanha de Serra como na mídia, a insistência em trazer, por exemplo, o linfoma de Dilma como elemento de campanha, ou o fato de o Brasil não sofrer com a crise econômica e financeira mundial ser um dado sem explicações, como se a política econômica do governo Lula não tivesse nada a ver com o Brasil passar praticamente incólume diante da crise.
Finalmente, o Maria Frô sugere aos políticos que leiam este telegrama e prestem atenção nas 'previsões' dos consultores políticos, a imensa maioria não deu uma dentro, o Acre está aí para não nos deixar mentir.
Para ler o original deste telegrama (numerado no google docs como: 2) e de outros 'cablegate' dos diplomatas estadunidenses sobre as eleições 2010 no Brasil, clique aqui. Abaixo segue a tradução do telegrama 2 feita por Renata Gomes, a quem o Maria Frô e seus leitores agradecem.
217391 7/20/2009 19:15 09BRASILIA905 Embassy Brasilia UNCLASSIFIED//FOR OFFICIAL USE ONLY UNCLAS SECTION 01 OF 04 BRASILIA 000905 SENSITIVE SIPDIS E.O. 12958: N/A TAGS: PGOV, BR SUBJECT: Brazil's 2010 Presidential Election: Early Snapshot REFS: SAO PAULO 273, SAO PAULO 90, BRASILIA 791, BRASILIA 799 1. (SBU)Resumo. Aparentemente, as eleições presidenciais de 2010 no Brasil, daqui a 15 meses, serão uma disputa entre duas pessoas, a Ministra Dilma Rousseff e o governador de São Paulo José Serra. Embora Serra mantenha a liderança nas pesquisas, a subida firme de Rousseff na opinião pública tem levado alguns analistas a apontá-la como favorita. Sem nenhum favoritismo estabelecido e com poucas políticas claramente diferenciadas entre esses dois candidatos hegemônicos de esquerda, cada um tentará convencer o eleitorado de baixa renda de seu mais firme comprometimento com os programas sociais em curso e, ao eleitorado de renda média e alta, de sua maior competência de gestão. Analistas afirmam que os dois partidos hegemônicos – o Partido dos Trabalhadores (PT) de Rousseff e o Social Democrata (PSDB) de Serra – tentarão obter vitórias massivas em seus redutos regionais, assim como reduzir a margem do oponente ao máximo nas regiões onde não esperam vencer. O não-ideológico Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) poderia ter um papel decisivo e ambos os partidos da ponta gostariam de formar uma aliança com ele. Um fluxo contínuo de escândalos políticos, acompanhado de revelações poderia mudar a paisagem súbita e surpreendentemente. Apesar da imprevisibilidade típica da política brasileira, a estabilidade institucional está maior do que jamais esteve no período pós-ditadura militar. Fim do resumo.
Corrida de Duas Pessoas 2. (SBU) A eleição presidencial de outubro de 2010 no Brasil, daqui a 15 meses, aparentemente será uma disputa entre duas pessoas, Dilma Rousseff (PT), ministra-chefe da Casa Civil e José Serra (PSDB), governador do estado de São Paulo. Rousseff, candidata escolhida a dedo pelo presidente Lula para a sucessão, é sua maior conselheira para política interna, a quem ele deu um papel-chave e alta visibilidade na execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um programa massivo de obras públicas. Serra, ex-ministro de Saúde e Planejamento no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Lula, é governador do estado economicamente mais importante e também o mais populoso do Brasil (refs A e B).
Serra: Devagar e Sempre... Serra mantém a liderança das pesquisas iniciais, com números na casa dos 40%. Mantendo seu estilo administrativo (São Paulo septel – telegrama separado), Serra tem se mantido low profile no momento, enquanto cuidadosamente angaria verbas federais para um fluxo de projetos semelhantes ao PAC, a serem anunciados quando a campanha nacional acelerar.
