O texto a seguir é bastante didático, ele mostra como as mesmas práticas recebem nome e tratamentos diferentes de acordo com quem está no poder. Os judeus que fundaram o Estado de Israel usaram práticas violentas como explosões de pontes hotéis que vitimaram muitos civis. Hoje cultuam essas ações como 'resistência'. Que diferenças existem nestas práticas da década de 1940 para a reação dos grupos extremistas palestinos?
Hoje, cada um faz o que quer com a palavra “terrorismo”
Glenn Greenwald, Salon
28/6/2010
Já escrevi incontáveis vezes sobre o quanto “terrorismo” é a palavra mais manipulada e mais sem sentido do léxico político contemporâneo.
A melhor demonstração dessa dinâmica é o trabalho de Remi Brulin, do New York Times, que documentou o modo como os governos e a mídia ocidentais têm usado as palavras “terrorismo” e “terrorista”, sem qualquer consistência e ao sabor dos interesses do dia. Um dos principais riscos da decisão da Corte Suprema sobre liberdade de expressão, no Humanitarian Law Project – segundo a qual o governo passará a poder limitar os direitos dos cidadão à proteção da Primeira Emenda, no caso do discurso político que designe os grupos terroristas – é que “terrorismo” significa qualquer coisa que o governo dos EUA diga que significa. Criaram a lista sem fim dos grupos terroristas e o fizeram sem qualquer critério, sem qualquer mínimo cuidado. Isso, porque a palavra é tão mal definida e tem sido tão manipulada, que, hoje, já praticamente nada significa – ou significa qualquer coisa.
Ontem, encontrei exemplo perfeito e altamente ilustrativo dessa manipulação, ao ler a entrevista que a ex-ministra israelense Tzipi Livni concedeu ao New York Times. Depois de muito falar contra os terroristas que atuam em Gaza, Livni disse o que segue:
NYT: Seus pais são fundadores do Estado de Israel.
Livni: Foram o primeiro casal a casar-se em Israel. Os dois lutaram no [grupo] Irgun. Foram combatentes da liberdade. Conheceram-se a bordo de um trem britânico. Durante o Mandato britânico aqui, assaltaram um trem para conseguir dinheiro para comprar armas. (grifos nossos)
Se há grupo terrorista, ou algum dia houve, foi o Irgun. Em julho de 1946, o grupo explodiu (ação comandada pelo então futuro primeiro-ministro de Israel Menachem Begin) o hotel King David, quartel-general do governo britânico, matando 91 pessoas (o Irgun alegou que teria prevenido antecipadamente os britânicos, alegação que muitos oficiais britânicos já desmentiram). Israel e seus defensores adoram lembrar que a Autoridade Palestina deu a uma praça o nome de um terrorista. Mas insistem em não reconhecer que o primeiro-ministro israelense, em 2006, discursou em cerimônia para lembrar o ataque ao Hotel King David, ocasião em que descerrou uma placa comemorativa do ‘evento’ (a explosão). O Irgun perpetrou inúmeros ataques armados a estruturas civis, estações de trem, prédios do governo e pontes. (grifos nossos).
Dia 30/12/1947, o primeiro parágrafo do The New York Times dizia:
BOMBA DO IRGUM MATA 11 ÁRABES, 2 BRITÂNICOS. Bomba lançada por militantes da organização de judeus terroristas “Irgun Zvai Leumi”, de um táxi em grande velocidade, matou 11 civis árabes e dois policiais britânicos e feriu pelo menos 32 árabes junto à Ponte Damasco em Jerusalém, mesmo local onde houve explosão semelhante há apenas 16 dias.
Relatando atentado organizado por Begin para assassinar o ministro alemão das Relações Exteriores, o London Times escreveu que o Irgun "usou táticas terroristas contra a ocupação britânica da Palestina”.
Àquela época, todos sabiam que os membros do Irgun eram terroristas. Mas há aquela época e há hoje. Bombas, assaltos e assassinatos, em ação contra o Estado, é “terrorismo”, se é ação de alguns grupos; e é “luta pela liberdade”, se é ação de outros grupos. Exatamente o que faz Israel, que justifica a mais extrema brutalidade e a mais feroz violência contra o mal-em-si que seriam “terroristas” e celebra os mesmos atos, como atos de “luta pela liberdade” se os terroristas são israelenses. (grifos nossos)
Tudo isso seria até tolerável, se não passasse de inconsistência de discurso. Mas se as guerras dos EUA são justificadas, as leis dos EUA são aplicadas e os direitos dos estadunidenses são cada vez mais restringidos, e tudo baseado na palavra “terrorismo”, é preciso considerar com muito mais atenção essa palavra, manipulada, sem sentido e usada para justificar todos os crimes.
Para ter certeza, basta ver a justificativa que Leon Panetta, diretor da CIA, apresentou ontem para o 'assassinato programado' de um cidadão estadunidense, Anwar Al-Awlaki, baseada exclusivamente na opinião do próprio Panetta de que o homem seria “terrorista” porque defendeu sua opinião, de que os muçulmanos têm direito de combaterem contra os estadunidenses. Defender essa opinião -- e qualquer opinião -- é direito que a Constituição dos EUA garante a todos os cidadãos estadunidenses, inclusive a Anwar Al-Awlaki.