Vanessa Lampert: Carta aos evangélicos

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Vanessa foi uma boa descoberta que a blogosfera me trouxe. Trocamos alguns mails, mostrei para ela alguns dos hoax que recebia, o vídeo do Pastor Piragine, alguns comentários agressivos que o Maria Frô recebeu após postar o vídeo do pastor e que não publiquei porque incitavam a homofobia e outros preconceitos. Ela já estava determinada a escrever sobre o assunto.  Ah! Como você perceberá lendo a carta a Vanessa é evangélica. E também me educou, chmando a atenção, por exemplo, como os evangélicos são bastante estereotipados na mídia.

Carta aos evangélicos, sobre Dilma Por Vanessa Lampert, em seu blog

No dia 10 de Setembro, foi publicado no Maria Frô um vídeo   http://mariafro.com.br/wordpress/?p=19096 com um pastor batista chamado Paschoal Piragine, que circula no youtube em um culto de sua igreja, apresentando um vídeo tendencioso, em tom emocional e alarmista, dizendo que se Dilma for eleita, teremos a disseminação da iniquidade em nossa pátria. Isso porque – segundo ele – o PT e Dilma são a favor do aborto e do casamento homossexual. Diz esse pastor ao seu rebanho que a única forma de salvar-nos dessa catástrofe é votando no PSDB….(como SE o PSDB fosse contra o aborto…risos…). Vi o mesmo vídeo em outros blogs e pipocam diversos textos atrelando Dilma à legalização do aborto, práticas anti-cristãs, legalização de casamento entre pessoas do mesmo sexo e perseguição à igreja através de reformas constitucionais. Alguns comentários de pessoas horrorizadas com as informações com as quais têm sido bombardeadas, mostram cristãos totalmente rendidos às mentiras propagadas, muitos vociferando de maneira bastante agressiva, chamando Dilma de anticristo para baixo.

Apesar dos comentários a que me refiro refletirem o pensamento da minoria dos evangélicos, essa minoria repassa emails falsos e comenta os posts dos blogs, fazendo parecer que fala em nome de todos os evangélicos. Eu peço licença para tentar falar com essas pessoas, em uma linguagem que lhes seja familiar, na esperança de que ao menos algumas delas (as realmente sinceras, não as mal intencionadas, essas jamais ouvirão) me dêem ouvidos, ou parem para pensar. Já há algum tempo, a oposição teve uma “maravilhosa” idéia: manipular os evangélicos, para diminuir o apoio a Dilma Roussef. A grande mídia, que sempre nos desprezou, nos vê como massa de manobra, como ignorantes manipuláveis e facilmente enganáveis. Reitero o que sempre disse: a opinião desse senhor Piragine é a da minoria dos cristãos. Felizmente nosso povo não é mais ignorante como na época em que acreditava que Lula queria fechar igrejas.

Deus, no início de sua conversa com o profeta no livro bíblico de Isaías, faz um pedido muito nobre: “Vinde, pois, e arrazoemos”…em outras traduções já li “Vinde, e raciocinemos juntos”. Arrazoar é expor seus argumentos alegando razões. Acredito, então, que este seja o pedido que Ele faz aos que se dizem dele: “Vem aqui, vamos raciocinar”. Vejo cristãos horrorizados, repetindo o que ouviram por aí: “Dilma é a favor do aborto, Dilma é a favor da legalização da iniquidade, o PT tem princípios contrários aos princípios cristãos”, etc. etc. etc. Esta semana, o novo hoax (mentira propagada pela internet) diz que Dilma afirmou em entrevista a um jornalista (qual o nome dele?) de um jornal local (qual jornal?), na inauguração de um comitê (qual comitê?) em Minas Gerais (em qual data?): “Nem Cristo querendo me tira essa vitória”. Ela nunca disse isso, mas jogaram essa afirmação em um email falso, que circula em tons alarmistas. O problema não é apenas o fato de estarmos caindo feito patinhos na armadilha da oposição, mas os argumentos que são utilizados para o não-voto em Dilma Roussef, principalmente: legalização do aborto e da união civil entre homossexuais. Você realmente já parou para pensar nisso?

