Sou blogueira, ativista em defesa da igualdade de direito das mulheres, luto contra o racismo, a homofobia e sou a favor de inúmeras outras causas sociais. Acho que a blogosfera brasileira precisa ir além da reprodução de notícias de segunda-mão ou da leitura crítica do discurso da grande mídia. Há algum tempo decidi andar com uma câmera na mão, registrando coisas da cidade que me chamam a atenção. Trata-se de um projeto simples: ser quase uma espécie de ‘ombudswoman’ da cidade onde vivo, São Paulo.
Apóio e defendo todas as ações cidadãs na luta pelos direitos sociais e foi neste intuito que me dirigi ao centro da cidade ontem. Como ativista que sou, queria fotografar e gravar alguns vídeos do ato realizado pelos movimentos organizados em defesa dos moradores represados na Várzea do Tietê. Queria ouvir o que eles têm a dizer sobre a situação em que vivem, quais eram suas reivindicações, queria conhecê-los e me solidarizar, pois embora muito distante da situação em que eles vivem, também tive parte de minha casa alagada e experimentei um pouquinho na pele como é terrível assistirmos, impotentes, a água avançar sobre a nossa casa.
Ir a estas manifestações nos permite formar uma idéia mais próxima dos problemas, conhecê-los do ponto de vista de quem é diretamente atingido por eles. Eu, apesar de ter lido muito sobre o caso dos moradores do Jardim Romano, não havia lido em canto algum que eles estão vivendo embaixo d’água antes das chuvas. Isso mesmo, antes de 8 de dezembro de 2009, antes, portanto, do marco da primeira grande chuva em Sampa, que alagou várias áreas da cidade e fez a grande mídia começar a dar atenção para o tema das inundações. Foi apenas ouvindo o relato de moradores do Jardim Romano que descobri isso e outras histórias que narrarei a seguir.
Cheguei ao Viaduto do Chá pouco antes das 14 horas, deu tempo de fotografar o lixo que encontrei no caminho, cenário do abandono desta administração em qualquer canto da cidade.
[caption id="attachment_1805" align="aligncenter" width="500" caption="No Centro de São Paulo, a mesma cena de falta de limpeza pública que vejo no meu bairro que é bem afastado do centro. 08/02/2010. Foto: Conceição Oliveira"][/caption]Assim que cheguei ao Viaduto do Chá vi o primeiro grupo de pessoas com faixas e cartazes caminhando no Vale do Anhangabaú em direção ao prédio da prefeitura. Com a câmera emprestada da @dolphindiluna fiz a minha primeira foto da manifestação.
[caption id="attachment_1806" align="aligncenter" width="500" caption="Manifestantes do movimento dos represados da Várzea do Tietê dirigindo-se para a Prefeitura Municipal de São Paulo. 08/02/2010. Foto Conceição Oliveira"][/caption] [caption id="attachment_1812" align="aligncenter" width="500" caption="Moradores dos bairros represados da Várzea do Tietê atravessando em passeata no Viaduto do Chá em direção ao pátio da Prefeitura, 08/02/2010. Foto: Conceição Oliveira"][/caption]Cheguei exatamente com os primeiros manifestantes em frente ao prédio da prefeitura. Havia um gradil circundando o pátio e uma abertura por onde eles passaram, não houve qualquer ato de vandalismo.
Era uma manifestação de quem vive sob as águas de esgoto desde antes das chuvas de 08 de dezembro, alguns deles desde o dia 17 de novembro de 2009, conforme relato da senhora Maria Alice, moradora do Jardim Romano. Os manifestantes impunham cartazes com reivindicações e críticas ao prefeito Gilberto Kassab e ao governador José Serra, que até o momento nada de concreto fizeram para resolver a situação de calamidade pública que vivem essas pessoas.