Dilma subindo 3. (SBU) A história dos meses recentes é a subida de Dilma Rousseff nas pesquisas, de dígitos únicos no final do ano passado para por volta de 15% no começo deste ano, até 24% em maio (dependendo de quais candidatos aparecem na corrida presidencial nas pesquisas). Sua subida é resultado do aumento de visibilidade pública nos eventos do PAC, o apoio declarado de Lula e sua aparentemente rápida recuperação de um câncer linfático. Miranda, do PATRI (Nota do Maria Frô, possivelmente se refere a André Miranda), afirma que a percepção pública de que ela derrotou rapidamente o câncer joga fortemente a seu favor. Enquanto Miranda e alguns políticos do PT como Luis Marinho acreditam que, se até março de 2010 ela estiver empatada com Serra nas pesquisas, ele poderia desistir da candidatura pelo PSDB em favor do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, outros observadores, como o colega de Serra e ex-membro do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, diminuem a influência das pesquisas nos planos de Serra. Enquanto Rousseff continuar com a imagem de uma lutadora que venceu o câncer, suas chances presidenciais vão melhorar. Se seu câncer retornar e tornar impossível sua candidatura, o PT não terá alternativa a sua altura, embora o ex-ministro das Finanças Antonio Palocci e o chefe da secretaria geral da presidência da república, Gilberto Carvalho, sejam ocasionalmente apontados como possíveis candidatos (ref. C).
4. (SBU) O efeito relativamente menor da crise financeira mundial no Brasil ajuda Rousseff como membro do partido atual. Desdobramentos nos escândalos atuais envolvendo o presidente do Senado, José Sarney (septel – outro telegrama), podem jogar em favor de Rousseff também. Graças à intervenção do presidente Lula junto a senadores do PT, as chances de Sarney manter a presidência do Senado aumentaram – o que significa que o PT está em posição melhor para exigir de parte do PMDB maior apoio concreto à candidatura de Rousseff na eleição geral.
Outros Candidatos menores (“Also-rans”) BRASILIA 00000905 002 OF 004
5. (SBU) Além de Rousseff e Serra, outros candidatos têm poucas chances de conseguir apoio suficiente para transformar [as eleições] numa disputa entre três – ou quatro – candidatos. Perspectivas de candidatura do jovem e carismático governador de Minas Gerais, Aécio Neves, o mais forte dos candidatos do 2º escalão, parecem estar esmorecendo. Contudo, se as possibilidades de Serra afundarem por causa de algum escândalo, questões de saúde ou erro grave, Neves seria a escolha óbvia para o PSDB. Como alternativa, Neves pode mudar de partido, candidatando-se pelo PMDB, PSB ou mesmo pelo Partido Verde (PV), mas teria que fazê-lo até outubro de 2009 (ver ref C).
6. (SBU) Nomes alternativos continuarão a emergir e certamente haverá um punhado de outros candidatos de outros partidos, dos mais importantes nacionalmente aos partidos “nanicos. Entre os candidatos menores atualmente no noticiário estão Heloísa Helena, líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), um pequeno partido de extrema esquerda, que chegou em terceiro lugar em 2006, com 6.85%, e Ciro Gomes, deputado federal do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em 1998, Gomes chegou em terceiro para presidente, com 11% dos votos, e em 2002, chegou em 4º, com 12%. Ele está se posicionando para concorrer ao governo de São Paulo ou para presidente como um segundo candidato pró-Lula. Em qualquer um dos casos, ele faria um favor a Rousseff e ao PT, empunhando o machado contra Serra, com a expectativa de um lugar no governo se Rousseff vencer. Nas atuais circunstâncias, esses candidatos de segundo escalão têm poucas chances de passar qualquer um dos dois primeiros candidatos. As duas últimas eleições também foram primordialmente disputas entre PSDB e PT, e o alinhamento político geral se mantém o mesmo de 2002 e 2006.
