Robert Naiman: Reiniciar. Por um novo relacionamento dos EUA com Turquia e Irã

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Será que todos dos Estados Unidos pensam o que a mídia neocon e os setores mais conservadores aqui e lá pensam em relação ao Irã e aos esforços do presidente Lula e do primeiro-ministro da Turquia em negociar a paz?

Você também não se pergunta de vez em quando que todos, sem exceção, que adoram demonizar o presidente do Irã se silenciam ou simplesmente acham que Israel age corretamente em atacar frota humanitária em águas internacionais e matar de inanição o povo de Gaza?

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Reiniciar: Por um novo relacionamento dos EUA com Turquia e Irã* Por: Robert Naiman, CommonDreams Robert Naiman é diretor de Política, de Just Foreign Policy Tradução: caia Fittipaldi

“[Em 1951], para evitar que o Irã explorasse com sucesso o próprio petróleo que acabava de ser nacionalizado, os britânicos ordenaram que todos os técnicos [da British Petroleum] retornassem à Grã-Bretanha e moveram campanha de boicote ao Irã, para impedir que o país contratasse técnicos de outros países. Ao mesmo tempo, persuadiram outras empresas de petróleo, inclusive norte-americanas, a não comprar petróleo iraniano; impuseram boicote naval ao Irã, para impedir que navios-petroleiros atracassem para receber petróleo; congelaram todas as contas do Irã em Londres; e suspenderam todas as exportações de artigos de primeira necessidade para o Irã. A história soa familiar, em 2010?”

Até há pouco tempo, parecia que a Turquia teria papel bem claramente definido no Oriente Médio, do ponto de vista da política dos EUA. Os turcos eram os “muçulmanos bons”, integrados à OTAN, sempre houve soldados turcos ao lado de soldados norte-americanos nas guerras dos EUA; e a Turquia mantinha boas relações com Israel.

Nas últimas semanas, contudo, alguns norte-americanos podem ter-se assustado, ao ver o governo da Turquia em papel visivelmente diferente desse. Primeiro, em ação conjunta com o Brasil, a Turquia articulou um acordo de troca de urânio baixo enriquecido por combustível nuclear, pelo qual se superaria o impasse em torno do programa nuclear iraniano e que poderia fazer gorar os planos de EUA e Israel para impor novas sanções ao Irã, mediante a ONU. Por mais que o acordo fosse muito semelhante ao que propusera o presidente Obama – e Brasil e Turquia têm cartas de Obama, estimulando-os a trabalhar para construir o acordo –, parte do governo Obama bombardeou o acordo. Em vez de manifestar gratidão a Turquia e Brasil, o governo Obama montou um show de “sentir-se incomodad o”.

Por sua vez, em vez de Brasil e Turquia sentirem-se repreendidos e desmentir-se, os dois países insistiram em que o acordo é bom – como argumento, invocaram as cartas recebidas de Obama – e insistiram em que os EUA melhor fariam se honrassem o acordo.

Simultaneamente – e com resultados muito mais espetaculares, como os fatos logo demonstraram –, a Turquia apoiava indiretamente a organização de um comboio de navios para levar ajuda humanitária a Gaza, como protesto e em aberto desafio ao sítio de Gaza, imposto por Israel e Egito e apoiado pelos EUA, contra população civil palestina. Quando os soldados israelenses atacaram o comboio, matando nove cidadãos turcos, a Turquia ameaçou romper relações diplomáticas com Israel, exigindo que Israel se desculpasse, que aceitasse que uma comissão independente internacional investigasse o ataque; e que levantasse o bloqueio de Gaza. No mesmo movimento, a Turquia criticou duramente a evidência de que o governo Obama não condenaria o ataque israelense, nem apoiaria a investigação independente. No bojo desse claro movi mento de confrontação, o Egito anunciou que abriria, por tempo indeterminado, a fronteira com Gaza; e chegou mesmo a declarar que, na prática, “o bloqueio já não existia”.

