Publicidade // //Sr. Gilberto Dimenstein;
Venho por meio desta mensagem expressar minha crítica ao texto publicado dia 11 de outubro último em sua coluna no portal Folha de São Paulo (“Uma ridícula discussão na USP”).
Como o senhor se sente confortável para classificar como “ridícula” essa discussão na Universidade de São Paulo, baseado nos motivos que expõe no texto e a despeito de tudo o que se vem debatendo ali há alguns anos e todo o empenho nisso aplicado, espero que compreenda o conforto que eu também tenho ao usar o mesmo adjetivo, justificado pelos motivos que apresento agora: ridícula é a leviandade com a qual o senhor tratou toda a questão. Não é apenas ridículo, mas profundamente lamentável que alguém com tanto justo reconhecimento na luta em favor da educação se permita à leviandade de não se prestar a um mínimo de investigação acerca do que fala. Educar-se, por acaso, não envolve obter competentemente o conhecimento que se manuseia, pesquisar tão fundo quanto se possa, refletir sobre o que se aprende? Como então um jornalista experimentado, colecionador de prêmios e nacionalmente reconhecido não faz sequer uma busca no Google acerca da questão que critica?
Eu poderia, como aluno recém-formado da Faculdade de Direito da USP, presente à época dos fatos, explicar muitos dos motivos que fazem essa discussão da USP ser muita coisa, mas não ridícula. Poderia dar detalhes dos contratos secretos assinados pelo ex-diretor, do desrespeito à instituição deliberativa da faculdade, da situação precária das bibliotecas, do patrimônio cultural e histórico perdido em livros antigos e raros irrecuperavelmente danificados. Poderia inclusive dizer que o descontentamento com ele não é apenas na Faculdade de Direito, mas na universidade em geral, de maneira quase unânime, por extensas razões também. Porém, para não tomar muito do seu tempo, aconselho simplesmente que o senhor investigue o que consta de tudo isso no Ministério Público - a não ser que o senhor nos demonstre a priori como denúncias levantadas inclusive por professores e advogados renomados da Faculdade de Direito da USP e acolhidas pelo Ministério Público podem ser “ridículas”. Aliás, o senhor não menciona esse órgão uma única vez sequer em seu texto. Será que sabia que essa questão ridícula tinha sido levada para lá? O senhor parece não ter entrevistado nenhum aluno para saber disso, nenhum professor, nem o próprio reitor – como talvez fosse próprio ao bom jornalista. Contudo, nem precisava: daí dos Estados Unidos mesmo, o senhor poderia conseguir essa informação por meio de qualquer buscador de Internet.
O senhor também diz que “por trás desses (sic) debate em cima de uma ridícula placa está uma visão antiquada de que a universidade deve ficar numa redoma”. Lamento dizer, mas está errado. O certo é: por trás desse texto em cima de uma ridícula opinião está uma visão preguiçosa de que o jornalismo não deve sair de sua redoma de teses apriorísticas. Ao invés de proceder a investigações mais criteriosas e fundamentar a opinião em fatos bem pesquisados (que constituem uma educação de qualidade, não é?), o senhor se apoia em truísmos do tipo “quanto mais apoio ao ensino, melhor para todos”, ignorando totalmente a complexidade prática dessa afirmação, como se “os interesses da educação” fossem todos dados de maneira clara e simples, numa cartilha fácil e imune a outros interesses escusos, que agora estão sob investigação do Ministério Público.
Mas certamente o senhor sabe que nada se comporta dessa maneira simplória, e, no entanto, ainda assim se deixa levar por uma opinião superficial e irresponsável que só denigre a mobilização dos discentes e docentes da Faculdade de Direito da USP. Lamentavelmente, esse é mais um exemplo do porquê jornalistas perdem tanto crédito atualmente em diversos meios, inclusive suscitando o fortalecimento de um jornalismo paralelo que floresce na Internet, mais comprometido ao posicionamento crítico frente à realidade, e fora das grandes corporações midiáticas dentre as quais o senhor trabalhou e ainda trabalha. Ali a questão tem sido efetivamente debatida, sem ficar no mero achismo. Tal leviandade não compõe, absolutamente, um ideal de educação. Não de educação crítica, pelo menos – aquela que ensina a questionar e não a obedecer. E aqui, infelizmente, não posso retribuir suas palavras no final de seu texto, porque a Folha de São Paulo nunca foi vanguarda de pensamento crítico no país. Muito pelo contrário: o que esperar de um jornal que não assume sua parcialidade em cobertura de eleições, publica fichas policiais falsas e defende que a ditadura militar foi uma ditabranda? Digo mais: o que esperar de profissionais jornalistas coniventes com isso, que ficam calados perante absurdos como esses, mas não se envergonham em chamar de ridícula uma discussão que mal sabem a respeito? Ultimamente, o senhor tem se empenhado em encontrar conexões das mais imprevisíveis entre qualquer fato do mundo e sua estadia nos Estados Unidos, mostrando-se cioso em alardear os exemplos desse país dos quais o senhor tão afortunadamente desfruta. Contudo, o exemplo do comportamento midiático geral dos EUA não é algo louvável de se copiar, como recentemente pudemos constatar. E estou certo de que mesmo no paradisíaco ambiente de Harvard o senhor em algum momento já deve ter ouvido pelo menos alguma crítica às empresas que fazem aí o papel que a Folha, o Estado, a Globo e a Abril fazem por aqui. Definitivamente, é algo que passa longe de “melhorar o planeta”, conforme o senhor mesmo disse.
Por fim, senhor Dimenstein, ouso afirmar que o senhor não encontrará, caso procure, nenhum aluno ou ex-aluno mais impiedoso e ácido à Faculdade de Direito da USP do que eu. Sou capaz de listar os mais diversos problemas – gravíssimos – que assolam aquela faculdade, mas que aqui não são pertinentes, porque desta raríssima vez a Faculdade de Direito da USP não foi apática ou conivente, e enfim luta motivada por uma causa correta. Portanto, como conhecedor da maioria dos reais e sérios problemas de lá, não posso permitir que esta incomum mobilização justa seja reduzida pelo senhor a uma questão simplesmente ridícula. Em contraste com a maior parte de sua história, desta vez a Faculdade de Direito da USP merece aplausos.
Como confio que o senhor escreveu seu texto movido por ignorância e não por má-fé, aguardo uma resposta pública em sua própria coluna, para que ponto e contraponto tenham a mesma visibilidade - como, creio eu, convém ao bom jornalismo e compõe um ideal honesto de educação.
Atenciosamente,
Thiago de Sousa Leal
Thiago de Sousa Leal para Dimenstein: 'ridícula' é a leviandade com a qual o senhor tratou toda a questão
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