Cutrale e o suco de laranja concentrado nas mãos de poucos Por: Tiago Bueno Flores* no portal do MST out/2010Secretaria de Desenvolvimento Econômico recebeu uma série de denúncias de cartelização, mas nenhuma medida foi tomada
A Justiça decidiu trancar o processo contra os trabalhadores que fizeram a ocupação da área de laranjais da empresa Cutrale no município de Iaras, interior do estado de São Paulo. A ação tinha como objetivo denunciar, mais uma vez, a lentidão do Estado em tomar providências em relação à desapropriação de terras públicas invadidas ilegalmente pela empresa. Estas terras estão localizadas numa imensa gleba de 10 mil hectares pertencentes à União, que deveriam ser destinadas ao processo de Reforma Agrária.
Embora o MST faça a denúncia da grilagem desde 1995, a mídia oligárquica, comandada pela TV Globo, adotou a postura covarde de manipulação das imagens para mobilizar a sociedade a favor da criminalização dos movimentos sociais do campo, ocultando a raiz do problema.
A denúncia da grilagem de terras públicas e do descaso com famílias semterra, acampadas há anos na região, vivendo em condições desumanas e sem infra-estrutura adequada, não está sozinha. A Cutrale, desde a década de 1980, está envolvida em crimes contra o trabalho e a economia brasileira, sempre se utilizando da ausência e da complacência do Estado para atingir seus objetivos e ridicularizar o povo brasileiro.
Denunciada em artigo do professor da Universidade de São Paulo (USP) Ariovaldo Umbelino de Oliveira, publicado em 1986, a Cutrale, ao lado da Citrossuco, Cargill e Frutesp – outras três grandes empresas do ramo citricultor na época – é acusada de formação de cartel.
No seu trabalho, Ariovaldo relembra a criação da Cutrale em 1967, por meio da aquisição da empresa Suconasa, comprada por José Cutrale, que até então era fornecedor de laranja para o mercado brasileiro.
O final da década de 1970 já estava caracterizado pela forte concentração de capitais no setor, onde praticamente essas quatro empresas controlavam toda a produção. Apenas o conglomerado Citrossuco-Cutrale era responsável por aproximadamente 80% da capacidade instalada no domínio.
Em 1982, com a ampliação da capacidade de suas unidades de processamento, as empresas ampliaram também a cartelização do setor. Segundo Ariovaldo, Cutrale, Citrossuco e Cargil controlavam 90% da produção de suco concentrado, sendo que a Cutrale detinha sozinha 60% do mercado.
Denúncias de ilegalidade
Em 1999, o deputado federal Celso Russomano encaminhou à Secretaria de Direito Econômico (SDE) denúncia da Associação Brasileira dos Citricultores (Abracitrus) sobre a adoção de condutas de formação de cartel por parte das empresas Sucocítrico Cutrale, Citrosuco Paulista, Coinbra-Frutesp e Cargill Citrus.
Entre as acusações, a associação dizia que pequenos e médios produtores de laranja vinham encontrando dificuldades em negociar com as indústrias processadoras. Na maioria das vezes, verificava-se a impossibilidade de um produtor conseguir vender sua produção para indústria diferente da que havia vendido no ano anterior. No entender da Abracitrus, isso era um claro sinal de orquestramento entre as processadoras de Suco de Laranja Concentrado Congelado (SLCC). Estas empresas ainda exerciam pressão para que os produtores vendessem a laranja por preços abaixo do custo.
Em abril de 2000, foram encaminhados novamente à SDE o pronunciamento do deputado Marcos Cintra e o seu requerimento junto à Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados, exigindo a tomada de providências para a apuração da prática de cartel conduzida pelas indústrias de suco de laranja em São Paulo.
Dentre os fatos anunciados pelo deputado, as empresas integrantes do setor de processamento de citrus estavam organizadas sob a forma de um oligopólio, desfrutando de grande poder de mercado em relação aos produtores rurais, pondo preços e condições de venda de forma cartelizada.
Em agosto de 2000, o senador Eduardo Suplicy também encaminhou à Secretária de Direito Econômico a denúncia da existência de um cartel das processadoras de SLCC, formado pelas poderosas cinco ‘C’, ou seja, pelas transnacionais Cutrale, Citrosuco e Citrovita (do grupo Votorantim), Cargill e Coimbra-Frutesp.
No ano de 2006, o grupo de empresas foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo pela postura cartelizadora do setor. Em fevereiro de 2010, o Ministério Público do Trabalho entrou com um pedido de liminar contra as indústrias de suco de laranja Cutrale sob acusação de uso da mão-de-obra terceirizada na colheita, o que acarreta na precariedade das relações de trabalho no campo.
E a última demonstração de que a Cutrale e seus parceiros não andam na linha foi a criação de uma CPI na Assembléia Legislativa de São Paulo, requerida pelo deputado estadual Luis Carlos Gondim, em março deste ano, pretende investigar a prática ilegal de cartel. A CPI ainda não tem data para iniciar.
As ações tomadas nas três esferas do poder demonstram claramente que existem indícios – e, por que não, provas – suficientes para medidas punitivas contra as empresas do ramo do suco de laranja. Tais números chegaram assustar até mesmo a Sociedade Rural Brasileira (SRB), que em novembro do ano 2000, encaminhou carta à SDE alertando sobre o alto grau de concentração que o setor estava atingindo, expressando a sua expectativa de que os órgãos competentes atuassem de forma enérgica e garantissem os benefícios da livre concorrência aos produtores.
Atualmente, 70% de todo o suco consumido no mundo é produzido ou plantando no Brasil, e, nesse mercado, a Cutrale – distribuidora exclusiva para a Coca-Cola Internacional – é responsável por um de cada três copos de suco vendidos mundialmente. (grifos nossos)
No entanto, é curioso observar que, apesar de tantas acusações, a Cutrale ainda não foi punida por seus crimes. Por outro lado, as organizações que contribuem para o desenvolvimento do campo no Brasil, foram severamente punidas e perseguidas durante esses 12 meses.
Em 1986, o professor Ariovaldo Umbelino concluiu seu trabalho com as seguintes palavras: “Certamente esta luta está se iniciando”. Após mais de duas décadas, podemos afirmar: a luta continua!
*Tiago Bueno Flores é mestrando em Geografia Humana da USP
Empresas do setor citricultor formam cartéis e mídia velha continua criminalizando MST
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