A nova política externa da Turquia, política de independência, implica alguma ameaça aos EUA? Ou, bem diferente disso, a nova política turca cria uma nova oportunidade para um novo alinhamento que reformate e esvazie os atuais conflitos no Oriente Médio ampliado?

A maioria dos norte-americanos é absolutamente ignorante sobre a Turquia. Por isso, muitos acreditaram quando Liz Cheney declarou que “parece que” a Turquia “está apoiando o Hamás” nos planos “para destruir o Estado de Israel”.

É muito boa hora, portanto, para ouvir o que tem a dizer o ex-correspondente do New York Times e autor consagrado, Stephen Kinzer, cujo novo livro Reset: Iran, Turkey, and America's Future [“Reiniciar: o futuro de Irã, Turquia e EUA”], foi lançado anteontem.

Kinzer argumenta que o mundo já mudou suficientemente, desde a Guerra Fria, a ponto de, hoje, já ser interessante para os EUA reavaliar completamente os relacionamentos dos EUA no Oriente Médio. Que é hora de desistir de um excessivo apego às políticas correntes dos governos israelense e sauditas. E que é hora de pensar em construir maior cooperação com Turquia e Irã. Isso, claro, considerados os interesses dos EUA.

Para muitos norte-americanos, a ideia de Kinzer, de refazer as bases do relacionamento com Turquia e Irã, talvez soe contraintuitiva, sobretudo no que tenha a ver com o Irã. Mas o fundamento do argumento de Kinzer é uma visão estratégica de futuro que não é simples extrapolação do presente. Por isso consegue pensar num realinhamento fundamentalmente diferente, como o que Nixon anteviu como possibilidade para novo relacionamento com a China, “baseado em interesses mútuos e respeito”, como lembrou o presidente Obama em discurso ao Parlamento turco em abril de 2009.

Kinzer começa seu raciocínio com uma história de Howard Baskerville, o Rachel Corrie, se quiserem, das relações EUA-Irã. HB foi um jovem norte-americano, cuja vida e morte sugerem a possibilidade de relacionamento diferente entre EUA e Irã, baseado em compreensão nas aspirações nacionais dos iranianos. Baskerville foi professor presbiteriano de Nebraska, que trabalhava na cidade de Tabriz quando as forças do rei, apoiadas por Rússia e Grã-Bretanha – que em 1907 haviam dividido o país em duas esferas de influência – sitiaram Tabriz durante a Revolução Constitucional. Baskerville – como os nove turcos – tentava romper aquele sítio, quando foi morto, em abril de 1909. Hoje, conta Kinzer, Baskerville é dos heróis estrangeiros mais honrados e amados no Irã: há escolas e ruas com seu nome; no Palácio da Constituição, em Tabriz, há um busto dele.

Outro norte-americano no Irã, naquele período, cuja contribuição sugere a possibilidade de relacionamento diferente entre EUA e Irã foi Morgan Shuster, indicado Tesoureiro Geral da Pérsia, pelo Parlamento iraniano, em maio de 1911. Essa indicação visava a resistir contra o controle de britânicos e russos. Shuster dizia que seria fundamental pra o funcionamento efetivo do Estado iraniano que o próprio Estado recolhesse os próprios impostos – inclusive impostos devidos pelos ricos proprietários de terras que viviam sob proteção de britânicos e russos. Britânicos e russos não aceitaram e, em dezembro de 1911, a Rússia exigiu que o Parlamento demitisse Shuster em 24 horas; alegou que  nenhuma nomeação seria válida, sem a permissão de russos e britânicos. Quando o P arlamento recusou-se a obedecer, as tropas russas ocuparam Teerã. Afinal, sob pressão militar de russos e britânicos, Shuster foi demitido.

Em fevereiro de 1921, ante a ampliação da resistência iraniana contra o controle britânico, o comandante geral das forças britânicas no Irã, general Edmond Ironside, disse ao Xá Reza que, se encenasse um golpe, os britânicos não se oporiam. Quatro dias depois, o Xá Reza apresentou seu golpe, bem-sucedido. Embora o Xá Reza tenha chegado ao poder com o apoio dos britânicos, mesmo assim tomou várias medidas para limitar a influência britânica; quando tentou manter a neutralidade do Irã, na II Guerra Mundial, os britânicos o obrigaram a renunciar em favor do filho, Xá Mohammad Reza, em setembro de 1941.

