Nunca ri tanto lendo a análise sociológica do Celso Barros que decupa os absurdos da tese de 'aparelhamento de Estado pelo PT', produzida por Veja: sociologia aloprada que não respeita sequer as próprias afirmações que o autor do texto faz ao longo de sua 'análise'.
Vejam este trecho aqui:
(…) os funcionários públicos guindados pelo PT têm, em média, boa formação escolar e seriam pessoas certas no lugar certo não fosse sua devoção a uma causa partidária.
Bom, mas, como vimos, o nível desses sujeitos era compatível com os cargos ocupados. Como vimos aí em cima, mané. Olha pra cima, lesado. Tá aí, foi você que escreveu.
Ou seja: o problema dos petistas que o PT alçou a cargos melhores não é eles terem sido alçados a cargos melhores, é que eles são petistas. Bom, aí não tem jeito, né, rapaz. Se o problema do petista é que ele é petista, não é difícil provar que ser petista é um problema. Assim, até eu.
E o impressionante é que a reportagem segue ignorando solenemente a informação de que os petistas no Estado têm qualificação para ocupar os cargos que ocupam, informação prontamente disponível para o autor da matéria se olhasse para a tela enquanto digita. Pois o texto continua como se o parágrafo acima não tivesse existido:
Antes de Lula e do PT, esses cargos eram ocupados em parte por indicação política, já que a maioria dos postos era reservada para especialistas de reconhecido conhecimento técnico [que merda de frase, hein, meu filho - NPTO]. No governo Lula, 45% desses cargos foram entregues a sindicalistas, sendo que, entre eles, 82% são filiados ao PT.
Leitores tenham paciência e concentração. Prometo para vocês, vale cada parágrafo. Celso Barros é muito sabido e espirituoso na escrita, o que falta a muitos blogueiros sisudos. Enjoy!
Não deixe de visitar o blog do Celso Barros, um dos espaços mais politizados e inteligentes da blogosfera, aqui NPTO (Na prática a teoria é outra)
Não tenho tempo para ler tudo que saiu sobre o escândalo, por isso resolvi comprar a Veja. Imagino que, como de hábito, tudo que houver de ataque mais agressivo contra o governo estará na Veja. Posso ter feito errado, porque nem sempre o mais agressivo tem os melhores argumentos, mas, se alguém aí souber de argumentos melhores, me avise.
1.
Antes de discutir o aparelhamento, uma observação. Não tenho, repito, capacidade de discutir os detalhes da quebra do sigilo, mas tem um negócio no final da reportagem da Veja da semana passada que me pareceu estranho.
Segundo a Veja, a origem da quebra de sigilo estaria em um grupo de inteligência petista que incluiria o Fernando Pimentel, que, por ter participado de um jantar com o tal do Amaury, seria suspeito de ser o elo perdido entre a quebra do sigilo e a Dilma. Meio fraco esse vínculo, mas o que me causou certa perplexidade foi o seguinte:
Alertada, em maio, sobre as movimentações clandestinas de seus auxiliares, Dilma determinou a imediata desmobilização do esquema de espionagem [não, não foi a Carta Capital que disse isso, foi a Veja - NPTO] (…) O que Dilma não sabe é que, ao desmantelar o gurpo, ela acabou salvando um de seus principais assessores de se ver envolvido em um escândalo. Dias antes de o grupo ser desfeito, o ex-ministro Antonio Palocci tinha sido escolhido como alvo imediato do grupo de arapongas. Para resolver uma disputa de poder entre os próprios petistas, o núcleo decidiu convencer uma conhecida figura do ramo de diversões masculinas a prestar um depoimento à Polícia Federal. Em troca de 4 milhões de reais, a mulher acusaria o ex-ministro de ter usado dinheiro público para patrocinar festas em Brasília. Benedito estava encarregado de recolher o dinheiro com empresários mineiros. Fogo amigo também queima. [separe essas duas frases e vai parecer que você tirou do blog do Rovai, mas deixemos isso de lado - NPTO]
Faz tempo que não vou em uma reunião do partido, por isso, se as coisas tiverem mudado, me expliquem que eu corrijo. Mas, se me lembro bem, Pimentel era Paloccista de primeira hora, tendo sido, inclusive, cogitado como substituto de Palocci na Fazenda. A disputa interna de Palocci é com Dirceu, que, tanto quanto eu sei, ainda não apareceu nesse caso. Pode ter havido algum realinhamento que eu não sei, mas, a princípio, me parece que, se foram atrás do Palocci, quem mandou não foi o Pimentel. Enfim, aguardo esclarecimentos de gente mais atualizada que eu nas brigas das internas.