Pouco depois chegou um mini carro de som e as falas começaram. Não houve por parte dos manifestantes nenhum sinal de desordem, de agressão ou provocação aos policiais. Em suas falas e cartazes eles cobravam uma solução para o alagamento em que vivem, falavam da situação em que estavam, responsabilizavam os administradores da cidade e do estado pelo quadro desumanizador do represamento que inunda há meses as suas casas. Tenho certeza que se qualquer leitor/a tivesse experimentado um dia da vida daqueles moradores da Zona Leste não teria a paciência que eles tiveram, eu certamente não teria. [youtube=http://www.youtube.com/watch?v=Xej995F371I]
Pouco depois encontrei o @thiagobeleza. Havíamos combinado via twitter de trabalharmos conjuntamente cobrindo o ato, porque eu estava até então sem câmera e ele fotografaria enquanto eu colheria alguns depoimentos. Como consegui a câmera emprestada resolvi produzir alguns vídeos, como esses que exponho aqui no post e outros que podem ser vistos no youtube. Para ver todas as fotos da manifestação que o Thiago produziu, clique aqui, para ler o depoimento do Thiago, clique aqui.
Por volta das 14:30 fomos informados que Kassab não estava na prefeitura. O contingente policial aumentava assustadoramente: motos e viaturas chegavam com sirenes fazendo escândalo e os policiais se comunicando por rádio. [caption id="attachment_1808" align="aligncenter" width="500" caption="Para que tanta polícia? Foto: Conceição Oliveira"][/caption] [caption id="attachment_1809" align="aligncenter" width="500" caption="Para que todo este armamento? Foto: Conceição Oliveira"][/caption] [caption id="attachment_1810" align="aligncenter" width="500" caption="Para que mais polícia? Foto Conceição Oliveira"][/caption] [caption id="attachment_1811" align="aligncenter" width="500" caption="Para que ainda mais policiais Foto: @thiagobeleza"][/caption]
Cerca de 40 minutos depois do início da manifestação desceu um representante da administração municipal para falar com os manifestantes. A primeira coisa que ele exigiu foi que os manifestantes se afastassem do pátio da Prefeitura. Detalhe, os manifestantes sequer estavam próximos às portas da prefeitura que são todas gradeadas e já contava com uma boa fileira de policiais militares fortemente armados e guardas civis metropolitanos protegendo-as, assim como um batalhão de fotógrafos amadores ou não. O sol castigava as crianças e idosos e se afastar dali significava empurrar cerca de 400 pessoas para a avenida do Viaduto do Chá. [youtube=http://www.youtube.com/watch?v=Y4DHga1JH6w]
Já participei de dezenas de manifestações em minha vida. Se uma ordem desta tivesse sido dada a alunos da USP em protesto, por exemplo, jamais seria cumprida. Mas a imensa maioria das pessoas que estavam ali não era militante, eram pessoas humildes, quase submissas e eles só queriam ser ouvidos. Como o vídeo registra elas não resistiram, ao contrário, um dos homens da comissão dos moradores acata a ordem do representante municipal e começa a organizar o afastamento para ampliar 'a margem de segurança' da polícia e do prédio da prefeitura. [caption id="attachment_1813" align="aligncenter" width="500" caption="Moradores manifestantes organizam espontaneamente um cordão de isolamento atendendo o pedido do representante da prefeitura municipal. 08/02/2010 Foto: Conceição Oliveira"][/caption]
A reação desmedida da polícia militar, por volta das 15 horas diante de dezenas de câmeras, sem poupar vereadores e deputados, fotógrafos, jornalistas não tem justificativas. A polícia desceu o cassetete em alguns pescoços como no blogueiro Raphael Garcia, o @tsavkko, e deu banhos de spray de pimenta em manifestantes que sequer se aproximaram das portas gradeadas da Prefeitura que como disse já estavam bastante protegidas por policiais armados.
O vídeo abaixo mostra o início da agressão policial que mesmo diante dos parlamentares empurraram os manifestantes e iniciaram o ataque com o spray de pimenta.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=TWvc_4lbUVY]
Já se passaram mais de 24 horas do ocorrido e meus olhos ainda ardem um pouco como se tivessem areia e as mãos estão um pouco inchadas. Na hora do ataque não conseguia respirar e não sabia sequer para onde me dirigir, porque fiquei completamente cega. Minha garganta deu sinais que iria fechar e um muco imediato começou a escorrer do meu nariz. Sou excessivamente alérgica a vários alimentos, alguns tecidos, picadas de insetos e inúmeras substâncias. Por duas vezes fui parar no hospital com a glote querendo fechar devido à reação alérgica. Mas tive sorte, porque consegui vomitar e extrair toda a substância nociva que inalei e aspirei no banho de gás de pimenta que levei.
