Fisk: Iraque? Blair não sabe assumir responsabilidades

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Por Robert Fisk: no The Independent, UK

3/9/2010

Tony Blair tem de assumir a responsabilidade pelo que fez no Iraque. Mas não assumirá. Blair não sabe assumir responsabilidades.

Será que esse homem deplorável não aprendeu coisa alguma? Na entrevista à BBC, só dizia: “Eu, com certeza...”,”Eu, sem dúvida alguma...”, “Creio, sem vacilar...”, “Estava claro, muito claro, que aquilo mudou tudo” (“aquilo” é o 11 de setembro de 2001), “Permitam-me afirmar clara e inequivocamente”, “A Inteligência pintou quadro bem claro”, “A justificativa legal era evidente”, “Dissemos, com toda a razão...”, “Porque eu acreditava firmemente, como acredito ainda hoje...”, “Minha conclusão definitiva, hoje, é que...”

Quem o ouvisse pensaria que os ingleses vencemos a guerra no Iraque, que estamos vencendo no Afeganistão, que venceremos a guerra seguinte, no Irã. E por que não seria assim, se Lord Blair de Kut al-Amara diz que é?!

Aqui, abandono para sempre qualquer referência a Lord Blair de Kut al-Amara, com a lembrança infeliz da humilhante derrota militar que a Grã-Bretanha sofreu em 1915 na Mesopotâmia. Doravante, falarei sempre de Lord Blair de Isfahan. Tendo derrotado Saddam, Blair agora decidiu que derrotará Ahmadinejad. “Afirmo que um Irã nuclear é absolutamente inaceitável” disse o homem ao infeliz velho Andrew Marr, que o entrevistava. Disse que “é preciso que os iranianos ouçam isso, em som alto e claro”.

E assim o enviado britânico ao Oriente Médio para fazer a paz, prepara os britânicos que serão mandados guerrear contra a Pérsia. Mas suspeito que os iranianos já “ouviram isso” e entenderam o recado há muito tempo: quem queira evitar ameaças de gente como Lord Blair, que trate de comprar sua bomba atômica. Afinal de contas, Blair já disse: “É absolutamente inaceitável que a Coreia do Norte tenha capacidade nuclear.” Todos entendemos por quê.

Às vezes, na entrevista à BBC, Blair falava como Avigdor Lieberman, ministro do Exterior de Israel. Como seus chefes israelenses, Lieberman acredita que Ahmadinejad seja pior que Hitler – o que é difícil, mas eles deram um jeito e conseguem entender – e, como Lieberman, Lord Blair tampouco é homem de paz.

Estranho é que – dado que Blair ganha para trabalhar pela paz entre os dois lados – as palavras “Israel” e “Palestina” absolutamente não apareceram na entrevista de Blair, apesar de Blair ter dito, no inquérito Chilcot, que houve “telefonemas” para os israelenses, durante o seu encontro com Bush, sobre o Iraque. Marr deixou passar essa. Sobre o que, diabos, Blair e Bush teriam conversado com os israelenses, enquanto se preparavam para nos mergulhar nessa catástrofe?

Tudo soou tão infantil. Sim “o povo” não queria guerra. “O povo sempre prefere procurar conspirações.” E – essa é a melhor! – “esse debate prosseguirá.” Mas não se trata de debate! Trata-se de completo, sangrento, vergonhoso desastre, pelo qual Blair tem de assumir toda a responsabilidade. Mas não assumirá. Não sabe assumir responsabilidades. Assim sendo, a carnificina, no açougue em que converteram o Iraque, é culpa da al-Qa'ida, do “envolvimento externo” da al-Qa'ida e do Irã.

O Iraque “foi desestabiizado pelas mesmas forças externas que desestabilizarm o Afeganistão”. Não. Desgraçadamente, não. Os homens (ocasionalmente, também mulheres) que matam, fuzilam e explodem britânicos e norte-americanos no Iraque são iraquianos – os mesmos que os Srs. Blair e Bush deliraram que estariam libertando das garras de Saddam. “Há gente que explode carros-bombas em subúrbios super populosos”, disse Lord Blair, às tantas, como se homens-bomba fossem alguma espécie de tradição folclórica, alguma dança, alguma prática tribal antiga que nada tivesse a ver com nós termos invadido o Iraque em 2003.

“Como não lamentar os mortos?”, disse Lord Blair, sobre as vítimas. Deveria ter dito “Lamento os mortos assassinados por nós.” Assim, pelo menos, estaria mais perto de admitir sua culpa. “Não provocamos isso” – disse Blair, em momento de descontração. “A culpa não é minha, cara!”

Observei também que Marr, que o entrevistava, só falou de “no mínimo 100 mil mortos iraquianos”. Não falou dos 500 mil mortos, talvez um milhão de mortos que, todos somados, assombrarão para sempre a alma de nosso ex-primeiro-ministro. Assim sendo, Blair pôde falar das “centenas de milhares de mortos assassinados por Saddam”. É a velha história. Blair não é pior que Saddam. Blair é muito melhor pessoa que Hitler, é mais risonho que Stalin, mais bonitinho que Genghis Khan. Não, não. Nada disso tem qualquer coisa a ver com Lord Blair. “É preciso ter coragem para fazer o que você pensa que é certo.” Não basta “pensar”.