3.
Bem, mas tem um negócio a respeito do qual eu posso, sim, dar opinião. Como eu já disse, o crime da Receita é só um crime isolado até você ligá-lo à direção do PT (o que ninguém fez até agora) e/ou inseri-lo em uma narrativa em que o PT é singularmente corrupto e singularmente preocupado em aparelhar o Estado. A Veja gasta, na verdade, mais espaço tentando fornecer esse background do que propriamente esclarecendo o caso da Receita, e é isso que eu quero discutir.
Por caridade, não vou comentar o quadro “Cidadãos Indignados”, que, em uma amostra aleatória da população brasileira, sorteou o Roberto Freire, o Denis Rosenfield, o Marco Antonio Villa, o Rodrigo Maia (hehehe), e,surprise, surprise, o Magnoli. Só digo o seguinte: isso é preconceito contra o Olavo. Porque só ele ficou de fora?
4.
O primeiro movimento no texto para provar que o PT, sistematicamente, aparelha o Estado, é um quadro com diferentes escândalos, a saber: o mensalão, a violação do sigilo do Francenildo, os aloprados de 2006, a abertura dos dados sobre os cartões corporativos, a Satiagraha (?), e o caso Lina.
a.
O mensalão é um caso de corrupção que constitui muito mais a regra do que a exceção na nossa história política. Todos os corruptos que fizeram aliança com o PT tinham feito aliança com o PSDB (e com todo mundo antes deles): alguém acha que antes do PT eles faziam alianças ideológicas? A propósito, também está claro que qualquer corrupto que desista do PT e resolva voltar para casa será recebido de braços abertos pela oposição: estão aí o Roberto Jefferson e o Quércia que não me deixam mentir.
b.
A violação do caseiro, sim, foi abuso de poder. Nesse caso, sem dúvida, nos comportamos de maneira torpe. A propósito, o cara, só para nos envergonhar ainda mais, não aceitou participar do programa do Serra (imaginem o quanto não ofereceram), e está com o Plínio. Já tivemos mais petistas como esse rapaz, esperemos que voltemos a ter mais no futuro.
c.
O caso dos aloprados tinha duas dimensões: uma era a tentativa de montar um dossiê contra o Serra, algo inteiramente legítimo e parte do jogo democrático (desde que, naturalmente, não se faça nada de ilegal para conseguir as informações). Se você chegar nos EUA e disser que no Brasil tem um partido que faz dossiês contra seus adversários, eles vão dizer, aqui tem pelo menos dois. O problema no caso dos aloprados era outro, era a origem do dinheiro, que vinha, se não me falha a memória, de caixa 2. Nenhum órgão da administração pública foi mobilizado nessa história. Não é, portanto, evidência de aparelhamento.
d.
O caso dos cartões corporativos é uma história até hoje meio mal contada, que até hoje me impressiona pela irrelevância. O PT teria feito um dossiê sobre gastos de tucanos com o cartão corporativo. Pelo bem do argumento, e por minha falta de paciência de pesquisar um negócio sem importância desses, vamos contar que seja abuso de poder.
e.
A Satiagraha pode ter tido algum abuso de poder, mas não foi do PT. Dêem uma olhada na reportagem que saiu na Piauí desse mês sobre o Protógenes, escrita por um cara que é eleitor da Dilma. O artigo desce o pau no Protógenes, mostra que o grande objetivo do Protógenes era conseguir ligar o Dantas ao Zé Dirceu, e que há, inclusive, evidências de que a investigação produziu um dossiê sobre a Dilma.
Digamos que todas as acusações de incompetência do autor da reportagem contra o Protógenes sejam falsas. Ainda assim, o que se vê é muita gente do PT puta com o Protógenes. O cara é meio que um franco-atirador, e é um péssimo exemplo de disciplinado militante petista dentro da máquina pública, se é disso que se lhe quer fazer de exemplo.
f.
