Partindo do óbvio: chuva é necessária à vida, irriga o solo, enche os rios, água para plantações e pra nos matar a sede. Mas vira vilã nas enchentes, porque temos políticos que ignoram sistematicamente suas responsabilidades, cedem ao capital especulativo, ou são insensíveis e ignoram sistematicamente os despossuídos que vivem em áreas de risco, sem desenvolver políticas urbanas que possam garantir o direito fundamental de moradia digna.
O próprio poder público como é o caso do de São Paulo ocupa espaços nas várzeas dos rios como se vazante fosse algo extraordinário e não um fenômeno natural.
Para quem acha que o mundo está acabando, dêem uma lida neste excelente post que mostra (com fatos e docs) três séculos de inundações no Rio de Janeiro.
É curioso (isto é uma ironia) o comportamento da mídia velha na cobertura de tragédias recorrentes no Brasil. Além das pataquadas de O Globo e da Globo querendo federalizar as enchentes do Rio de Janeiro como se o estado não tivesse governador e prefeitos nas cidades atingidas (veja aqui, aqui, aqui) temos os casos explícitos de Veja em duas capas exemplares da cobertura das enchentes em 2010 (ano eleitoral).
Capa de Veja de 10/02/2010, quando governos de Serra/Kassab estavam sob a ira da população inundada. Segundo Veja as chuvas em São Paulo são um problema de Deus, da mãe natureza, enfim é de ordem climática, seus estragos não tem a ver com má política.
Capa de 14/04/2010: O Cristo chorando por causa da má política que produz vítimas nas enchentes.
À época, Pablo Vilaça fez um post chamando os leitores para um exercício de semiótica dessas capas. Hoje, pesquisando sobre elas, deparo-me com um outro blog que criticou a segunda capa de Veja exibida acima, não porque a revista esqueceu-se do argumento que usou na edição de fevereiro em prol dos tucanos, mas porque na mesma semana Serra lançava sua candidatura à presidência e não ganhou capa na Veja! (Alô, alô tucanos e Veja viram só o que dá sucatear a educação? Nem leitores amigos entenderam que Veja queria sacanear Lula/Dilma via o aliado de ocasião, Cabral, durante as enchentes do Rio de Janeiro no ano passado).
Mas enquanto brigamos com uma mídia vil e inútil que não alcança nem seu público alvo, deixamos de fazer as críticas necessárias ao que realmente interessa.
Bóra, então, colocar um pouco de sustança nesta discussão: Azenha hoje faz uma crítica direta às almas gêmeas do PT e PSDB quando se trata de encarar a necessidade de se fazer reforma urbana, aqui. O PT tem excelentes especialistas na área, com inúmeros estudos e contribuições que se fossem aplicados não viveríamos tantas tragédias. Pressionemos nossos representantes petistas para ver se saem do muro confortável no qual se encontram.
A tragédia das chuvas só tem uma resposta óbvia: reforma urbana Da redação, Luana Bonone, com informações de agências, no Vermelho381 vítimas fatais até agora. Mais de 13.500 desabrigados. Pelo menos 300 desaparecidos. Incontáveis feridos ou doentes vitimados pela tragédia. Os números, dignos de uma guerra, revelam o triste cenário que serve de sinistro alerta para a importância de políticas estruturais de planejamento urbano, saneamento básico e regularização imobiliária. Este é, até agora, o extrato numérico e político das conseqüências provocadas pelas fortes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro.
Vanderlei Almeida/AFP Moradores de Teresópolis (RJ) ajudam a Defesa Civil na busca por sobreviventes.
Em reação ao cenário desolador, a presidente Dilma Rousseff visitou as regiões mais devastadas, o Ministério da Saúde doará sete toneladas de remédios e o governo federal anuncia o investimento de R$ 780 milhões para combater os efeitos trágicos das chuvas.
