A revolução cooptada?
Por: Pepe Escobar, Asia Times Online, Tradução: Vila Vudu
16/2/2011 “I take my hat to the new constitution Take a bow for the new revolution” - The Who, Won't Get Fooled Again* * *
Se fosse um anúncio, a frase seria “o som de uma nova geração”. Um grupo de sete jovens revolucionários do 25 de Janeiro, entre os quais Wael “o Gandhi da Google” Ghonim, reuniram-se com dois membros do Conselho Supremo das Forças Armadas. Para o blog The Arabist, foi “os meninos do Facebook reúnem-se com os generais”, ou a Geração Y reúne-se com o Ancien Regime (que acontece de ser também o novo regime...)
O resultado, com as posições de Ghonin e Amr Salama, foi postado inicialmente na página Facebook “We Are All Khaled Said”, em árabe, e depois traduzido, circulou pela internet[1].
O exército egípcio parece estar tentando operação de melhores Relações Públicas “ouvindo mais do que fala”1. Seja como for, a nova geração não deveria ter perdido a oportunidade de dizer ao major-general Mahmoud Hijazi e ao major-general Abdel que têm de melhorar a estratégia de comunicações – por exemplo, livrando-se do fetiche (mas que coisa tão 1970!) dos comunicados.
Ghonin e Salama, como eles próprios admitem, optaram por acreditar no que os generais disseram. Ainda é cedo para saber se foram ingênuos demais, ou se foram só ingênuos. O Conselho Supremo, em teoria, é favorável a um governo civil, ao mesmo tempo em que se mantém intacto o atual gabinete do mubarakismo, pelo menos por hora.
Os generais prometeram formar uma comissão constitucional – de juristas de prestígio – a ser formado nos próximos 10 dias, para identificar os artigos da constituição que devem ser alterados. Assim se obterá uma primeira minuta de nova constituição. E depois, o creme sobre o bolo: uma nova constituição a ser legitimada por referendum no prazo alucinadamente curto de dois meses.
Os generais também são favoráveis à formação de novos partidos políticos e supervisionarão uma campanha para arrecadar 100 bilhões de libras egípcias (cerca de 17 bilhões de dólares) em doações para “reconstruir o país”.
A ofensiva de sedução do exército deixa sem responder muitas questões importantes – dentre outras, se têm intenção de investigar com seriedade as muitas acusações de corrupção massiva e levar a julgamento os acusados. Principalmente, se têm planos para negociar com os sindicatos e organizações de trabalhadores. No Egito, todas as greves são proibidas.
A grande maioria dos egípcios que querem mudanças no Egito não têm conta Facebook, nem tuíta. Querem salário pelo menos decente, para começar. E se nada acontecer, jornalistas, motoristas de ambulâncias, oficiais de política, trabalhadores dos transportes, todos, continuarão indefinidamente em greve, como estão.
Alerta vermelho Pode haver um perigo nesse estágio, de que a (declinante) classe média egípcia – na qual se incluem a maioria dos jovens revolucionários – passe a privilegiar a “estabilidade”, descuidando da concentração e da mobilização das três últimas semanas. O autodesignado “Comitê de Sábios”, por exemplo, tenta a todo custo sequestrar todo o duro trabalho dos jovens revolucionários, apoiando qualquer mínima “reforma” da Constituição.
Pode estar em andamento algum confronto aberto com a classe trabalhadora – e o campo. Os meninos do Facebook não são exatamente políticos astutos. Agora, é preciso arrancar da junta militar compromissos institucionalizados – liberdade de imprensa, por exemplo, e a ser garantida imediatamente; e abolição de todas as leis de emergência. Para tudo isso os rapazes do Facebook têm de aprender a negociar – da posição de alta autoridade moral que lhes deu a rua.
Tio Marx – especialista em revoluções – descobriu que a Comuna de Paris fracassou porque não marchou sobre Versailles, o que deu tempo à contrarrevolução para preparar a contraofensiva. Assim também, os jovens revolucionários egípcios têm de aproveitar o momentum e manter a pressão.
Até agora o papel do exército egípcio continua ambíguo – para dizer o mínimo; e há casos documentados de tortura nas unidades da inteligência militar. Para não falar da última deles – proibiram a imprensa nacional e estrangeira de transmitir da praça Tahrir. Além do mais, a TV al-Arabiyyah – porta-voz da Casa de Saud – relata que ofereceram o ministério da Informação a Imad Ad-Din Adib, um dos que ajudaram a lançar a campanha do hoje ex-presidente Hosni Mubarak, quando candidato; e íntimo da Casa de Saud.
É ainda muito cedo para dizer se a junta militar que está no poder fará o que tem dito que fará, nesse novo remix local do mantra de Washington – “transição ordeira”, ou se se perpetuará no poder com melhores ternos, dividindo a opinião e sem parar de receber “presentes” dos suspeitos de sempre: Washington, Telavive e Riad.
Como o Dr. Aida Seif El-Dawla, do Centro Nadeem para Vítimas de Tortura no Cairo, disse ao Institute for Public Accuracy dos EUA: “Ainda temos o mesmo Gabinete nomeado por Mubarak. O estado de emergência continua como sempre foi. Ainda há muitos presos antigos, além de muitos novos, depois de 25 de janeiro. E ainda há muitos desaparecidos. Até aqui, ninguém foi acusado pelos assassinatos.”
Todos devem manter-se em alerta máximo. Pode acontecer de, dia desses, até Nosferatu – Omar “Sheikh al-Tortura” Suleiman – reerguer-se dos mortos.
[1] Há matéria sobre isso no NYT de hoje, reproduzida em vários jornais: “Dois generais sentaram-se domingo à noite [13/2] para discutir o futuro do Egito com sete dos jovens animadores da revolução egípcia – entre os quais o gerente de marketing da Google no Qatar, o egípcio Wael Ghonim e Amr Salama – e os ativistas postaram suas notas da reunião diretamente na internet, para serem divulgadas: “Todos nós sentimos neles um desejo sincero de preservar os ganhos da revolução e respeito jamais visto por os jovens estarem manifestando seus pontos de vista” – escreveram no Facebook Mr. Ghonim e Mr. Amr Salama, esclarecendo que aquelas são opiniões pessoais suas. Para eles, não se viu na fala dos generais “nada daquele tom de pai para filho (‘você não sabe o que é melhor para você, filho’)”; escreveram que “é a primeira vez que um militar egípcio dá sinais de mais interesse em ouvir, do que em falar” [NTs].