Depois da guerra, muitos iranianos esperavam mais democracia e mais independência em relação aos britânicos. Em 1950, Mohammad Mossadegh encarnava, pessoalmente, essas duas bandeiras. Quando os norte-americanos da empresa Aramco de petróleo, fizeram uma partilha, meio a meio, com a Arábia Saudita, dos ganhos com o petróleo, os iranianos exigiram acordo semelhante, da Anglo-Iranian Oil Company, controlada pelos britânicos, hoje conhecida como British Petroleum. Os britânicos negaram-se a aumentar os 16% que pagavam aos iranianos. Em resposta à negativa dos britânicos, que se recusaram a negociar, na primavera de 1951 o parlamento iraniano votou a lei de nacionalização do petróleo e designou Mossadegh primeiro-ministro.

Para evitar que o Irã explorasse com sucesso o próprio petróleo, os britânicos ordenaram que todos os técnicos retornassem à Europa e moveu campanha de boicote ao Irã, para impedir que o país contratasse técnicos de outros países. Ao mesmo tempo, persuadiu outras empresas de petróleo, inclusive norte-americanas, a não comprar petróleo iraniano; impôs boicote naval ao Irã, para impedir que navios-petroleiros atracassem para receber petróleo; congelou todas as contas do Irã em Londres; e suspendeu todas as exportações de artigos de primeira necessidade para o Irã. A história soa familiar?

Todas essas medidas, é claro, implicaram tremendas dificuldades econômicas para o Irã. Cresceram o desemprego e a miséria. Mas o governo iraniano de Mossadegh recusou-se a capitular ante a pressão dos britânicos. Os britânicos tentaram o jogo de “promover a democracia” –, subornando membros do Parlamento iraniano para que apoiassem uma moção de desconfiança contra Mossadegh. O complô foi descoberto, e Mossadegh expulsou todos os ‘diplomatas’ britânicos – inclusive, é claro, os espiões que lá trabalhavam e cuja única missão era derrubar seu governo – e fechou a embaixada britânica. Os britânicos recorreram ao governo Truman dos EUA, mas Truman não tinha qualquer interesse em derrubar governos no Irã e acreditava que o impasse era resultado de excessiva cobiça britânica. O problema foi que, imediatamente depois, o governo Eisenhower comprou, sem dificuldades, a ideia de derrubar Mossadegh.

Como Kermit Roosevelt, agente da CIA, orquestrou o golpe que derrubou Mossadegh? Hoje, seria mais uma ação de “promover a democracia” e muito provavelmente seria ação patrocinada pelo “National Endowment for Democracy”[1]. Roosevelt subornou “jornalistas, colunistas, mullahs e membros do Parlamento”, para uma campanha de ‘desqualificação’ de Mossadegh. Os jornais o chamavam de “ateu, judeu, homossexual e até, de espião britânico”, escreve Kinzer.

Roosevelt contratou gangues de rua para promoverem agitação em Teerã “atirando a esmo, quebrando vidros e gritando slogans como “Amamos Mossadegh e o Comunismo!”. Depois, Roosevelt contratou outra gangue de rua, para atacar a primeira, “para mostrar Mossadegh como governante incapaz de controlar até a vida na própria capital.” Uma multidão de vários milhares, sem saber que agia por inspiração da CIA, marchou sobre a casa de Mossadegh. Unidades militares iniciaram o bombardeio da casa. Morreram centenas de pessoas. Mossadegh foi preso e permaneceu encarcerado por três anos. Depois, foi posto sob prisão perpétua, em casa.

Se a ideia de Truman tivesse vencido, em vez da de Eisenhower, e se os EUA não tivessem derrubado o governo de Mossadegh, é possível que, hoje, Mossadegh fosse conhecido como um George Washington do Irã. O “assassinato do pai de Hamlet” na história de Kinzer está em que, em vez de apoiar um George Washington do Irã, os EUA o derrubaram... porque ele nacionalizara o petróleo iraniano.