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, segue ritual parecido, apesar de repetir o cacoete de outros governadores e de prefeitos das regiões mais atingidas: culpou a natureza e outros políticos, tendo criticado "décadas de permissividade" com a ocupação de áreas irregulares. Disse ainda que, pela Constituição de 1988, o solo urbano é de responsabilidade das prefeituras. Solidariedade
Entidades dos movimentos sociais organizam campanhas de doação de roupas, comida, colchões, remédio e até sangue. O PCdoB Petrópolis criou o núcleo "PCdoB Solidário", que ajudará as vítimas das tragédias da região serrana do Rio de Janeiro. O partido local estuda ainda a possibilidade de montar uma tenda no centro da cidade e divulga lugares em Petrópolis que já estão recebendo doações: Bauhaus, no Parque de Exposição de Itaipava, Estácio de Sá, Bikers Lounge, CEAC no Valparaíso.
A necessidade maior é de água potável. A reclamação comum é quanto ao “descaso das autoridades locais” e a cobrança é acertadíssima: “é hora de enfrentar com coragem a questão das ocupações irregulares, independentemente de serem habitadas por ricos ou pobres”.
A solidariedade vem também de fora. O internacionalismo proletário se fez presente por meio de uma nota da Federação Sindical Mundial, organização à qual a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) é filiada.
A juventude, que participará de eventos da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) na próxima semana na cidade do Rio de Janeiro, estuda colocar tendas para recolhimento de doações em suas atividades.
O Brasil está mobilizado por força da solidariedade, como esteve em todas as enchentes anteriores. O ritual é repetido ano a ano, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em outras capitais, além de cidades no interior dos respectivos estados. Todo verão os noticiários são inundados de números informando o tamanho da tragédia causada pelas chuvas.
Ocorre que a cada ano a tragédia é maior, os investimentos emergenciais são maiores, e as políticas de prevenção não parecem crescer na mesma proporção. Foto: Roberto Stuckert Filho / PR
A presidente Dilma e o governador Sérgio Cabral visitaram as áreas mais devastadas pelas chuvas no estado do Rio de Janeiro
Soluções estruturais
É preciso travar o combate às tragédias causadas pelas condições climáticas e pela imprudência imobiliária. Isso exige uma postura firme e organizada dos governos federal, estaduais e municipais, agindo de forma integrada e em diálogo com a comunidade.
Pois, ao contrário disso, as notícias mais comuns após o mês de março em geral são a respeito de grandes obras para desafogar o trânsito – geralmente aumentando a quantidade de áreas cobertas por asfalto, o que reduz a permeabilidade do solo. Há também notícias que merecem menos destaque nos grandes veículos de comunicação, como a redução da verba para a limpeza urbana na cidade de São Paulo, ou os constantes despejos sem alternativa de moradia às famílias desalojadas, resultando em situações como o acampamento recentemente realizado por famílias despejadas em frente à Câmara Municipal de São Paulo. No Rio de Janeiro, os movimentos de luta pela moradia encontram cenário semelhante.
Urge a implementação de políticas de reforma urbana que utilizem imóveis em locais habitáveis das cidades para fins de moradia, políticas de desassoreamento de rios e limpeza de canais, políticas de limpeza urbana que valorizem a reciclagem e a reutilização, políticas de regularização imobiliária que impeçam a construção de moradias em locais inapropriados – e que ofereçam alternativas à população que ainda não tem acesso ao sonho da casa própria. É urgente uma união de esforços que vá além da solidariedade imediata pós-tragédia, que não se limite a ações imediatas e “firmes”, como acertadamente prometeu a presidente Dilma, mas que consiga implementar soluções estruturais.
Tão urgente quanto socorrer as vítimas diretas da tragédia da vez, é estabelecer políticas e investimentos de médio e longo prazo que dêem conta de responder à altura os desafios que o crescimento das cidades apresenta ao desenvolvimento do país. Pois a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro e em São Paulo só tem uma resposta óbvia, embora nada simples: reforma urbana.