Traduções: Como anda o nível do jornalismo estadunidense

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Barret Brown é uma espécie de ativista da Confecom estadunidense. Se fosse brasileiro estaria no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, na Altercom, ao lado de jornalistas blogueiros como Altamiro Borges, Luis Nassif, Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna e outros. Já a National Review é uma espécie de Veja. Leiam seu interessante artigo que mostra o nível do anti-jornalismo praticado nos EUA, até nisso Veja é uma cópia mal feita.

Sobre Michael Hastings e o jornalismo nos EUA Por: Barrett Brown*, Vanity Fair Tradução: Caia Fittipaldi 23/6/2010

Michael Hastings é jornalista. Ante a matéria jornalística que talvez venha a ser considerada a mais importante do ano, em termos das revelações que faz e dos efeitos que essas revelações venham a ter, o editor da revista National Review[1], Rich Lowry, abre seu comentário com o seguinte “ponto”, palavra dele:

“1) Rolling Stone? Rolling Stone???”

Sim, Rich; a matéria publicada mais carregada de impactos do ano, a matéria na qual o general Stanley McChrystal, comandante das forças dos EUA no Afeganistão e seus auxiliares diretos disseram horrores sobre o presidente Barack Obama e membros de seu governo, foi publicada em Rolling Stone, não na sua National Review.

E foi escrita por espécime perfeito da nova safra de jornalistas-comentaristas independentes que, esperemos, começa a substituir a safra velha, e que começa a ultrapassar a velha guarda sob qualquer dos critérios que importam – por exemplo, não errar (ou mentir) sempre em campos cruciais da vida pessoal e social dos EUA.

Devo observar – não só em nome da exigência de transparência total, mas também porque é relevante nesse contexto – que sou amigo e admirador de Michael Hastings, jornalista autor da matéria em questão, publicada em Rolling Stone. Michel teve a gentileza de elogiar meu próximo livro, sobre os fracassos do jornalismo norte-americano, só de opinionismo e diz-que-disse (e, a propósito, planeja escrever romance sobre o mesmo tópico); Michel partilha minhas opiniões sobre o estado do jornalismo e da opinião nos EUA. E alistou-se no Projeto PM[2] – minha talvez quixotesca tentativa de fazer uma pequena parte do trabalho de melhorar essa mídia, cujas publicações enviesadas, sobre assuntos de guerra e paz, já conseguiu matar a república norte-americana e reduzir a centenas de milhares de mortos e feridos a capacidade de os cidadãos norte-americanos operarem racionalmente, seja em casa seja no exterior.

Defendi Hastings antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, o que implica que minha opinião sobre ele não se baseia em nossa associação. É o contrário: minha associação com ele baseia-se em minha opinião sobre ele e o que faz. E minha opinião sobre ele é resultado de valorosa e infelizmente hoje pouco comentada grande competência de Hasting e do que o vi fazer e dizer ao longo de uma carreira ainda relativamente curta.

Todos quantos se sintam autorizados a questionar os motivos pelos quais Hastings escreveu aquele artigo, precisam conhecê-lo um pouco mais, antes de se pronunciarem sobre o caráter do homem. Infelizmente, sei que continuarão a fazê-lo, porque quanto mais souberem sobre o homem, mais motivos terão para caluniá-lo, porque disso vivem muitos jornalistas cuja profissão é distribuir calúnias sobre pessoas que mal conhecem.

Hastings foi correspondente da revista Newsweek em Bagdá. Em 2008, aquela empresa medíocre, que publica revista ainda mais medíocre, contratou-o para cobrir a recente e muito ridícula campanha eleitoral que vimos nos EUA. Nesse trabalho, Hasting teve ocasião de conhecer por dentro o modo terrivelmente destrutivo pelo qual a imprensa dos EUA cobre eleições, único momento no qual os cidadãos manifestam-se diretamente, na mais crucial das escolhas.

Esse sentimento não é raro entre bons jornalistas, os quais contudo raramente tomam qualquer atitude, sempre mais preocupados com o futuro de suas carreiras. Hastings fez diferente. Demitiu-se da Newsweek e escreveu relatório demolidor sobre o que vira e conhecera, por dentro, durante aqueles meses de calvário[3]. Em momento no qual muitos jornalistas praticamente só pensam em garantir a própria segurança, Hastings agiu de modo a nunca mais ser considerado confiável para todo o establishment da mídia nos EUA.

Hoje, Hastings está em Candahar ativo em sua luta contra o status quo do jornalismo nos EUA e não pode defender-se contra os que são responsáveis pelos problemas que ele trabalhou para denunciar e trazer à luz. Colho portanto a oportunidade de defendê-lo.