Terceiro Mandato para o Presidente Lula? 7. (SBU) O Presidente Lula já afirmou repetidas vezes e de forma convincente que ele não quer um terceiro mandato consecutivo, o que requereria uma emenda constitucional (PEC) aprovada em não menos que um ano antes da eleição. Este mês, um comitê da Câmara dos Deputados deu fim a qualquer possibilidade de emenda, ao votar fortemente contra tal proposta. O deputador federal José Genoíno, uma figura importante do PT, recomendou a rejeição [à proposta], assinalando a oposição do partido ao terceiro mandato consecutivo. Dada a antecedência necessária à aprovação da PEC e à oposição do PT, podem ser eliminadas as chances de um mandato de Lula na presidência entre 2011-2015. Alguns analistas, inclusive André Miranda, e muitas figuras da oposição acreditam agora que Lula planeja concorrer em 2014, caso no qual ele pode ter ainda dois mandatos adicionais.
Estratégias Começando a Tomar Corpo 8. (U) Analistas afirmam que Roussefff e Serra estão desenvolvendo estratégias de campanha similares: tentar conseguir vitórias massivas em suas próprias bases com uma mensagem ampla e única, e diminuir a margem de vitória no reduto do partido oposto com uma mensagem única, diferente e ressonante. Thiago de Aragão, da consultoria Arko Advice, afirma que o PT é provavelmente invencível no Norte e Nordeste, lar de grande percentual dos pobres do Brasil, e que vai reforçar sua imagem de mantenedor de programas sociais generosos como o Bolsa Família. Ao mesmo tempo, o PT vai atacar Serra no Sul e no Sudeste, onde o PSDB é mais forte, com mensagem que demonstre a competência executiva de Rousseff à frente do PAC. No Sul e Sudeste, Serra vai concorrer em cima de seu histórico como governador de São Paulo, tentando convencer eleitores de que tem competência e liderança para ser presidente. No Norte e Nordeste, Aragão acredita que Serra tentará garantir aos pobres que manterá os gastos com programas sociais. Ele também irá tentar associar o PT com os escândalos políticos em curso, embora isso não vá ser a mensagem mais importante aos eleitores.
Cortejando o PMDB 9. (U) O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o maior partido político do Brasil, terá um papel crucial e provavelmente decisivo nas eleições. O PMDB, uma confederação repartida e não-ideológica, que frequentemente se alia por razões locais, normalmente prefere ter papel coadjuvante ao candidato presidencial do que correr por conta própria, possibilitando sua participação no governo ao lado do vencedor ou, se estiver ao lado do perdedor, a busca de concessões por parte do vencedor em troca de apoio. De acordo com André Miranda, da consultoria PATRI, e com Thiago Aragão, ambos os partidos estão cortejando o PMDB porque, como detentor do maior número de membros do congresso e maior número de vagas do que qualquer outro partido, o PMDB pode se aproveitar da vasta rede local de influências políticas para a conversão de votos. O PMDB está na coligação do governo Lula e analistas esperam que o partido apóie Roussefff, o que o colocará na posição de exigir o lugar do vice-presidente.
10 (U) Uma aliança PSDB-PMDB é mais improvável, mas não pode ser eliminada porque, de acordo com Aragão, rivalidades antigas entre PT-PMDB impossibilitam a aliança entre esses partidos em nove estados. Acima de tudo, uma figura importante do PMDB em São Paulo, Orestes Quércia, já jurou apoio a Serra. (Nota: o apoio de Quercia se daria em troca do apoio de Serra à candidatura de Quercia ao Senado em 2010. Fim da nota). Possíveis candidatos à vice-presidência pelo PMDB incluem Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, Michel Temer, presidente da Câmera dos Deputados, e Nelson Jobim, Ministro da Defesa. Miranda afirmou que o PMDB pode aumentar seu apelo no Sul e Sudeste, apontando um candidato do Sul como Nelson Jobim, do Rio Grande do Sul.