Sem conseguir enxergar um palmo diante do nariz e com o corpo todo queimando, um senhor que ouviu meus gritos desesperados pegou uma garrafa de água e jogou em meus olhos, ardeu ainda mais. Meu chapéu caiu na confusão, quase que a câmera da @dolphindiluna se perde. Eu pedia socorro, porque a respiração ficava cada vez mais difícil e aumentava a nuvem de pimenta ao meu redor. Uma garota do movimento Passe Livre me puxou e caminhamos juntas por todo o Viaduto do Chá . Ela conduziu minha caminhada, dando-me a sua mão, até um bar para que eu pudesse lavar meu rosto e braços com água e sabão.
Meu corpo ardia em brasa, doía tudo: pescoço, entre os dedos, palmas das mãos, braços, rosto, lábios, olhos, pernas... mas já conseguia ao menos respirar. Não havia água no bar em que fomos.
A região do centro da cidade, assim como a do Butantã e Morumbi estão sem água desde domingo. Não deixa de ser irônico estar em uma manifestação em prol dos moradores submersos da Várzea do Tietê, saber que as represas estão transbordando e ao mesmo tempo vivenciar a falta água em várias regiões da cidade.
A garota que me socorreu comprou a primeira garrafa d’água para lavar meu rosto com sabão e depois disso ao menos eu conseguia abrir os olhos. Eu estava de óculos, os jatos não atingiram diretamente os meus olhos e mesmo assim fiquei um tempo grande sem poder abri-los. E a menina que me socorreu por ter me dado a mão para me conduzir, ao passar a mão no rosto, seus lábios começaram a arder. À noite, minha amiga Carla Miucci segurou a presilha que eu tinha no cabelo e esqueci de lavar e parte do seu braço pipocou em reação alérgica.
Voltamos para a manifestação, reencontrei o @thiagobeleza, havíamos nos perdido um do outro na hora da confusão. Ele foi comigo até a farmácia em frente à Prefeitura. Lá, comprei pasta d’água passei pelos braços, pescoço e de nada adiantou, comprei filtro solar fiz o mesmo e de nada adiantou. No ônibus, durante todo o trajeto de volta à minha casa, tinha vontade de gritar por socorro: o corpo queimava de dentro para fora, uma sensação desesperadora, era como se estivesse mergulhada em um caldeirão de água fervente. Só consegui um pouco de alívio por volta das 20 hs depois de tomar banho e passar muito Calamed nos braços, pernas, pescoço e rosto.
Nasci no mar, freqüento praia desde criança, mas nunca me senti tão queimada em minha vida. Só que, ao contrário dos moradores do Jardim Romano e das demais áreas alagadas, eu pude voltar pra minha casa que não está sob as águas e, embora grande parte da região do Butantã esteja sem água, eu pude tomar banho, me hidratar e me medicar.
Mas não sai da minha cabeça os rostos e os depoimentos de todas as pessoas com quem conversei durante a manifestação. A senhora Maria Alice, dona Maria das Graças, a senhora Maria Rosa, a dona Josélia, a Maria Angélica e tantas mães e avós que lá encontrei. Todas elas são pessoas muito humildes, seus relatos sobre a Vila Aimoré, o Itaim Paulista, a chácara Três Meninas, o Jardim Pantanal, o Jardim Romano me comoveram. [caption id="attachment_1814" align="aligncenter" width="500" caption="Moradora do Jardim Romano mostra para Thiago Beleza cobra encontrada em sua casa e larvas de dengue colhidas nas águas represadas dos bairros inundados há meses na Várzea do Tietê. 08/02/2010. Foto @thiagobeleza."][/caption]
Vi algumas dessas mulheres carregando cobras em vidros que encontraram dentro de suas casas. Vi um vidro repleto de larvas da dengue, ouvi dona Maria Alice contando que perdeu tudo. Na fala humilde desta senhora negra como tantas outras presentes na manifestação, para além da indignação, havia um pedido desesperado para que o poder público agisse e as tirassem daquela situação desumana.