Com o que, voltamos a Rich Lowry, o qual, quando o deixamos, declamava versos que diziam que Rolling Stone não seria tão respeitável quanto National Review e que, depois daquele dia, escreveu mais, e pior:

O artigo de Michel Hastings para Rolling Stone tem boas cores sobre a interação entre McChrystal e os soldados, mas são só combustível de foguete para dar mais poder explosivo às citações controversas. No mais, é pedestre e muito antiguerra. Há momentos hilários, de excesso de palavras e pretensão, ao falar sobre McChrystal: “Tem olhos claros-frios, que parecem cavar um buraco quando grudam em você. Se você o desapontou ou fez algo que o tenha deixado furioso, são olhos capazes de destruir sua alma, sem que ele abra a boca.” Destruir sua alma?

É preciso um tipo especial de falta de vergonha, para acusar alguém de “excesso de palavras e pretensão”, imediatamente depois de ter escrito sobre adicionar “combustível de foguete” às falas do general. Mas Rich é jornalista absolutamente sem vergonha, muito conhecido pela passagem seguinte, que se pode classificar como o mais inacreditável parágrafo de comentário jornalístico, sobre o mesmo ciclo eleitoral que tanto enojou Hastings:

Palin como que salta da tela, o que é uma loucura. Tenho certeza de que não sou o único macho nos EUA que, à primeira piscadela de Palin, mexeu-se na cadeira e disse, “Hey, acho que ela piscou pra mim.” E o sorriso! No fim, quando ela já sabia que se tinha saído muito bem, o fascínio dela quase me hipnotizava. Enviava estrelinhas pela tela, que ricocheteavam pelas paredes de todos os lares da América. Esse é talento que não se aprende nem se ensina; é coisa que se tem ou não se tem. E, oh man, Palin tem.”

Vale lembrar que esse surto de anti-macho-alfa apareceu na conclusão de vários anos de críticas de Lowry contra Obama e seus apoiadores (que os fãs de Obama estariam “obnubilados”) e depois de Lowry haver demolido, por ser “anti-guerra”, um importante manifesto de Obama.

Espero ansioso pelo dia em que a National Review, que continua a ser revista católica fundamentalista, descubra que o Papa também é “anti-guerra” nesse e noutros contextos e conclua, então, que todos naquela empresa vivem em pecado, por caluniar gente que, em matéria de paz, pensa como aquele reverenciado representante de Deus na Terra. Espero também que um dia seja eu, coroado Papa. Sou otimista demais, para alguém criado no anoitecer da competência e do talento norte-americanos. Mas já estou escrevendo demais, motivo pelo qual espero que Lowry me perdoe, ele, que é sensível a estrelinhas que Palin enviaria e ricocheteariam e coisa-e-tal.

Mas já, imediatamente, suspendo o pedido de perdão, ante o que Lowry escreveu, depois de ler a matéria publicada pela revista “pedestre” que furou a revista dele:

Acabo de ler a matéria a qual – como se podia esperar – é muito derrotista.

É claro que qualquer matéria que exponha fatos sobre o que está acontecendo numa guerra que a National Review e muitos outros jornalões liberais declararam que acabara em vitória há sete anos soe “derrotista” aos ouvidos deles mesmos, gente que, sem parar, erra e erra e erra, sem pausa, exatamente sobre aquela mesma guerra. A matéria soa “derrotista”, porque mostra uma situação que se converteu em derrota lenta e quase inevitável, pelos mesmos padrões das mesmas pessoas que exigiram guerra. (...)

Sou assinante de National Review e, volta e meia, sou desviado da leitura pelos anúncios, muitos dos quais escritos para parecerem matéria jornalística e que, invariavelmente, cantam loas a grandes financeiras globais, dedicadas a convencer os leitores a comprar coisas em prestações de modo que, se comprarem em muitas prestações, receberão um seguro grátis. Os anunciantes conhecem o próprio público, naturalmente. Mas permitam-me refutar duas outras ‘críticas’ de Lowry à matéria de Hastings:

Hastings fala da “fracassada ofensiva em Marja,” o que faz crer que os Talibã nos expulsaram, quando a verdade é que nós tomamos a cidade (embora ainda haja alguns ataques dos Talibãs).

Hastings pode ter escolhido o termo “fracassada” porque o ataque levou a uma ocupação problemática, que o próprio McChrystal descreve como “uma úlcera”, porque não deu o resultado que se esperava que desse. (Lowry, se quiser, que lance seus próprios foguetes na direção de Candahar, e confirme pessoalmente, com Hastings.)