A Igreja Católica é contrária a métodos contraceptivos. Por isso, dificulta ao máximo o trabalho de distribuição de preservativos entre a população da África, que sofre com a disseminação da AIDS, coloca-se abertamente contra e ainda diz à população que preservativos não são eficazes no combate ao HIV, prestando um desserviço à humanidade. Milhares de pessoas morrem por não terem tido acesso a prevenção enquanto era tempo. E a Igreja Católica chega ao ponto de criticar governos, em alguns países, pela iniciativa de distribuir preservativos aos jovens. E nós achamos um absurdo. Não se importam com as vidas ceifadas diariamente pela Aids? Não se importam com as crianças que ficam órfãs, ou doentes, e sofrem até a morte? A alegação é que o sexo só é permitido depois do casamento e que o adultério é pecado, logo, não haveria melhor forma de prevenção à AIDS do que seguir os dogmas da igreja. O raciocínio é lógico, mas todo mundo é católico? Todo mundo é cristão? Não. Então os que não são cristãos, ou que não seguem à risca os dogmas, merecem, como punição, a doença, sofrimento e morte? Não é isso o que Jesus ensina. Ele fala de amor, Paulo fala de abençoar os que nos perseguem, Jesus fala em amar os inimigos, quanto mais àqueles que não são nossos inimigos, só não tiveram a oportunidade de conhecer o Deus que conhecemos. Jesus era bastante duro com aqueles que usavam de falta de amor travestida de religião. Ele não atacava “pecadores”, atacava religiosos. É essa a indignação de Deus no primeiro capítulo de Isaías: contra os religiosos que diziam servir a Deus, mas aos quais Deus nem sequer ouvia, pois as mãos deles “estão cheias de sangue”. É a eles dirigida a repreensão do livro de Malaquias, do início ao fim. Nós olhamos para o Vaticano, que – por uma posição retrógrada e fria- permite o sofrimento e a morte de milhares, e nos indignamos. Conseguimos compreender nos olhos daquelas crianças soropositivas da África, sem a menor esperança de futuro, todo o sofrimento causado pela falta de amor de quem se diz representante de Deus.

Muitas mulheres morrem todos os dias no Brasil vítimas das consequências de abortos feitos em clínicas clandestinas, a maioria sem as mínimas condições de higiene, muitas feitas apenas com o objetivo de ganhar dinheiro, e dane-se a adolescente desesperada que não queria aquele filho. Algumas estão apenas assustadas com a novidade, e poderiam até mudar de idéia, caso fossem orientadas por um psicólogo na clínica, ou mesmo um assistente social. Mas por que uma clínica clandestina contrataria um profissional desses? A idéia é não dar tempo para que elas pensem, assim garante-se o recebimento do dinheiro. O resultado são muitas mulheres traumatizadas, úteros machucados, arrependimento, alguns suicídios, morte.

Você, cristão, que acredita que uma mulher que faça aborto vai para o inferno, pense comigo:  o fato de o aborto não ser legalizado faz com que ela deixe de abortar? Não, pois sempre existe alguém que conhece uma clínica, ou mesmo um remédio ou “chazinho” que pode causar graves sequelas. As chances de ela morrer em uma clínica clandestina ou em um aborto feito em casa são infinitamente maiores do que em um aborto feito por médicos, em um hospital. O feto, se já é uma vida, vai para o céu, em ambos os casos. Já a mãe, se morrer, não vai para o inferno? Você quer que ela vá para o inferno? Imagino que não, se você realmente for cristão.  Se não for possível impedi-la de abortar, então pelo menos que haja menos chance de morrer, pois assim ela ainda tem chance de ser salva, não? Mas o correto seria ela não abortar! – você me diz – Assim como o correto seria que as pessoas não tivessem relações sexuais fora do casamento, isso evitaria a Aids. Mas não é essa a realidade. Pode ser a realidade dentro de nossas igrejas (e nós sabemos que não é bem assim…), mas o presidente da república não deve governar apenas para as nossas igrejas, pois isso não pode usar nossos dogmas em suas diretrizes de governo, pois estão lidando com a realidade do mundo. Por isso o Estado é laico: senão daqui a pouco teríamos os Umbandistas dizendo o que podemos ou não fazer, os católicos dizendo o que podemos ou não fazer, os espíritas dizendo o que podemos ou não fazer, os budistas dizendo o que podemos ou não fazer, os satanistas dizendo o que podemos ou não fazer…e aí? Não se sentiriam todos no mesmo direito?

E o casamento gay? Antes de mais nada, cabe ressaltar que no programa Roda Viva, da TV Cultura, Dilma afirmou “Sou a favor da união civil. Acho que a questão do casamento é religiosa. Eu, como indivíduo, jamais me posicionaria sobre o que uma religião deve ou não fazer. Temos que respeitar” (em tempo: Marina Silva disse exatamente a mesma coisa, vide link ao final do texto) Vamos tentar entender essa afirmação: União Civil é uma coisa. Casamento é outra. Nós, enquanto cristãos, podemos nos posicionar firmemente contra o casamento gay (cerimônia religiosa) dentro de nossas igrejas. A igreja é livre para não permitir, baseada na Bíblia, esse tipo de cerimônia na instituição, e o governo não tem nada com isso. Pode orientar como pensa e o que sugere para resolver a questão, pode defender seus princípios, dentro dos estatutos de sua igreja, sem, no entanto, jogar a pessoa no fogo do inferno enquanto ela está viva, aqui. Porém, não podemos nos colocar em um embate para limitar os direitos dessas pessoas enquanto cidadãos. Não é por fazê-las sofrer e passar dificuldades no dia-a-dia que faremos com que se convertam, pelo contrário, pois quanto mais perseguidos somos, mais convictos nos tornamos, não é mesmo? E quanto mais forem perseguidos, menos se interessarão pelo evangelho. Não é limitando direitos civis que os traremos até nós, mas mostrando o amor com que Deus acolhe aqueles que querem segui-lo e o próprio Espírito Santo fará o resto.