A questão central do argumento e do livro de Kinzer não é vingar a morte do pai de Hamlet, mas tentar corrigir o erro. A meta é que, no último ato, não reste aos EUA e ao mundo, só, um palco semeado de cadáveres. Em vez disso, talvez os EUA possam ter um acordo negociado e um novo relacionamento com o Irã.

Para ilustrar o impacto que o golpe contra o governo de Mossadegh teve e ainda tem, nas relações Irã-EUA, Kinzer relata história que ouviu de Bruce Laingen, veterano diplomata norte-americano, que foi refém em 1979, quando estudantes iranianos ocuparam a embaixada dos EUA em Teerã. A ocupação foi motivada, em parte, por os iranianos temerem que naquela embaixada se estivesse articulando, outra vez, outro golpe contra o governo. Um dia, depois de Laingen estar preso como refém há mais de um ano, um dos invasores o visitou em sua cela. Laingen explodiu; pôs-se a gritar que sua prisão, como refém, era imoral, ilegal e “absolutamente errada”. E o sequestrador respondeu-lhe: “O senhor não tem direito de reclamar de nada. Os EUA capturaram nosso país e nos fizeram seus reféns, em 1953.”

Ainda em fevereiro de 1980, em resposta a um repórter que lhe perguntava sobre o golpe que derrubou Mossadegh – e quase um ano antes daquela conversa entre Laingen e seu sequestrador – o então presidente Carter disse: “Sempre essa velha história. São histórias muito antigas. Não acho nem adequado nem útil discutir fatos ocorridos há 30 anos.”

Se for verdade, como tantos gostam de repetir, que “os que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo”, corolário óbvio é que os que tenham interesse em repetir o passado tenham interesse também em jamais trazê-la à mesa de discussão. E se se consideram as políticas defendidas, dentre outros, pelo corpo editorial do Washington Post, hoje, em relação ao Irã, é visível que são muito semelhantes às adotadas pelos britânicos e pelos EUA, para o Irã, em 1953: sanções, “promoção da democracia”, derrubar o governo.

No discurso do Cairo, há um ano, o presidente Obama reconheceu o envolvimento dos EUA no golpe de 1953: foi o primeiro presidente a fazê-lo. “Em plena Guerra Fria, os EUA participaram da derrubada de um governo iraniano democraticamente eleito”[2], disse Obama.

Evidentemente, a intervenção dos EUA não terminou no golpe de 1953; durante os 23 anos seguintes, os EUA apoiaram fortemente o regime ditatorial do Xá. Escreve Kinzer: “Com os EUA firmemente a apoiá-lo, o Xá converteu-se em ditador absoluto.” Vários membros do Congresso levantaram questões sobre direitos humanos; e ouviam explicações de que o Xá implantara “mudanças significativas” e que haveria lá “gratificantes tendências” de respeito à diversidade de opinião. Mas, como Kinzer registra, a Anistia Internacional dizia, em 1975 que “nenhum país do mundo tem pior relatório, em matéria de direitos humanos, que o Irã [do Xá].”

Pois o presidente Carter, que dissera que “direitos humanos são a alma de nossa política externa”, disse ao Xá, no final de 1977: “O Irã, sob a grande liderança do Xá, é uma ilha de estabilidade, numa das áreas mais conturbadas do mundo. Isso se deve a Sua Alteza e a sua liderança – e é tributo do respeito, da admiração e do amor que seu povo lhe devota.” Um ano mais tarde, as ruas tremiam aos gritos de “Morte ao Xá dos EUA”. E em janeiro de 1979, o Xá fugiu.

