Acabei de ver um programa energúmeno produzido, creio eu, por alguma tevê israelense. Pretendia fazer humor, mas é fraquinho, fraquinho. Em suma o programa diz: se não está conosco, está contra nós.
Israelenses vivem sob um medo astronômico que parece incapacitar a grande maioria de enxergar o óbvio: permitir que o poder fique na mão de lunáticos, acaba se voltando contra aqueles que permitem isto. E o mundo está enfurecido com o Estado de Israel. E Israel continua agindo como se não tivesse feito nada para produzir esta fúria, como se fosse o país de eternas vítimas.
Mas o que me chamou a atenção em relação ao pífio programa de gracinha sionista, foi a subserviência do brasileiro que postou o vídeo no youtube. Subserviência em cada linha que escreveu. Algo impressionante mesmo.
Este usuário do youtube não tem mais jeito, sabe nada sobe soberania nacional construída de modo democrático e pela via da diplomacia e não dos canhões. Este usuário é daqueles que Hegel diria que trata-se do "servo que tem internalizado em si o senhor", dificilmente este sujeito será livre.
Mas, enquanto ele se preocupa com o que os sionistas israelenses (que atacam em águas internacionais uma frota pacífica e humanitária, que atira para matar e que mantém em condições subumanas os palestinos de Gaza) pensam sobre o Brasil e o presidente Lula, o presidente do Brasil prossegue mostrando ao mundo que não somos servos e que não sentimos saudade alguma dos tempos da servidão dos impérios ocidentais.
Agora, fiquem com o texto de Leonardo Boff que explica muito bem a mentalidade destes seres subservientes.
A saudade do servo na velha diplomacia brasileira
Por: Leonardo BoffO filósofo F. Hegel em sua Fenomenologia do Espírito analisou detalhadamente a dialética do senhor e do servo. O senhor se torna tanto mais senhor quanto mais o servo internaliza em si o senhor, o que aprofunda ainda mais seu estado de servo. A mesma dialética identificou Paulo Freire na relação oprimido-opressor em sua clássica obra Pedagogia do oprimido. Com humor comentou Frei Betto: "em cada cabeça de oprimido há uma placa virtual que diz: hospedaria de opressor". Quer dizer, o opressor hospeda em si oprimido e é exatamente isso que o faz oprimido. A libertação se realiza quando o oprimido extrojeta o opressor e ai começa então uma nova história na qual não haverá mais oprimido e opressor mas o cidadão livre.
Escrevo isso a propósito de nossa imprensa comercial, os grandes jornais do Rio, de São Paulo e de Porto Alegre, com referência à política externa do governo Lula no seu afã de mediar junto com o governo turco um acordo pacífico com o Irã a respeito do enriquecimento de urânio para fins não militares. Ler as opiniões emitidas por estes jornais, seja em editoriais seja por seus articulistas, alguns deles, embaixadores da velha guarda, reféns do tempo da guerra-fria, na lógica de amigo-inimigo é simplesmente estarrecedor. O Globo fala em "suicídio diplomático"(24/05) para referir apenas um título até suave. Bem que poderiam colocar como sub-cabeçalho de seus jornais:"Sucursal do Império" pois sua voz é mais eco da voz do senhor imperial do que a voz do jornalismo que objetivamente informa e honestamente opina. Outros, como o Jornal do Brasil, tem seguido uma linha de objetividade, fornecendo os dados principais para os leitores fazerem sua apreciação.
As opiniões revelam pessoas que têm saudades deste senhor imperial internalizado, de quem se comportam como súcubos. Não admitem que o Brasil de Lula ganhe relevância mundial e se transforme num ator político importante como o repetiu, há pouco, no Brasil, o Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-moon. Querem vê-lo no lugar que lhe cabe: na periferia colonial, alinhado ao patrão imperial, qual cão amestrado e vira-lata. Posso imaginar o quanto os donos desses jornais sofrem ao ter que aceitar que o Brasil nunca poderá ser o que gostariam que fosse: um Estado-agregado como é Hawai e Porto-Rico. Como não há jeito, a maneira então de atender à voz do senhor internalizado, é difamar, ridicularizar e desqualificar, de forma até antipatriótica, a iniciativa e a pessoa do Presidente. Este notoriamente é reconhecido, mundo afora, como excepcional interlocutor, com grande habilidade nas negociações e dotado de singular força de convencimento.
O povo brasileiro abomina a subserviência aos poderosos e aprecia, às vezes ingenuamente, os estrangeiros e os outros povos. Sente-se orgulhoso de seu Presidente. Ele é um deles, um sobrevivente da grande tribulação, que as elites, tidas por Darcy Ribeiro como das mais reacionárias do mundo, nunca o aceitaram porque pensam que seu lugar não é na Presidência mas na fábrica produzindo para elas. Mas a história quis que fosse Presidente e que comparecesse como um personagem de grande carisma, unindo em sua pessoa ternura para com os humildes e vigor com o qual sustenta suas posições .
O que estamos assistindo é a contraposição de dois paradigmas de fazer diplomacia: uma velha, imperial, intimidatória, do uso da truculência ideológica, econômica e eventualmente militar, diplomacia inimiga da paz e da vida, que nunca trouxe resultados duradouros. E outra, do século XXI, que se dá conta de que vivemos numa fase nova da história, a história coletiva dos povos que se obrigam a conviver harmoniosamente num pequeno planeta, escasso de recursos e semi-devastado. Para esta nova situação impõe-se a diplomacia do diálogo incansável, da negociação do ganha-ganha, dos acertos para além das diferenças. Lula entendeu esta fase planetária. Fez-se protagonista do novo, daquela estratégia que pode efetivamente evitar a maior praga que jamais existiu: a guerra que só destrói e mata. Agora, ou seguiremos esta nova diplomacia, ou nos entredevoraremos. Ou Hillary ou Lula.
A nossa imprensa comercial é obtusa face a essa nova emergência da história. Por isso abomina a diplomacia de Lula. *Leonardo Boff é Teólogo e autor de Nossa ressurreição na morte, Vozes 2007 .