O que é a “união civil”? Em que isso é diferente de casamento? União civil é apenas o reconhecimento do Estado, do relacionamento entre aquelas duas pessoas. Isso lhes dá direitos como incluir o parceiro como dependente no plano de saúde ou na declaração de imposto de renda (abatendo despesas médicas e educacionais do parceiro), pensão alimentícia em caso de separação entre outras coisas que não farão a menor diferença para mim ou para você e também não alterarão em nada a situação dessas pessoas diante de Deus. Se o leitor cristão diz que Deus não aceita essa união como um casamento legítimo, então diante de Deus nada muda, certo? Nesse caso, por que o escândalo? Por que a celeuma? Qual é o problema? O fato de não haver união civil impede que casais homossexuais morem juntos? Não, não impede. Então o que estamos querendo evitar? Contra o que exatamente estamos lutando? Paulo diz que nossa luta é espiritual, e se queremos fazer algo por essas pessoas, devemos investir no que realmente importa e não em querer dizer o que o governo deve ou não legalizar. O fato de o aborto e a união civil homoafetiva serem legalizados transformará o Brasil em uma Sodoma e Gomorra? De maneira nenhuma! O governo só será capaz de organizar algo que já existe. Pergunto ao evangélico protestante: o cigarro é liberado. Você fuma? A cachaça é liberada. Você vive bêbado pelas ruas? O bêbado que se converte se livra da cachaça e não volta a beber, mesmo o álcool sendo droga legalizada. A pessoa é livre para fazer suas escolhas, e faz a escolha correta, desde que bem instruída. E que o país continue a ser livre, que o Estado continue a ser Laico, que possamos distribuir nossos panfletos nas ruas, evangelizar nos presídios e hospitais, fazer trabalho social e núcleos nas favelas. Vamos eleger deputados comprometidos com a nossa causa, para defender nossos direitos lá dentro, para defender nossas igrejas e para dar melhores condições de vida aos menos favorecidos, mas jamais para se intrometer nos direitos civis de outros pessoas usando como argumento algo que elas sequer entendem.

Não há nenhuma ameaça ao cristianismo na posse de Dilma ou no PT.  Não nos deixemos manipular. Os fatos são bem outros, e eles não falam. Não dizem que a grande mídia, que esculacha a Dilma e o PT, nunca nos respeitou e jamais perdeu uma oportunidade de nos ridicularizar e nos caluniar. A Globo, com suas novelas, sempre buscava retratar os evangélicos da maneira mais estereotipada possível, por que acreditaríamos nela agora? Por que nos uniríamos a ela? Por que repetiríamos o que ela nos diz, como se fosse verdade? Se quando fala a nosso respeito, sempre usa de mentiras, calúnias e distorce a verdade? Nunca nos respeitou. Não dizem que o governo do PT foi o que mais favoreceu a liberdade religiosa e o crescimento das igrejas. Não dizem que as mesmas fontes que dizem hoje que Dilma é contra os cristãos diziam que Lula fecharia as igrejas. Ele fechou? Alguém se lembra desse terrorismo ideológico? Mas e Marina Silva? Ela não é evangélica? Sim, mas mesmo sabendo que o que se diz na grande mídia é mentira, opta por ficar calada e deixar o circo pegar fogo e quando convidada a opinar, joga mais lenha na fogueira, concordando com o que é dito. De que lado ela está? Da Globo, da mídia manipuladora, a mesma que nos pinta como ignorantes, burros, pobres e analfabetos? Marina, na questão polêmica do aborto, joga a bomba no colo da população e diz que fará plebiscito. Plebiscito para quê? Para incitar uma briga, uma guerra onde só o evangelho sairá perdendo (não importa o resultado do processo)? Não misturemos as coisas. Não há necessidade de plebiscito para isso, já que trata-se de direitos que serão utilizados apenas pelos interessados. Não é algo que afetará a sociedade, como um todo. Marina quer lavar as mãos e jogar a responsabilidade em cima da população.

A escolha é de cada um de nós, mas eu, sinceramente, pensando na igreja, não vejo escolha melhor do que continuar no caminho já iniciado pelo Lula. E se você tem outra opinião, que seja a sua, não baseada naquilo em que emails mentirosos querem que você acredite, nem em argumentos que nos transformem em fariseus que coam mosquitos e engolem camelos. Vamos entender de uma vez por todas que o presidente de um país deve governar para toda a população, e lutar pelos direitos do povo, independente de suas opiniões pessoais.  O dia em que um presidente do Brasil resolver enfiar Jesus goela abaixo da população, pode ter certeza de que Deus não ficará aqui para ver o resultado. E eu também não. Deixo, para sua reflexão, dois vídeos que fazem um bom contraponto àquele do pastor Piragine. Ouça com atenção até o final.

Veja os vídeos indicados no blog da Vanessa Lampert e uma dezena de links interessantes sobre os temas 'polêmicos' trazidos para a campanha e a posição dos candidatos