Conceição querida,
Mais do que qualquer outro blogueiro que eu conheço, defendo que o total aproveitamento das disciplinas do eixo comum da educação formal e uma maior aproximação entre pais e professores a partir de uma linguagem mais aprazível passa necessariamente pelo uso do esporte e da arte como base pedagógica para a inclusão social, além da internet como meio de dinamização da comunicação e da produção de bens imateriais e de politização horizontal e apartidária.
Embora concorde contigo a respeito dos argumentos do texto do Mauro Carrara, devo discordar veementemente em alguns aspectos. Como diria o esquartejador, vamos por partes:
a) Segundo o ex-ministro da Educação Cristovam Buarque, o Brasil possui 14% de analfabetos e mais de 40% de analfabetos funcionais. Embora necessário e urgente, o Bolsa Família é um paliativo que não foi devidamente acompanhado de um programa de microcrédito capaz de incentivar o empreendedorismo como algumas ONGs e ex-executivos de alto escalão agora independentes tem feito na Índia e na África há bastante tempo. Funciona, ajuda, mas não tem servido para tirar essa população da pobreza de uma vez por todas. O processo de estímulo à pró-atividade após a etapa inicial do Bolsa Família foi bem bolado. Porém, é extremamente lento e burocrático perto das iniciativas de microcrédito que existem em profusão;
2) A educação está melhorando. Porém, só daqui a 20 anos serão colhidos os frutos. Apesar de iniciativas abnegadas como o que viste em Moçambique e como há por aqui no Nordeste, os EJAs da vida tem surtido menos efeito do que o necessário. Isso faz com que os atuais adultos não-alfabetizados dificilmente tenham chance de sair dessa situação. Trata-se quase de uma geração perdida;
3) Aos banqueiros, às empreiteiras, aos latifundiários e às multinacionais, empréstimos a perder de vista do BNDES. Ao pequeno agricultor, ao microempresário, ao mutuário de classe C, pouco financiamento disponível e muita burocracia;
4) A Amazônia foi loteada: a grilagem, a pastagem, o agronegócio, o trabalho escravo, o trabalho infantil, o coronelismo, a evasão de madeiras nobres, o não-aproveitamento de royalties a partir das substâncias que os laboratórios farmacêuticos irão levar de graça e nos revender por valores dezenas de vezes maiores do que se detivéssemos os nossos medicamentos fitoterápicos, as queimadas, a monocultura, a omissão relacionada aos transgênicos, a extinção de espécies e por aí afora não são concessões admissíveis;
5) Numa época em que está se tornando cada vez mais fácil aprender e ensinar a coletar a água das chuvas com cisternas; produzir fogões solares com restos de alumínio e ferro; que até mesmo a classe B já possui condições de trocar a eletricidade das hidrelétricas por painéis solares; que estádios de futebol e prédios em geral já poderiam ser planejados com poucos andares, cobertura vegetal e aquecimento solar; em um país no qual a energia eólica é pra lá de abundante e por aí afora, enche-se a boca para falar do biodiesel, que consome muita água na sua produção e zilhões de sementes alimentícias para produzir poucos litros de combustível; exalta-se o pré-sal e as vendas recordes da indústria automobilística sendo esta a maior responsável pelo mau-aproveitamento do espaço público que, sem pedestres, torna-se cada vez mais violento;
6) A maioria dos empregos prometidos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas serão temporários e o investimento investimento em preparação adequada para esses operários (autoproteção, legislação, higiene, boas maneiras e técnica) será muito aquém do necessário. Permanece o ciclo do subemprego;
7) Cidades como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre são reféns da máfia do concreto, composta pelas empreiteiras, que são a versão urbana daquilo que representam os latifundiários para o campo. Planos diretores são desobedecidos. Vereadores tem suas campanhas financiadas por empresas da construção civil. Vegetação nativa, sombra e vento são desviados por arranha-céus;
8) A Anatel está na mão das empresas de telefonia; a Aneel está nas mãos das empresas de energia; a despeito das pesquisas em TV digital e na tímida e incerta Conferência Pró-Comunicação, o Ministério das Comunicações está nas mãos de um capataz da mídia corporativa. Nada foi feito para que as indústrias de base privatizadas de Collor a FHC pudessem ser recuperadas. A Petrobras tem muito capital estrangeiro e os EUA sabem de tudo o que se faz aqui porque a inteligência e os bancos de dados de todas as descobertas científicas estatais estão nas mãos da Halliburton (empresa que manda no Iraque e que possui gente do Governo Bush no seu board). No Governo Lula, nunca houve tamanha perseguição às rádios comunitárias. E a criminalização contra os movimentos sociais só aumentou.