E o caso Lina é um disse-me-disse a respeito de Dilma ter pedido para as acusações contra o Sarney serem investigadas mais rápido. Pelo bem do argumento, vamos supor que Lina estivesse dizendo a verdade: seria um caso de favorecimento político de aliados envolvidos em corrupção. Taí um negócio que, realmente, só passou a existir depois do PT. Estou muito menos disposto, aliás, a conceder o benefício da dúvida nesse caso.
E há as contra-evidências de aparelhamento: a PF foi muito mais atuante sob o PT do que em qualquer outro período, inclusive contra o governo. O Tarso Genro, por exemplo, não avisou o Lula que o filho dele estava sendo investigado, o que, isso sim, deve ter acontecido pela primeira vez na história brasileira. Não há mais engavetador-geral da República.
E, algo que nunca poderia ter faltado em uma discussão sobre aparelhamento do Estado – certamente não faltaria em uma discussão nos EUA – Lula nomeou diversos ministros do STF que têm perfil ideológico diferente do governo, a começar pelo mais conservador de todos, Carlos Alberto Menezes Direito. O Toffoli é um cara politicamente mais próximo do governo, mas, no quadro de, na minha conta, seis nomeações (errei a conta?), é muito pouco para falar em aparelhamento. Olhem as nomeações do FHC: Gilmar. Mendes.
Ou seja: na pior das hipóteses, teríamos dois casos de abuso de poder em 8 anos de PT: a violação do sigilo do caseiro e o caso dos cartões corporativos. É, rapaz, é exatamente esse o caso na Rússia do Putin, para ficar no exemplo sugerido pelo Magnoli (porra, Magnoli, você está enterrando a carreira, e duvido que esteja ganhando tão bem para isso): não é que o Putin assassine jornalistas dissidentes, é que ele uma vez violou os gastos com cartão corporativo dos caras.
Vejam, não é que esses casos não sejam graves, ou não constituam crimes e erros. É que não há nada aí que não possa ser explicado pelos ocupantes de cargos no governo serem ambiciosos politicamente ou gananciosos financeiramente. Não há nada aí que, pare ser explicado, exija a tese do projeto totalitário. A corrupção, a propósito, não só não levou à implantação do totalitarismo, como pode ter mesmo causado seu fim (taí um herói que recebeu poucas homenagens, o estelionatário do mercado negro soviético).
5.
Mas o principal argumento da Veja está na matéria “O Partido do Polvo”, que vem logo depois. Começa assim:
Quando a máquina pública passa a ser controlada por pessoas ligadas umbilicalmente a um partido político, e este, a sindicatos, acaba de ser criado um poder independente no país. Nesse poder, os ditames do corporativismo, das inclinações políticas e dos interesses comuns da burocracia estatal oficial valem mais do que as leis. Seus integrantes estão sempre de acordo sobre as grandes questões políticas e obedecem cegamente a um líder carismático.
A frase seguinte é tão boa que merece esperar para ser discutida em separado. Vamos às idéias contidas no primeiro parágrafo:
1. “Quando a máquina pública passa a ser controlada por pessoas ligadas umbilicalmente a um partido político…”, isto é, na democracia moderna; ou seja, para a Veja, o primeiro problema do PT é o “P”, ser um partido, como Democratas e Republicanos, Trabalhistas e Conservadores, e como nada na direita brasileira é.
2. “…e este, a sindicatos…”, isto é, em um regime sem voto censitário em que os sindicatos, como em todo o mundo desenvolvido, formam seu partido político e têm chance de ganhar. O segundo problema do PT para a Veja é o “T”, ser um partido dos trabalhadores. Mais sobre isso adiante.
3. Se o que está em jogo são “os interesses comuns da burocracia estatal”, o que houve foi estatização do Partido, não partidarização do Estado.
4. “Seus integrantes estão sempre de acordo sobre as grandes questões políticas…” deve ser uma frase que entrou por engano, pois nenhuma cavalgadura seria tão dura e cavalga a ponto de dizer isso sobre o PT.
