O brasileiro Lula
Sua liderança assombrou estadistas e borrou de inveja e preconceito a fatia da classe média saudosa da velha direita. De tal maneira ele se fez grande que sobrecarregará de expectativas quem o suceder Por: Mauro Santayana Publicado em 07/01/2010Titulou o jornal espanhol El País que 2009 foi o ano de Lula, em artigo de elogio ao presidente brasileiro assinado pelo primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero. Ao mesmo tempo que crescem os elogios internacionais ao trabalhador, a classe média e a velha direita no Brasil se assanham, pela imprensa e pela internet, em seus ataques ao líder. É o desespero da inveja, a explosão do preconceito.
A reação da classe média e de seus porta-vozes na imprensa não se dirige a Lula, mas ao trabalhador. Não admitem que um pau de arara represente hoje, diante do mundo, um país das dimensões geográficas, econômicas, culturais e políticas do Brasil. Para essas senhoras deslumbradas da classe média e esses senhores que vivem bem, não se sabe com que recursos, é um desaforo que o torneiro mecânico seja recebido pelos reis e rainhas, que se assente ao lado de Elizabeth II, nos salões do Palácio de Buckingham, enquanto Obama se encontra, de pé, na segunda fila dos presentes.
O presidente não recebe os aplausos somente por causa de sua história ou simpatia pessoal, que cativa quase todos os que o conhecem, mas – e principalmente – porque o povo brasileiro, sob sua liderança, tem trabalhado arduamente e vencido o pessimismo que nos atingia até poucos anos atrás. Lula tem dado o exemplo de que o povo é capaz de tudo. “Se o Lula chegou ao governo, por que não posso montar o meu negócio?”, é a pergunta que muitos se fazem, antes de criar sua pequena empresa, buscar financiamento, contratar trabalhadores de sua mesma origem, e promover o desenvolvimento do país.
Ainda agora, diante do lançamento do filme Lula, o Filho do Brasil, os ataques recrudesceram. O cineasta, dos mais conhecidos e bem-sucedidos de nosso país, é acusado pela oposição de ter feito um filme laudatório, que não aponta os defeitos de Lula. Ora, qualquer um pode fazer o filme que quiser sobre quem quiser, desde que não cometa calúnia, injúria ou difamação. A melhor resposta foi a de Ricardo Berzoini: por que a oposição não faz um filme sobre Fernando Henrique Cardoso? O que dirão de um jovem filho de general, sobrinho de generais, que se insurge, na prática, depois de velho, contra as ideias nacionalistas do pai, e chefia o mais impatriótico de todos os governos nacionais? Como vão explicar que, aos 37 anos, ele tenha sido aposentado do cargo de professor da USP, obtenha seu passaporte regular e viaje para o exterior, sem ter nunca sido incomodado? Ele, que se exilara em 1964, voltou ao Brasil exatamente em 1968, a fim de disputar uma cátedra na USP, da qual foi afastado pelo AI-5, premiado com uma boa aposentadoria, de que continua a desfrutar.
Como poderia um filme, se fosse produzido, explicar que Fernando Henrique criasse o Cebrap em 1969 – no auge do regime militar, com a Junta e com Médici – com financiamento da Fundação Ford? O ex-presidente faria homenagem à sua biografia se usasse seus dias na meditação metafísica e na produção intelectual de que se orgulha.
Lula está com sua biografia completa. Ocupou, queiram ou não seus adversários, os últimos 30 anos da vida nacional em posição destacada. Emergiu do quase anonimato na hora certa, liderou grande parte dos trabalhadores de São Paulo, antes de atrair a atenção dos intelectuais e de parcela ponderável da Igreja. Mas demonstrou, logo, que seu compromisso era com o povão. Criou um partido que pudesse reunir os trabalhadores, que estavam órfãos de uma liderança a partir do golpe de 1964, e ajudou a conduzir o processo político até eleger-se, em 2002.
Sua grande dificuldade é substituir-se no comando da vida nacional. De tal maneira ele se fez grande que sobrecarregará de expectativas quem o suceder, para que consiga o mesmo desempenho à frente do Estado. Mas o país é grande, e o povo já aprendeu, com Lula, a participar do processo político.
Fonte: Revista do Brasil, edição 43