[caption id="attachment_1815" align="aligncenter" width="500" caption="Dona Maria Alice contando-nos que sua casa está alagada desde 17 de novembro de 2009. Foto: @thiagobeleza"][/caption]
Dona Maria Alice enumerou um a um os móveis e eletrodomésticos que se foram ao longo dos 3 meses de alagamento em sua casa. Segundo ela, sua casa no Jardim Romano, está alagada com esgoto desde o dia 17 de novembro de 2009. Ela trabalha na Brigadeiro Luiz Antônio e conta que quando chegou em casa no dia 17/11 conseguiu salvar apenas as roupas, pois absolutamente tudo que tinha em sua casa foi destruído pelo alagamento. Ela nos informou que ligou para a Sabesp que nada resolveu e que ainda disse que a reclamação dela tinha tido baixa, porque o problema tinha sido solucionado.
A senhora Maria das Graças vive há mais de 20 anos na Vila Aimoré, construiu sua pequena casa com o suor do trabalho e agentes da prefeitura querem dar 2 mil reais de indenização para que sua casa seja destruída e ela saia de lá. Para onde?
[caption id="attachment_1816" align="aligncenter" width="500" caption="08/02/2010, manifestante em frente à Prefeitura de SP. Foto: @thiagobeleza"][/caption]
Cada manifestante recusava em alto e bom som a quantia irrisória que a prefeitura ofereceu aos moradores para que saíssem da região. Denominavam o auxílio de ‘bolsa-despejo’, ‘bolsa pobreza’, ‘vale-desprezo’. Uma das manifestantes disse: Banana tem preço, nossa casa não!
Um dos slogans das faixas e cartazes era: “Uma casa por outra casa”, nada mais justo se pensarmos que o poder público que culpa este povo humilde por ocupar a Várzea do Tietê, ocupou a várzea muito antes dos moradores do Jardim Romano e adjacências, construindo as marginais do Tietê e outros prédios públicos assim como os clubes esportivos fizeram.
Dona Maria Rosa, por exemplo, contou-me que pagou durante 2 anos um carnê para que sua rua fosse asfaltada. Ora, se a área é ilegal, por que há cobrança de IPTU, por que foram construídos condomínios com financiamento de bancos públicos, por que foram erguidas escolas e o poder público cobra dos moradores as melhorias feitas nos bairros em questão?
Outra fala recorrente na voz dos manifestantes era a de que a situação de calamidade pública em que eles vivem há mais de dois meses não foi causada por Deus, por São Pedro, pelas chuvas, pela Natureza, mas é uma ação engendrada para obrigá-los a sair de onde vivem. Pelos relatos e datas eles possivelmente têm razão, pois o alagamento na maior parte das áreas afetadas nesses bairros começou pelo menos 3 dias antes das chuvas e dura até hoje.
Na manifestação encontrei também moradores de outras áreas afetadas por alagamentos, como dona Marcionira que vive no Glicério, região central da cidade. Ela conta que perdeu todas as suas coisas nas enchentes.
Professor Hamilton, do Jardim Romano, convocava os médicos sanitaristas de ‘boa vontade’ para que fossem visitá-los e socorrê-los. Ele fez denúncias graves de que muitas crianças e adultos estão adoecendo e, embora apresentem todos os sintomas da leptospirose, os postos de saúde e hospitais dão laudo negativo para a doença. Ele pedia emocionado: “Médicos sanitaristas aposentados, salvem nossas crianças, salve o povo da zona Leste com laudos médicos verdadeiros”. Esses apelos explicam os cartazes com referência às mortes e o caixão que levaram para a manifestação. [caption id="attachment_1817" align="aligncenter" width="500" caption="Nos cartazes a alusão às mortes que já ocorreram nas áreas alagadas dos bairros represados da Várzea do Tietê. foto: Conceição Oliveira"][/caption] [caption id="attachment_1818" align="aligncenter" width="500" caption="No Jardim Romano e nos demais bairros alagados pelo fechamento das comportas, crianças e adultos adoecem de leptospirose, dengue, desinteria e outras doenças causadas pela contaminação das águas. Foto: Conceição Oliveira"][/caption] [caption id="attachment_1819" align="aligncenter" width="500" caption="Duras críticas aos administradores da cidade e do estado de São Paulo que até o momento não resolveram a situação de calamidade pública e subumana em que há meses estão os moradores dos bairros alagados. Fotos: Conceição Oliveira"][/caption]
Sem qualquer justificativa a polícia agrediu os manifestantes armados apenas com cartazes. Depois disso a voz da indignação cresceu ainda mais. Maria Angélica gritava emocionada: “Estamos na merda, sem dignidade, mostre sua cara Kassab! Tenha coragem de descer e falar com a gente.”