5.”…e obedecem cegamente a um líder carismático” deve ter entrado só para tentar completar o álbum do Economia e Sociedade do Weber: afinal, já foi dito que prevalecem os interesses da burocracia, os interesses corporativos (que, imagino, não são só os dos burocratas, mas também dos setores sindicalizados), só faltava os do líder carismático, que, na tradição sociológica, é praticamente o contrário da gestão burocrática e/ou dos agentes movidos por interesses corporativos. Se os militantes/burocratas seguem a palavra do líder, não estão representando seu próprio interesses, se representam seus próprios interesses, o Estado está fechado a interesses corporativos, se o que vale são os interesses corporativos, os corporativistas estão pouco se lixando para o carisma do Lula.
Para completar o álbum, só faltou alguma coisa a respeito de tradição, mas isso não dava pra botar, porque seria necessário fazer referência a tudo que se sabe sobre a história do Estado Brasileiro e sua tradição patrimonialista. Nada disso existiu, pois Desde 2003, as promoções de funcionários públicos não são mais baseadas no mérito, e sim na afinidade política.
Desde 2003. Desenterrem o Faoro que eu quero chutar o defunto. Empacotem a biblioteca do Sérgio Buarque de Hollanda na Unicamp. Esses caras não sabiam nada. Até 2003, o Estado brasileiro era o tipo ideal weberiano de dominação racional-legal. Aliás, com essa a Veja rompe de vez com o ideário liberal: pois não era porque o Estado brasileiro era um Leviatã paquidérmico e corrupto que a gente tinha que privatizar as coisas? Qual governo do PT teve antes do FHC ter que desmontar a coisa toda?
Mas agora é que fica bom:
Eles [os militantes - NPTO] se comunicam remotamente e coordenam suas ações como que orientados por ferormônios, de modo que, mesmo sem trocar palavras sabem, caso a caso, o que é do interesse maior do grupo e agem de acordo com ele. Em seu estágio final, essa hierarquia paralela se organiza como uma sociedade secreta e resiste até mesmo à alternância do poder político.
Ferorm…rapaz, eu não conseguiria inventar uma porra dessas se tentasse. O PT é o coletivo Borg. Quando o Lula tem uma idéia, o Dirceu dá um cheirinho nele, e já sai dali com aquela coisa de metalúrgico suado impregnada em seu corpo filocastrista. Quando encontra o Palocci, rola um olho no olho, um lance de pele, e ele dá aquela suada em jato pra cima do trostsko, que sai dali embebido para roçar a barba na barba do Genoínio e, porra, esses caras da Veja não podem sair publicando suas fantasias numa revista de família. Chat da Internet está aí pra isso mesmo.
O que esta merda de parágrafo está fazendo aí? Está deixando claro que não encontraram link nenhum entre a violação do sigilo e a campanha da Dilma. O link, então, foi a troca de ferormônios. O que dizer, meu amigo, o que dizer?
Mas esse artigo da Veja eu fiquei feliz em guardar. É um documento histórico, prova do reflexo reacionário manifestado por parte da sociedade brasileira diante da chegada à presidência de um partido dos trabalhadores. O resto do artigo se dedica a denunciar que tem sindicalista no governo. Vejam, por exemplo, esse trecho:
Desde 2003, quando Lula chegou ao poder, seus seguidores aceleraram uma operação de conquista de postos-chave do Estado que, aliás, já vinha sendo disciplinadamente seguida em governos anteriores sem que soassem alarmes [NPTO: como, rapaz?]. Dos quarenta cargos mais cobiçados do governo, os partidários de Lula e filiados ao PT ocupam 22. Nesses postos eles controlam orçamentos anuais que, somados, chegam a 870 bilhões de reais. Isso representa um quarto do produto interno brasileiro, ou seja, que 25% da riqueza nacional está sob administração direta de quadros partidários e ligados a sindicatos e centrais sindicais, todas comprometidos com um programa duradouro de poder.
Bom, rapaz, agora eu vou revelar em primeira mão pra você como é que esses caras ganharam esse poder todo: ELES GANHARAM A PORRA DA ELEIÇÃO, CARALHO. Todo mundo que ganha a porra da eleição, caralho, adquire controle sobre o Estado (dã), e, se o Estado controlar 25% do PIB, é essa a porcentagem que eles vão controlar.