Mas mesmo depois da queda do Xá, a intervenção dos EUA prosseguiu, na avaliação de muitos iranianos. Muitos iranianos acreditam que os EUA tiveram participação ativa na decisão de Saddam Hussein, de invadir o Irã, em 1980. Há certeza absoluta de que os EUA apoiaram vigorosamente o Iraque naquela guerra, num tempo em que “a inteligência dos EUA sabia que os comandantes iraquianos empregavam armas químicas” contra o Irã, segundo matéria de agosto de 2002, do New York Times, onde se lê: “o fato de o Iraque ter usado gás na guerra contra o Irã é repetidamente citado pelo presidente Bush (...) para justificar a necessidade de “mudança de regime” no Iraque”.

Pois, apesar de tudo isso, observa Kinzer, depois dos ataques de 11/9 o Irã colaborou muito ativamente com os EUA na luta contra a al-Qaeda e os Talibã no Afeganistão, inimigos comuns. O Departamento de Estado produziu relatório em que se lê que “há real oportunidade para que os EUA reconstruam suas relações com o Irã”, opinião confirmada pela CIA. Mas de repente, em janeiro de 2002, para estupefação dos iranianos, o presidente Bush incluiu o Irã no seu “eixo do mal”.

Mesmo assim, um ano depois, o Irã propôs conversações amplas com os EUA. O Irã queria que os EUA levantassem as sanções econômicas, que garantissem ao Irã acesso a tecnologia nuclear pacífica, e que combatessem os grupos terroristas anti-iranianos. Em troca, o Irã oferecia transparência total em seu programa nuclear e fim de qualquer tipo de “apoio material” ao Hizbullah, Hamás e Jihad Islâmica, maior cooperação com os EUA contra al-Qaeda e reconheceria Israel se voltasse às fronteiras de 1967. Mas o governo Bush ignorou a proposta.

É importante observar que o presidente do Irã mudou, depois de 2003, tempo dessa proposta; mas o Supremo Líder – árbitro final de todas as questões de política externa e segurança – ainda é o mesmo. Isso sugere que negociação semelhante ainda pode ser possível. De fato, a recente e bem-sucedida negociação com Brasil e Turquia, para troca de combustível nuclear, e que seguiu linhas previamente aprovadas pelo governo Obama, também sugere que há reais possibilidades de construir-se acordo significativo entre EUA e Irã – desde que o governo Obama decida trabalhar nessa direção.

E a Turquia está em posição única para atuar como ponte, não só como ponte entre os EUA e o Irã, mas também entre Israel e os países árabes, e potencialmente entre os EUA e os Talibã. Nos últimos vários anos, a Turquia persegue uma política estrangeira de trabalhar para melhorar relações com vizinhos, e tentar ajudar os vizinhos a melhorar as relações mútuas. A Turquia mediou conversações entre Israel e Síria.

A Turquia ajudou a persuadir os sunitas iraquianos a participar no processo político do Iraque pós-Saddam. Apesar do conflito recente com Israel, a Turquia ainda é, de longe, o país muçulmano que mantém o melhor relacionamento com Israel, incluindo forte relacionamento entre os militares dos dois países. “Nenhuma outra nação é respeitada, como a Turquia, pelo Hamás, pelo Hizbullah e pelos Talibã, ao mesmo tempo em que mantém também bons laços com os governos de Israel, Líbano e Afeganistão”, escreve Kinzer.

A Turquia escapou da órbita dos EUA... Mas, mesmo assim, o novo papel da Turquia é excelente oportunidade também para os EUA. Como país muçulmano que conhece intimamente a Região, a Turquia pode ir a lugares, engajar parceiros e acertar acordos que são inacessíveis para os EUA. O que a Turquia fez para separar-se dos EUA – recusar passagem por seu território, de soldados norte-americanos a caminho de invadir o Iraque, por exemplo; ou denunciar as ações de Israel em Gaza – só fez aumentar sua reputação em outros países muçulmanos; o que aumenta a capacidade da Turquia para influenciá-los.

Alguns norte-americanos poderosos parecem supor que negociar, reconciliar-se e talvez construir uma parceria com o Irã seria uma forma de rendição. Foi o que disse Henry Kissinger, quando perguntado se os EUA deveriam negociar com os adversários muçulmanos: “Eles querem nos humilhar”, disse ele. “Temos de humilhá-los.”

