Conceição Tavares: cabe ao governo brasileiro acelerar a adoção de medidas de proteção

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Por Maria da Conceição Tavares, no Estadão, via Carta Maior

10/11/2010

Controle de capitais: a resposta ao salve-se quem puder de Obama?

'Não temos de esperar o G-20', afirma Maria da Conceição Tavares

A professora Maria da Conceição Tavares não tem falado ultimamente com o presidente Lula nem com a presidente eleita Dilma Rousseff. Mas tem na ponta da língua várias recomendações a fazer. A ex-deputada federal e militante do PT propõe a adoção de mecanismos para controlar a entrada de capitais e redução imediata dos juros para tratar o que considera como questão mais urgente do novo governo: a valorização do real ante o dólar americano. Descrente da possibilidade de o encontro do G-20, amanhã e sexta-feira, gerar algum tipo de acordo efetivo sobre o assunto, Conceição acredita que cabe ao governo brasileiro acelerar a adoção de medidas de proteção. "Sem acordo para ordenar essa porcaria, doa a quem doer, nós temos de nos defender e, se for necessário, façamos controle de capitais, não tem nada de mais", defendeu ontem a economista durante debate no Congresso.

Além do controle na entrada de dólares, a professora também defende redução da taxa de juros, o que reduziria o apetite dos investidores estrangeiros em trazer recursos ao Brasil. "Temos de usar todos os instrumentos possíveis e não precisamos pedir licença a ninguém. Quem tem de se defender é o Brasil, e não ficar esperando G-20, 22, 23 ou 24."

Aos 80 anos, Conceição continua verborrágica. Em pouco mais de três horas de debate, defendeu um aumento maior do salário mínimo em 2011 - descontando parte do reajuste a ser concedido em 2012 -, a volta da CPMF e o fim da briga de gato e rato entre Banco Central e Ministério da Fazenda, que classificou como "jogo perigoso".

Para combater a guerra cambial, ela deixou claro que, se dependesse de seu voto, Henrique Meirelles não continuaria à frente do BC. "Mas isso sou eu." Depois que Conceição Tavares admitiu no debate que chegou a sonhar em comandar o BC na década de 1980, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) sugeriu que agora seria a oportunidade de transformar o sonho em realidade. Para não deixar dúvidas que continua a mesma, a professora foi direta: "De jeito nenhum. Agora eu não aceitaria porque tenho 80 anos e estou com o pé na cova". [O Estado de S. Paulo, 10-11]

Controle de capitais ganha destaque no G-20

O debate sobre a imposição de controles de capitais ganhou peso na reunião do G-20 que ocorre esta semana na Coreia do Sul em razão da política de expansão monetária dos Estados Unidos, que vai inundar o mercado global de dólares e provocar a valorização de outras moedas, entre as quais o real brasileiro.

O tema teve destaque na agenda da reunião preparatória realizada ontem, de acordo com o representante do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista, um antigo defensor de restrições ao livre movimento de recursos.

"O assunto deixou de ser um anátema", disse Batista ontem. Com taxas de juros e ritmo de crescimento mais elevado que o americano, países emergentes se tornaram destinos preferenciais de capital especulativo em busca de ganhos de curto prazo, o que provoca a valorização de suas moedas e gera o risco de altas excessivas e artificiais de ativos como ações e imóveis.

Esse movimento deverá ganhar mais força com a decisão do Fed (o banco central dos Estados Unidos) de injetar US$ 600 bilhões na economia nos próximos oito meses.

Sri Mulyani Indrawati, diretora do Banco Mundial, disse ontem na Malásia que os países asiáticos poderão necessitar de controle de capitais para evitar que o aumento de liquidez decorrente da decisão do Fed provoque o surgimento de bolhas em suas economias. Segundo a agência de notícias Bloomberg, Indrawati ressaltou que qualquer medida seria temporária e de caráter específico.

Restrições

Até a China, que já tem controle de capitais, decidiu ampliar a restrição a recursos estrangeiros. Ontem o organismo responsável pelo câmbio anunciou que vai intensificar a fiscalização sobre a remessa de fundos de empresas chinesas que operam no exterior e sobre investimentos estrangeiros diretos.

Algumas dessas operações são fraudulentas e abrem a porta para entrada de capital especulativo que busca ganhos com a diferença de juros e na valorização do yuan ante o dólar. Países como Tailândia, Indonésia, Equador e Rússia começaram a impor medidas para se tornar menos atrativos para esses recursos de curto prazo, reduzindo sua remuneração potencial. O Brasil seguiu pelo mesmo caminho, e em menos de um mês elevou duas vezes o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incide sobre aplicações de estrangeiros em renda fixa e variável.

Ainda não está claro o tratamento que o tema terá no comunicado final do encontro, que continua a ser negociado por vice-ministros de Finanças reunidos em Seul desde o início desta semana. Na noite de ontem eles começaram mais uma rodada de discussões. O texto será submetido aos presidentes e primeiros-ministros que se reúnem amanhã e sexta-feira. O Brasil será duplamente representado: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente eleita Dilma Rousseff chegam hoje a Seul. [O Estado de S. Paulo, 10-11].