Aí eu pensava que o cara ia enveredar pelo caminho de dizer que os quadros petistas são menos competentes que os tucanos. Eu, pessoalmente, não estranharia se fossem. Quando um grupo novo chega ao poder, ainda não sabe governar, e só governando aprende. Vocês já viram o que faziam os dissidentes que foram alçados ao poder após o fim do comunismo? Ninguém ali tinha a menor experiência utilizável na administração pública: eram filósofos, artistas de vanguarda, operários. Poucos anos depois da transição, os partidos comunistas da região voltaram ao poder em massa, após abdicar do comunismo propriamente dito, vencendo eleições com a bandeira da competência técnica (era verdade, os caras tinham governado o país por cinquenta anos, acabaram aprendendo alguma coisa). Quem se interessar pelo tema pode checar o livro da Anna Gryzmala-Busse.
Mas não é disso que fala a reportagem da Veja. Ó só:
(…) os funcionários públicos guindados pelo PT têm, em média, boa formação escolar e seriam pessoas certas no lugar certo não fosse sua devoção a uma causa partidária.
Ou seja: o problema dos petistas que o PT alçou a cargos melhores não é eles terem sido alçados a cargos melhores, é que eles são petistas. Bom, aí não tem jeito, né, rapaz. Se o problema do petista é que ele é petista, não é difícil provar que ser petista é um problema. Assim, até eu.
E o impressionante é que a reportagem segue ignorando solenemente a informação de que os petistas no Estado têm qualificação para ocupar os cargos que ocupam, informação prontamente disponível para o autor da matéria se olhasse para a tela enquanto digita. Pois o texto continua como se o parágrafo acima não tivesse existido:
Antes de Lula e do PT, esses cargos eram ocupados em parte por indicação política, já que a maioria dos postos era reservada para especialistas de reconhecido conhecimento técnico [que merda de frase, hein, meu filho - NPTO]. No governo Lula, 45% desses cargos foram entregues a sindicalistas, sendo que, entre eles, 82% são filiados ao PT.
Bom, mas, como vimos, o nível desses sujeitos era compatível com os cargos ocupados. Como vimos aí em cima, mané. Olha pra cima, lesado. Tá aí, foi você que escreveu.
E, pra terminar, dois boxes: em um deles, descobre-se que o partido que ganhou as eleições indicou os ocupantes dos cargos que devem ser indicados por quem ganhar as eleições. Bom, que é, é. No segundo, quatro informações:
1) desde a chegada de Lula à presidência, seis mil funcionários públicos se filiaram ao PT. Isso não surpreende, visto que o PT deu aumentos de salários muito mais generosos ao funcionalismo do que o PSDB, carinhosamente chamado pelos professores de São Paulo de Pior Salário Do Brasil. O cara apóia o partido que atende melhor seus interesses, nenhuma surpresa aqui.
2) há uma porrada de cargos de confiança. Sim, mas os ocupantes desses cargos antes do PT não eram concursados, tampouco. Nessas horas, sempre me lembro dessa excelente historinha contada pelo Alon:
A brigalhada pelo comando dos fundos de pensão faz lembrar uma história que conheço há mais de trinta anos. Uma piada de centro acadêmico. E nem é tão piada assim. Dois líderes de facções adversárias conversam para tentar montar uma chapa de consenso na entidade. Estão num impasse. Quem fará a maioria? Um dos dois chefes políticos tem a ideia. “40% para vocês, 40% para nós e o resto para os independentes.” O outro sorri. “Ótimo. A gente interrompe a conversa agora e voltamos a falar amanhã de manhã. Eu trago a lista dos meus independentes e você traz a dos seus.”
A propósito, o número de cargos de confiança deveria mesmo ser drasticamente reduzido.
3) Desses cargos de confiança, 45% foram entregues a sindicalistas. Ou seja, menos da metade dos cargos que podem ser ocupados por quem o governo indicar, sob um governo do partido dos sindicalistas, é ocupada por sindicalistas. Se o número impressionar por alguma coisa, é por ser baixo.