Adiante, imediatamente depois de citar Max Boot, analista militar cujas predições são tão certeiras quanto um lance de dados, Lowry escreve:

Boot também observou que todos os especialistas citados por Hastings são anti-guerra.

Exceto, claro, o próprio general McChrysal e seus assessores que Hastings entrevistou durante um mês antes de citá-los devidamente várias vezes no artigo.

Tudo isso comprova o erro que foi dar pleno acesso a esse sujeito.

Aqui, afinal, Lowry acerta em cheio. McChrystal & Co. mostrariam muito mais esperteza se tivessem analisado a carreira e o trabalho de Hastings. Teriam chegado à conclusão óbvia que jornalista como ele nada tem a perder ao reportar fatos comprováveis.

Diferente disso da maioria dos colunistas que trabalham nos EUA, Hastings não desperdiçou a melhor parte de uma década repetindo lugares comuns sobre o sucesso sem precedentes dos EUA, em duas guerras que já se sabem que não passam de fracassos abjetos. Portanto, não precisa repetir o que diga um ou outro governo confuso, sobre como as coisas vão bem e estão sob controle, ou sobre como tudo ficará bem e sob controle, bastanto só um pouco mais de desperdício de sangue e dinheiro.

McChrystal deveria, isso sim, ter dito tudo o que disse, mas a Thomas Friedman [colunista do New York Time], tão perfeito idiota que, em 2001, declarou que Vladimir Putin seria uma força do bem e que o contato entre EUA e Putin deveria ser “rootin’” (termo que cunhou, para rimar com Putin).

Ou, então, McChrystal deveria ter conversado com Charles Krauthammer [colunista do Washington Post], há muito tempo o mais respeitado colunista conservador, apesar da evidência de que erra sempre em tudo que escreve sobre ações militares dos EUA há 12 anos, além de outros erros; Krauthammer teria voltado da entrevista com McChrystal com vários cadernos de boas novas e, assim, a presepada seria completa. Nem o colunista do NYT nem o colunista do WP são derrotistas: os dois declararam vitória no Afeganistão, há anos! Os dois ganharam Prêmio Pulitzer de colunismo jornalístico. Friedman, até, faz parte do comitê do Pulitzer.

Por isso mesmo, Hastings e outros como ele jamais ganharam ou ganharão prêmios Pulitzer, por mais que o jornalismo deles mude o curso da história.

Agora, cá entre nós, podendo, não deixem de dar uma espiada nos anúncios da National Review. Barrett Brown, do movimento de reforma da mídia “Projeto MP”,  recebe e-mails em barriticus@gmail.com


[1] A National Review é uma espécie de revista (não)Veja, porta-voz do que de mais reacionário há nos EUA. Pode ser vista aqui.

[2] “Os principais objetivos do Projeto PM [Public Midia] são: (a) reduzir a influência negativa de jornalistas incompetentes, mas considerados competentíssimos como Thomas Friedman e Charles Krauthammer; e (b) aumentar a influência positiva de segmentos mais competentes da blogosfera. Para alcançar esses dois objetivos, trabalharemos para deliberadamente gerar massa crítica entre os blogueiros, de tal maneira que segmentos da mídia tradicional venham a ser levados ou forçados a tomar conhecimento de questões relevantes, por ação de um coletivo de blogueiros, os mais eruditos, mais bem informados, mais confiáveis que haja. Um terceiro objetivo não exige massa crítica nem controle temporário sobre a infraestrutura da mídia tradicional e implica desenvolver um esquema comunicacional superior ao que existe hoje, em termos de oferecer aos blogueiros informação de primeira mão de melhor qualidade, a partir da qual gerar conteúdo, além, também de melhores métodos pelos quais os leitores tenham acesso ao melhor desse novo conteúdo, sem que todos os jornais e jornalistas continuem, como fazem hoje, apenas repetindo informação de má qualidade. É o mesmo que dizer que trabalharemos sem recorrer a declarações de autoridades, releases corporativos e outras fontes desse que se usam hoje (adiante, elaboro sobre meio pelos quais esses objetivos podem ser buscados). Para implantar esse Projeto PM, criaremos uma rede de software de código aberto, que está sendo desenvolvido por um camarada nosso, brilhante especialista em implementar novas tecnologias de informação do pré-manifesto do Projeto PM, de Barett Brown. [3]Hack: Confessions of a Presidential Campaign Reporter”, GQ, Michael Hastings, out.-2008.