O que eu quero dizer com tudo isso?
a) Que o Governo Lula não é santo e que não possui competência nem interesse em lidar com o meio ambiente;
b) Que, o modelo de democracia representativa vigente só é pior do que a monarquia, a ditadura, o coronelismo e o feudalismo, sendo que comporta por debaixo dos panos todos esses sistemas de maneira institucionalizada, pois é preciso se corromper (não digo financeiramente ou em causa própria) para chegar ao poder. Não há como não trocar favores. Não existe democracia representativa sem clientelismo, paternalismo, omissão ou coisa parecida. Falo isso da política partidária, do sindicalismo, dos clubes, das entidades patronais, das associações de classe e por aí afora. Em suma: a voz dos representados que votaram diretamente no representante é pouco ouvida, pois o representante prioriza seu eleitor indireto - o financiador de sua campanha;
c) Que as Satiagrahas, as Daslus e outros menos votados são e sempre foram OBRIGAÇÃO. Isso é o mesmo que aplaudir um árbitro de futebol por dar cartão para um adversário violento quando é sua obrigação aplicar a regra.
Não nego que o Brasil evoluiu para melhor "como nunca antes na história deste país" em todos os setores. Porém, sabe-se muito bem que os poderes contrários não são tão fortes quanto se imaginava. Além disso, hoje sabe-se que existe, sim, dinheiro para fazer muito mais em pouco tempo.
Todavia, essa evolução ocorre muito em função da concessão dos pesadíssimos fardos quase irreversíveis que eu citei em diversos ítens acima. Portanto, não se trata de um governo revolucionário.
Pessimista eu?! Imediatista eu?! Revolucionário?! De maneira alguma: apenas acho que não cabe praticar chapabranquismo. E a crítica pura e simples da mídia corporativa e dos políticos é inócua, tendo em vista que deve-se cortar o mal pela raiz a partir da transmissão de idéias e da ação transformadora. Requentar informação e jogar para a torcida, isto é, somente para os pares da mesma ideologia, não gera diferença. Logo, não produz informação.
Então, o máximo que tem ocorrido no país a partir do uso da internet como uma ágora que traz o espaço público para dentro da sua interface gráfica é copiar e colar conteúdo verdadeiramente original e transformador. Em termos de economia do mérito e de inteligência coletiva, temos exemplos fantásticos em n áreas do conhecimento. Porém, na política e na educação, os avanços tem sido pra lá de tímidos.
Termino afirmando que, analisando o Governo Lula sob qualquer conjunto de aspectos, sejam eles positivos ou negativos, mesmo que o saldo seja favorável, não é necessário criar um hype em cima da Copa do Mundo e das Olimpíadas como se ambos os eventos fossem uma condição sine qua non para a realização de obras de infraestrutura defasadas em pelo menos 20 anos.
Além disso, só agora, com dois anos de atraso, as propinas, as obras superfaturadas e os gastos não-comprovados relacionados aos Jogos Panamericanos de 2007 no Rio de Janeiro começam a ser apurados pelo Ministério Público Federal.
Vem muito mais sacanagem por aí. Desta vez, a galope, com cifras muito mais elevadas.
Besos, Hélio