Sobre o assassinato de líder quilombola no Maranhão e o direito à vida

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Avançar na Reforma Agrária é preciso, sem mais delongas.

O RESPEITO AO DIREITO À VIDA PARA ALÉM DA VISÃO MANIQUEÍSTA DA CAMPANHA PRESIDENCIAL.

Por IGOR MARTINS COELHO ALMEIDA[1]

A campanha do segundo turno das eleições presidenciais brasileiras foi marcada, predominantemente, por um tema que deveria permear a pauta de todos os compromissos políticos: o direito à vida. Infelizmente, a referida temática inserida na campanha presidencial se ateve apenas a discutir sobre a legalização do aborto (ou a sua descriminalização). Assistindo aos primeiros debates do segundo, me perguntei: é esta a concepção de Direito

à Vida que os candidatos desejam incutir na cabeça do eleitorado brasileiro?

Independentemente do que pretendia cada candidato, é claro que o respeito ao Direito à Vida não quer se referir apenas à questão da legalização-descriminalização do aborto. A abordagem é bem mais profunda. Não pretendo, neste humilde artigo dissertar sobre o aborto ou o Direito à Vida. Deixo isso para os grandes juristas e estudiosos do Direito que esse país possui.

Iniciei este artigo com esta abordagem em virtude de um lastimável fato ocorrido no município de São Vicente de Férrer, região da Baixada, no Estado do Maranhão. No dia 30 de outubro (às vésperas do dia decisivo para a democracia brasileira, que tanto debateu sobre o respeito ao direito à vida), por volta das 21 horas, a liderança quilombola Flaviano Pinto Neto, 45 anos, pai de 5 filhos, presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado Charco (comunidade quilombola com mais de 70 famílias), foi brutalmente executado com 8 tiros na cabeça, disparados por uma pistola calibre 380, por um homem ainda não identificado. A comunidade está atemorizada e espera que as autoridades públicas responsáveis pelo sistema de segurança e Justiça desse Estado possam encontrar e punir, exemplarmente, os responsáveis. Até o presente momento, não se tem quaisquer informações sobre a pessoa que executou Flaviano, e nem quem seria o mandante.

Flaviano lutava incessantemente junto ao órgão fundiário estadual (ITERMA) e junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para a regularização imediata do território quilombola da comunidade, conforme mandamento constitucional (artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e pactos e tratados internacionais ratificado pelo Brasil (como exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho). Por diversas vezes foi ameaçado de morte. Infelizmente, lutando por algo maior a fim de beneficiar todas as famílias de sua comunidade, foi brutalmente executado. Várias organizações e entidades da sociedade civil maranhense que lidam com a questão agrária estão articuladas para mapear e denunciar às autoridades públicas os diversos conflitos fundiários experimentados no interior do Maranhão. A Anistia Internacional já entrou em contato com a Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA para obter informações e cobrar do Estado do Maranhão e do Estado Brasileiro a investigação e punição dos responsáveis.

Infelizmente, o recente episódio da comunidade de Charco não é isolado. Várias lideranças rurais (quilombolas ou não) estão ameaçadas de morte no Estado do Maranhão. Todos eles por lutarem, de forma incansável, pela regularização fundiária e implantação de políticas públicas em suas comunidades, contrariando, destarte, interesses econômicos e políticos de coronéis regionais e grileiros de terra que ainda possuem, por verdadeira omissão estatal, “cartão verde” para atuarem no Maranhão. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra – CPT, o Estado do Maranhão ultrapassou o Pará, e se tornou campeão de uma competição inglória: a violência no campo. Segundo relatório lançado no mês de outubro, o Estado possui (catalogadas) 186 áreas de conflito pela terra, envolvendo camponeses, quilombolas, indígenas e outros grupos tradicionais.

Segundo dados da 25ª edição do caderno de Conflito no Campo do Brasil, lançado pela CPT em abril de 2010, “os casos aumentaram de 1.170, em 2008, para  1.184, em 2009. Em média, foram registrados mais de três conflitos por dia no Brasil, de acordo com a CPT. A Região Norte concentrou o maior número de ocorrências (457 conflitos) e de assassinatos no campo (12 dos 25 em todo o Brasil, ou 52% do total). Destes, 22% (8) ocorreram no Pará e 11% (4) no Mato Grosso.  Do conjunto de terras em disputa, 96% (14,5 milhões de hectares) se encontram na Amazônia Legal (Região Norte, Mato Grosso e Maranhão). Foram somados 622 conflitos (dos 1.184 no país todo) e 17 assassinatos (68% dos 25) nesta mesma imensa área. A maioria absoluta das ameaças de morte - 119 (83%) de 143 - ocorreram na Amazônia Legal.”[2]

Como dito no início deste artigo, o respeito ao Direito à Vida deve ser entendido em sua completude, e não de maneira rasa, como foi feito na parte final da campanha presidencial brasileira. Faz-se extremamente necessário que a sociedade brasileira compreenda que o respeito ao Direito à Vida também está na proteção àqueles que lutam pela efetivação da reforma agrária nesse país.

Em seu primeiro discurso como presidente eleita, logo após o pronunciamento oficial do resultado das eleições feito pelo presidente do TSE, Dilma Rousseff relatou seu compromisso com os Direitos Humanos em sua gestão. “Zelarei pela observação criteriosa e permanente dos Direitos Humanos tão claramente consagrados em nossa Constituição”. É o que todos nós, que militamos em favor da promoção dos Direitos Humanos, por uma reforma agrária justa e pela titulação dos territórios quilombolas, almejamos. O respeito ao Direito à Vida, em todos os seus significados, deve permear todos os atos e decisões de seu governo.


[1] Advogado Popular, formado pela Universidade Federal do Maranhão. Atualmente é assessor jurídico da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e do Centro de Cultura Negra do Maranhão e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Maranhão. Pós-Graduando em Direito Público pela Universidade Anhanguera/LFG.

[2]Informações obtidas e disponíveis no sitio do Repórter Brasil