Mas o objetivo da diplomacia é fazer avançar interesses, não castigar uns ou outros, argumenta Kinzer. Nenhum dos principais objetivos dos EUA no Oriente Médio, inclusive estabilizar o Iraque, chegar a um acordo de paz entre israelenses e palestinos e marginalizar a Al-Qaeda, é viável sem a cooperação do Irã. Um Irã isolado é risco grande demais. Um Irã integrado pode ser poder estabilizador, garantia de segurança, motor de desenvolvimento econômico.

Kinzer lista algumas das potenciais vantagens de um novo relacionamento entre EUA e Irã, dentre os quais:

  • O Irã, mais do que qualquer outro país, pode ser garantia de paz no Iraque.
  • O Irã pode ajudar a estabilizar o Afeganistão.
  • O Irã pode ajudar a moderar e a construir acordos com grupos como o Hamás e o Hizbullah.
  • Uma aliança entre EUA e Irã pode enfraquecer a Al-Qaeda, inimigo comum.
  • Melhores relações abrirão novas oportunidades de cooperação econômica.

Os presidentes dos EUA têm rejeitado qualquer concessão ao Irã, porque implicaria reconhecer o Irã como poder importante, com interesses legítimos de segurança. Mas, diz Kinzer, o Irã já é poder regional importante. Isso não mudará, façam os EUA o que fizerem. Política inteligente terá de reconhecer esse fato, exatamente como a política de Nixon reconheceu o poder regional da China.

Quando EUA e China assinaram o Shanghai Communiqué de 1972, a China tinha atitudes e comportamentos que eram, pelo menos, tão ofensivos aos EUA quanto qualquer das atitudes e comportamentos do Irã hoje. A China fornecia armas à guerrilha anti-EUA no Vietnã. Nixon não impôs qualquer exigência de “bom comportamento” como condição para negociar. Primeiro, cuidou do acordo; as mudanças de comportamento vieram como consequência.

Durante a campanha presidencial, o senador Obama chegou a articular algumas dessas ideias: não imponha, como precondição para negociar, exatamente o que você tenta obter. Mas, recentemente, o governo Obama parece ter revertido à política do governo Bush, que parece insistir em que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio antes de EUA e Irã terem construído, sequer, alguma pauta de temas a serem discutidos.

A presença da Turquia, nesse cenário, pode mudar a tendência de todo o jogo. Nas últimas semanas, fomos, de uma situação em que o sítio de Gaza não era assunto que mobilizasse os EUA, para outra situação em que os EUA já declararam que o sítio de Gaza não pode continuar. Entre uma posição e outra houve vários movimentos; em todos eles a Turquia desempenhou papel indispensável. Se a Turquia tiver meios para desempenhar papel similar na disputa entre os EUA e o Irã em torno do programa nuclear iraniano, o mundo certamente se converterá em algo fundamentalmente diferente – e melhor.


* Esse artigo é parte de uma campanha de cidadãos nos EUA, organizada pelo blog pacifista “Just Foreign Policy”, sob o mote “Escreva ao presidente Obama e diga: Presidente, não tenha medo de negociar sem precondições com o Irã”. Detalhes da campanha e uma carta-modelo a ser enviada ao presidente Obama, são encontrados em “Democracy in Action”  (NT).

[1] A National Endowment for Democracy (NED) é organização sem finalidades de lucro, fundada em 1983, para promover a democracia em países amigos dos EUA, oferecendo fundos, alocados anualmente pelo Congresso dos EUA. Embora administrada como organização privada, vive de recursos inteiramente públicos. Além do programa de distribuição de fundos, a NEC também mantém um jornal (Journal of Democracy), o Movimento Mundial pela Democracia, o Fórum Internacional de Estudos Democráticos, o Programa Reagan-Fascell de Bolsas de Estudo, uma rede de institutos de pesquisa e o Centro de Apoio à Mídia Internacional. A NED tem sido acusada de interferir em governos estrangeiros e de criar condições para operações ilegais da CIA no exterior. Para saber mais, ver: National_Endowment_for_Democracy

[2] Em português em Viomundo