Alianças Estaduais um Complicador 11. (U) Os esforços de Rousseff e Serra para conseguir apoio além de suas respectivas bases está sendo complicado pela obrigatoriedade de os partidores construírem coligações para seus candidatos em disputas simultâneas para deputado, deputado federal, senador e governador. Os partidos brasileiros tradicionalmente formam alianças federais e estaduais para o apoio a vários candidatos a essas disputas, mas as alianças em favor de candidatos estaduais e federais frequentemente diferem daqueles em nível local. Rivalidades locais costumam dificultar alianças estaduais de apoio a candidatos nacionais e políticos locais costumam fazer aliados estranhos. Vários ramos locais do PMDB são rivais amargos do PT e não abrirão mão de candidaturas estaduais ou nacionais. Pela lei brasileira, os partidos estão livres para compor coligações regionais diferentes das coligações em apoio a candidatos nacionais. O resultado é uma complexa e imprevisível colcha de retalhos de alianças que podem ou não ajudar a amalgamar o apoio de um partido a um candidato presidencial. Por exemplo, em Pernambuco, o PMDB tradicionalmente se alia ao PSDB e DEM no nível estadual, e é esperado que assim o faça mesmo se o vice de Dilma Rousseff na chapa for do PMDB.
Os Limites Das Primeiras Pesquisas 12. (SBU) As primeiras pesquisas não são particularmente confiáveis no Brasil, como resultado da baixa filiação (menos de dez por cento dos eleitores) e da natureza não-ideológica da política brasileira. As semelhanças das plataformas dos dois candidatos mais prováveis e seu carisma pessoal equivalente (ou seja, limitado) também são fatores que podem permitir que eventos ou erros pequenos tenham peso desproporcional durante a campanha. Uma razão adicional para à baixa confiança nas pesquisas iniciais é a influência extrema da campanha televisiva entre as massas para o resultado do primeiro turno. A propaganda eleitoral nas mídias eletrônicas é estritamente regulada por lei, candidatos à presidência têm o mesmo tempo de propaganda gratuita e todos os canais são obrigados a mostrar as campanhas simultaneamente. A temporada de mensagens de campanha presidencial é curta e começa apenas dois meses antes da eleição. Como resultado, essa propaganda pode causar mudanças súbitas na popularidade relativa dos candidatos.
Volatilidade Eleitoral, Estabilidade Institucional 13. (SBU) Quinze meses, o tempo que falta para as eleições presidenciais de outubro de 2010, é um longo tempo na política brasileira. Embora Serra, o favorito à vitória apenas há seis meses, tenha perdido algum espaço para Rousseff, a volatilidade inerente ao processo político tornará difícil apontar um vencedor até o fim. Um fluxo contínuo de escândalos políticos e as revelações que os acompanham podem mudar a paisagem súbita e surpreendentemente. Em 2006, o escândalo dos “sanguessugas” mandou a disputa presidencial para o segundo turno, embora não tenha mudado seu resultado final. O resultado do escândalo do Senado e seus possíveis efeitos na eleição de 2010 ainda são pouco claros (ref D, septel). O câncer linfático de Roussefff introduz uma incerteza capaz de invalidar qualquer cálculo sobre o resultado das eleições (ref C). Mas, apesar da imprevisibilidade típica da política brasileira, a estabilidade institucional está maior do que jamais esteve no período pós-ditadura militar. O sistema está lidando razoavelmente bem com os escândalos e não há sinais de guinada rumo ao populismo ou a possibilidade de qualquer coisa fora da estrita ordem constitucional. BRASILIA 00000905 004 OF 004 14.
(U) A missão no Brasil aproveita a oportunidade ao final deste telegrama para dizer adeus a Dale Prince, nosso analista-líder de política interna pelos últimos três anos, de cujo conhecimento profundo, insights e contatos sentiremos falta. Este telegrama foi autorizado pelo Consulado Geral de São Paulo. KUBISKE