Latuff disse-me que no meu texto (sobre o vídeo que a extrema-direita está fazendo a festa,) peguei muito leve com o governador Cabral. Não não sou carioca como Latuff e de violência policial no Rio, o meu amigo cartunista é PHD. Pedi para ele que escrevesse um texto que ele teria todo espaço neste blog. Pela manhã ele me manda o texto.
GAFE DO PRESIDENTE, TORPEZA DO GOVERNADOR Por: Carlos Latuff*Ontem assisti ao vídeo que anda circulando pelo Twitter onde o presidente Lula e o governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) foram abordados por um jovem negro durante evento de inauguração de mais uma das obra do PAC em favelas cariocas. O rapaz de nome Leandro contou a Lula de seu desejo em praticar tênis, no que o presidente retrucou dizendo ser este um "esporte da burguesia" e sugeriu a natação.
Leandro então disse que a piscina da quadra esportiva ficava fechada nos finais de semana e Lula repreendeu o governador de que a divulgação disso pela imprensa resultaria num "prejuízo político". A maior parte dos comentários que vejo sobre esta filmagem é focada na maneira com que Lula se referiu ao tênis e sobre sua preocupação com o tal "prejuízo político".
Quanto ao tênis, é fato de que realmente se trata de um esporte praticado por quem tem pelo menos 600 reais pra gastar numa raquete Dunlop. Quanto ao "prejuízo político", é fato também de que, em tempo de eleições, todo o cuidado é pouco com o que vai aparecer na imprensa. Sair bem na foto é sair bem com os eleitores. Não surpreende mais este video do Lula, que certamente fará parte da vasta coleção onde ele é visto cometendo gafes e mesmo grosserias. É claro que colecionar gafes presidenciais faz parte do cardápio da grande imprensa no Brasil e mundo afora. Mas particularmente para a imprensa brasileira estas imagens vem alimentar um ódio de classe, na tentativa de apresentar Lula como um nordestino ignorante e despreparado. Apesar do atual governo ter sido até agora tão benevolente com banqueiros e atifundiários, para a classe dominante no Brasil, especialmente para os intelectuais reacionários que povoam niversidades, programas de TV e páginas de jornais e revistas, é duro ter que tragar um sujeito que fala errado, bebe cachaça e que nunca frequentou os bancos da USP ser recebido mundo afora como chefe de estado. Mas por enquanto deixemos de lado Lula e seus problemas. Ele tem um séquito grande o suficiente para defendê-lo.
O fato que mais me chamou atenção nesse vídeo, e que não mereceu a mesma atenção por parte dos internautas, foi a fala de Sérgio Cabral em resposta ao jovem favelado que afirmava estar vivendo na "Faixa de Gaza" e que acordava pela manhã com o blindado da polícia conhecido como "Caveirão" parado na porta de casa. Cabral agiu como se fosse um PM abordando um jovem negro e pobre num beco da favela. Num tom grosseiro típico, o governador chamou Leandro de "otário", "sacana" e o mandou estudar. Mostrou assim sua face real, aquela que não é exibida na TV e nem nos jornalões, comprados pelas polpudas verbas publicitárias do governo do Estado. Mostrou seu desprezo tanto por aquele jovem quanto por outros tantos assassinados a tiros durante as incontáveis operações de "busca e destruição" de sua polícia. Irritou-se ao ver o 'neguinho' mal-agradecido questionar sua política de extermínio.
Leandro tentou lembrar a todos de que, a despeito da propaganda oficial em torno da chamada "pacificação", as favelas do Rio tem sido alvo de uma política deliberada de execuções extra-judiciais. Neste domingo assisti a uma matéria na Rede Record exaltando uma operação onde policiais usando toucas ninja incursionavam pela favela do Jacarezinho fortemente armados, um deles com um rifle de longo alcance nas costas, provavelmente do mesmo tipo que atingiu um traficante que caminhava despreocupado pelas ladeiras do morro do Fallet, façanha essa exibida no YouTube. Esse mesmo ímpeto pela matança vitima pessoas inocentes como Hélio Ribeiro, morador do morro do Andaraí, que trabalhando na sua laje com uma furadeira, foi baleado mortalmente por um soldado do BOPE, que o confundiu com um traficante armado. Em Acari a creche municipal Yedda Marques Lamounier foi crivada de balas durante perseguição da polícia a um traficante, as balas perfuraram paredes e por pouco não atingiram as crianças que dormiam. E mais recentemente temos o estudante de 11 anos, Wesley Guilber Rodrigues de Andrade, que morreu com um tiro em plena sala de aula num CIEP em Barros Filho, durante mais uma operação policial nos arredores da escola.
A morte de inocentes é banalizada pela mídia que tenta vender a idéia de que estamos numa guerra, e que portanto é natural que hajam baixas civis. Ninguém fala que esta "guerra" é na verdade resultado da corrupção crônica enraizada no seio da máquina do estado. Armas e drogas não fluem livremente pelas favelas sem o conhecimento e a participação de policiais, fato inclusive cansativamente abordado pela imprensa. No entanto, a mídia através dos telejornais e de apresentadores como Wagner Montes e José Luiz Datena, prefere se referir aos inúmeros casos de participação de policiais em crimes como "fatos isolados", e segue apoiando o massacre mesmo sabendo que este serve apenas para saciar o apetite da classe média pela pena de morte, já que mesmo com tantos bandidos executados, o tráfico de drogas segue firme e forte.
Podemos questionar a motivação do jovem Leandro em abordar Lula e Sérgio Cabral levando uma câmera escondida, questionar inclusive se essa atitude foi uma decisão pessoal do próprio Leandro ou se foi planejada por algum rival político do presidente e do governador. Tudo isso pode ser levado em conta, mas não tira o mérito das colocações daquele rapaz, que ao menos não foi mais um a puxar o saco de autoridades como de praxe. Talvez os críticos de Lula não estejam muito interessados no fato de seu governo apoiar um psicopata como Sérgio Cabral. Preferem se preocupar com uma suposta discriminação aos praticantes de tênis e não com o banho de sangue cometido por Cabral e seus esquadrões da morte oficiais nas comunidades pobres.
Em época de eleição muito se fala em quem mais gerou postos de trabalho. Sérgio Cabral certamente será lembrado como o governador que mais empregos gerou no ramo funerário. E que venham mais caixões, porque Cabral já é franco favorito para mais um mandato a frente do Estado do Rio de Janeiro. *Carlos Latuff é cartunista.