4) Entre esses sindicalistas, 82% são filiados ao PT. O que se deve, naturalmente, a ter sido o PT que ganhou a eleição. Talvez seja essa a informação que tenha faltado ao autor da reportagem. Não culpem o rapaz: se ele só ler a revista em que trabalha, pode ser perdoado por ter deixado essa passar.
5) 70% dos funcionários públicos filiados ao PT foram promovidos após a filiação. Bom, a primeira coisa a se dizer aqui é que esse número é suspeito até se efetuarem os controles estatísticos necessários. Aliás, seria fácil fazer isso com os dados apresentados na pesquisa da Maria Celina (base da reportagem), e seria legal se alguém fizesse. A própria reportagem admite que muitas dessas promoções poderiam ter ocorrido de qualquer maneira (e muita promoção no serviço público é, na prática, por idade). Agora, alguém fica chocado porque o partido no poder recruta para cargos mais altos gente afinada com seu projeto? Vocês não sabem que quando o PSDB ganha a eleição, no Itamaraty – para ficar no exemplo de uma ilha de excelência bem excelente – os melhores cargos vão para gente mais à direita? Bom, se não souber, é só você que não sabe.
E, para ficar em outro contra-exemplo óbvio para a tese do aparelhamento, inexplicavelmente não discutido na reportagem, o PT deu o Banco Central a um tucano. No governo FHC, tudo que levamos foi o Ministério da Cultura, que recebeu tão pouca verba que a festa dos 500 anos foi organizada pelo Ministro do Turismo (o felizmente esquecido Rafael Greca, do DEM, que fez aquela caravela que afundou).
6.
É claro que há petistas corruptos, petistas gananciosos, esquemas envolvendo dirigentes partidários com empresários corruptos. E também os há direitistas. E não há qualquer sinal que os haja menos.
Mas, por enquanto, não há evidências para a tese do aparelhamento do Estado pelo PT, no sentido forte que se dá ao termo, de submissão radical da máquina estatal ao partido. Pode ser que venha a haver, e digo mais, se nas próximas eleições a oposição não for capaz de fazer algo melhor do que tem feito, o PT tende mesmo a se corromper de maneira mais global, como tenderiam os tucanos fôssemos nós os eleitoralmente ineptos.
Mas o exercício sociológico feito pela Veja é simplesmente azevêdico. A tentativa de produzir um background narrativo contra o qual projetar novas denúncias até a eleição foi um fracasso constrangedor, ao menos no nível intelectual (e, ao que parece, o tem sido também no nível eleitoral). Mas, é claro, na matéria já há o recurso teórico que cumpre papel semelhante à tese dos ferormônios: é que, a partir de certo ponto, o grupo no poder se constitui em sociedade secreta. Daí em diante, se não aparecerem evidências de nada do que está previsto aqui, a explicação é simples: é que é tudo secreto.
7.
E, se vocês têm dúvida de que a edição da semana passada deveria dar o background para a edição, de capa quase idêntica (só mais avermelhada), dessa semana, a nova denúncia já começa assim:
A reportagem de capa de Veja da semana passada relatou o escândalo da quebra de sigilo de adversários políticos promovida por militantes do PT e deu uma visão panorâmica da imensidão e profundidade do aparelhamento do estado brasileiro por interesses partidários. A presente reportagem foca nos detalhes de um caso de aparelhamento muito especial. [ênfase: NPTO]
“Panorâmica”, no caso, quer dizer vista de tão longe que nenhum dos traços do fenômeno real permanecem identificáveis, e do borrão resultante qualquer um faz o teste de Rorschach que lhe convém. Na falta de ferormônios que os articule, os argumentos levantados pela Veja permanecem uma coleção de baboseiras sobre o PT coladas sobre o trabalho da Maria Celina, da qual são tirados alguns percentuais bastante simples.
E, na falta disso, mesmo na hipótese de tanto a denúncia da semana passada quanto a dessa semana serem verdade, a tese que a Veja quer vender, a que realmente poderia impressionar os eleitores formadores de opinião – é preciso derrotar o PT porque, não obstante os bons resultados de seu governo, ele tem um projeto totalitário de poder – revela-se apenas um exercício de sociologia aloprada.