Muitos ali bradavam que eram eleitores do Kassab e relembravam isso dizendo que na hora da eleição ele era só beijinhos e que agora não se dignava a descer para dialogar com os moradores. Uma senhora gritou: “Esperamos você aparecer no Romano para dar beijinhos, vai receber lama na sua cara, Kassab, a lama em que vivemos há meses e que você não ousou botar os pés!” Outra desafiava: "Bote os pés na lama, Kassab, que nós recebemos você, nós somos pobres, mas não somos porcos!" E continuou: "A ponte que você construiu para as crianças irem à escola não é para criança passar não! Acho que você não tem filhos, Kassab, se tivesse você ia pensar dez vezes mais."
Outros ironizavam a presença da televisão nos seus bairros e um manifestante perguntou aos demais: "Alguém aí andou no bote dos bombeiros para ir ao trabalho?" E em coro todos responderam: "Não!" E aí ele complementou: "Bombeiro só aparece lá quando tem câmera de tevê".
Márcia, moradora do Jardim Romano, disse: "Queria que você dormisse no colchão que você nos mandou, Kassab!" e alertava o prefeito ausente: "Não vá lá pedir votos, não! Nós somos o voto!" Um morador de rua teve a palavra e falou: "Menos soldados dando cassetete nas ruas e mais garis limpando as ruas!"
Houve muitas outras falas, mas este texto já se alongou demais. O que sei é que para além da minha indignação diante de tanta violência gratuita com um povo extremamente humilde em suas vestes e pronunciamentos, era visível a quem tinha olhos de ver, que aquela manifestação nasceu do descaso total e completo do poder público em relação a cerca de 5 mil famílias que estão vivendo há meses em condições subumanas.
Havia sim parlamentares e até o senador Eduardo Suplicy apareceu para mediar o encontro entre a comissão de moradores e o prefeito Gilberto Kassab. Não fizeram mais que obrigação e é de se admirar e se indignar a leitura de posts no twitter dos correligionários do governo municipal dizendo que foi a 'oposição' que organizou a manifestação. Para que diabos existem representantes parlamentares? Por que os demais deputados e vereadores da 'situação' e da 'oposição' não estavam ali presentes para igualmente sentirem nos seus olhos cegos a violência com que o povo pobre e excluído desta cidade é tratado cotidianamente?
O que me angustia é saber que se diante de tantas câmeras a polícia militar foi capaz de fazer o que fez -- baixar cassetete e tascar spray de pimenta diretamente em nossos rostos-- no dia-a-dia, longe das câmeras da tevê e dos fotógrafos, quais são as práticas desses homens em lugares esquecidos pelos deuses e pelo poder público?
Depois de horas de negociação entre representantes da Prefeitura e a comissão de moradores que conseguiu entrar no prédio, juntamente com parlamentares, soubemos que Kassab prometeu receber uma comissão de moradores represados da Várzea do Tietê, na próxima sexta-feira, 12/02, às 13 horas.
Eu espero imensamente que, desta vez, Kassab cumpra a promessa, ouça essa comissão e atenda às suas reivindicações. Espero, igualmente, que o governo do estado de São Paulo apure o ocorrido e puna o/os responsável/responsáveis que deu/deram a ordem para que a polícia de forma tão gratuita e desmedida desferisse seu ataque contra os manifestantes.
Espero que o Ministério Público apure e a Justiça puna os responsáveis por manter, durante meses, os moradores desses bairros represados, que estão vivendo pior do que animais, em meio ao esgoto, à lama e criminosamente expostos às doenças.
E para finalizar, nada como sentir literalmente na pele o horror que o gás de pimenta é capaz de produzir em nossos corpos. Toda a classe média, que fecha os seus olhos para as condições de vida a que são submetidos os mais excluídos, deveria experimentar para ver o que é bom para a tosse. Espero que os parlamentares brasileiros, alguns deles que também descobriram que pimenta na própria carne não é refresco, discutam uma lei que proíba a polícia militar no Brasil de fazer uso deste veneno contra a população civil que tem direito de se manifestar livremente e de modo pacífico como fizeram os moradores das áreas represadas da Várzea do Tietê.