De como a Universidade de São Paulo se converte em palco de desmandos
Postado em 10/06/ 2009
fonte: Breviário.org
A essa altura a maior parte das pessoas interessadas já sabe o que houve na Universidade de São Paulo - ainda que as informações sejam desencontradas. Não é mais possível permanecer neutro em relação à situação que se criou. Claro que parte da imprensa fará questão em se manifestar favorável aos policiais que entraram em conflito com os estudantes que faziam um protesto em frente ao principal portão do campus da capital. Receio que meu texto será demasiado longo. Entretanto, faz-se necessário - ao menos para mim mesmo.
Comecemos pela pré-história do conflito: desde a notícia de que haveria cursos de ensino superior ministrados à distância oferecidos pela USP já neste ano o Movimento Estudantil - composto em boa parte de lunáticos dos mais variados partidos e por uma minoria esclarecida e preocupada com a situação do ensino no estado de São Paulo - estava tentando mobilizar os estudantes contra a medida. Chamada de UNIVESP, esta iniciativa beira o ridículo: a simples leitura do projeto mostra o descalabro e a ineficiência do governo em apresentar algo que realmente sirva aos interesses da sociedade. Um projeto tão ruim pode até ter boas intenções, mas isto não o torna menos estúpido. Portanto, é legítimo que os estudantes se reúnam a fim de apresentar alternativas menos danosas ao ensino.
O problema evidente é que a histeria é o tom dominante das pessoas que tentam organizar algo. Assim, impedem a discussão (qualquer matiz apresentado se torna “peleguice”) e afastam as pessoas sérias que gostariam de discutir o assunto. Eu incluído. Não farei jamais um mea culpa por não participar das “discussões” pois estas sempre são reativas e nunca propositivas. Não são sérias. Não compensam.
Para ajudar, essa pauta legítima foi obscurecida pela greve do SINTUSP, sindicato dos trabalhadores da USP. A recente demissão do diretor do sindicato, aka Brandão, dominava o debate. De um lado os que acham que a demissão pode até ter sido justa - eu incluído - e de outro os que têm a convicção de que foi um ato político ilegal. De todo modo, a UNIVESP ficou meio de lado até que a greve dos funcionários aparecesse - e então intensificaram-se as assembleias de curso na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), visando a construção de uma greve de estudantes.
No que uma greve dos estudantes ajudaria não dá para saber. Sou contra a greve por achar que, mesmo com pautas muito justas, esta é ultrapassada como sistema de atuação política. A ausência de discussão dentro do próprio ME potencializa o valor quase obsoleto da greve como instrumento de dissuasão política. Ou seja, o ME é refém da própria ineficiência.
Feitas as preliminares, vamos aos fatos. Os funcionários realizaram piquetes na reitoria, com o intuito de impedir não-adesões à greve. A reitoria, em um ato inédito, pediu a presença da PM para a reintegração de posse do edifício. É bom lembrar que houve uma ocupação da reitoria feita por estudantes há dois anos - e nem mesmo após mais de um mês de ocupação a polícia foi chamada para intervir. Ressalte-se que neste caso haveria, de fato, uma reintegração de posse. No caso atual a reintegração é no máximo parcial, visto que passei alguns dias em frente à reitoria e nada vi que fosse particularmente acintoso por parte dos funcionários em greve. De todo modo, no dia 1º de junho a PM estava no campus pela primeira vez em muitos anos.
Isso, obviamente, gerou revolta em boa parte dos estudantes ainda reticentes em entrar em greve - seja por falta de mobilização estudantil, seja por ausência de motivos reais. E a maioria dos cursos que tradicionalmente apoiam as manifestações entrou em greve. Poucos dias depois da PM entrar no campus, os professores também entraram em greve - e é bom dizer que eles estavam muito mais reticentes em entrar em greve, e não sem motivos: o plano de carreira deles pode ser alterado sem qualquer cerimônia, afetando boa parte dos docentes em médio e longo prazo.
Assim, com os 3 setores em greve (desconsiderando, por óbvio, os estudantes e professores de unidades como a FEA (Faculdade de Economia e Administração) e a Escola Politécnica (que abriga as várias engenharias), que nunca fazem parte das manifestações, seja pelo exagero do ME, seja por um conformismo típico de classe média), a reitora, que já havia metido os pés pelas mãos ao chamar a PM para resolver um assunto que só se agravaria com a presença de policiais, perdeu o controle da situação. Afinal, a força que o movimento dos estudantes não tinha surgiu e realizou atos em frente ao portão principal da universidade.
E chegamos ao dia 9 de junho de 2009, dia que restará infame para os anais da universidade. As notícias estão por aí, o Diego fez um bom resumo da situação. Agora passarei a uma parte mais pessoal do post.
Fui contra a greve em todos os momentos, mesmo após a presença da PM no campus. Não creio que a greve seja uma resposta adequada à situação, por vários motivos. Hoje, um pouco cansado pela leitura de Quincas Borba, resolvi tirar um cochilo na parte da tarde. Acordei às 18h45 com pessoas falando comigo no MSN, querendo saber se eu sabia do que estava acontecendo. Fui ver e fiquei estarrecido. Minutos depois meu pai me ligou, preocupado. Disse para eu não ir. Como sou meio impulsivo fui. E encontrei centenas de pessoas no meio da avenida Luciano Gualberto, numa assembleia. Soube do que houve.
Não tenho nenhuma simpatia pelos partidos que comandam o ME. Nenhuma simpatia pelas comparações de nosso período com a ditadura militar (antes alguma democracia que democracia nenhuma). Nenhuma simpatia para com grevistas de carteirinha, que em parte são responsáveis pelo que houve nesta terça-feira. Mas não posso deixar de afirmar o óbvio, o evidente: o governo e a reitoria passaram dos limites do tolerável.
Se enganam aqueles que dizem que foi algo “justo”. Não pode ser justo uma força da polícia perseguir pessoas por 500 metros adentro da universidade. Não pode ser justo todos os policiais presentes estarem sem a devida identificação. Não pode ser justo o comandante da polícia dizer que interviu porque policiais “tinham sido feito reféns”. Com quem este homem está brincando? É assim que ele pretende se sair da acusação de força desproporcional? É assim que pedem para que confiemos na polícia?
Não é mais possível permanecer neutro, como eu disse acima. É preciso mostrar que não se pode tratar deste modo pessoas que protestam pacificamente contra um governo que impõe decisões, abstém-se do diálogo e pretende garantir o monopólio da razão. Havia os manifestantes que buscavam confronto direto com a polícia? Claro que havia. Estes são uma minoria. E não devem servir de base para fazer centenas de pessoas de bem passarem momentos de medo. Os vídeos estão na internet. Está provado, de uma vez por todas, que esta senhora que se diz reitora, embora tenha auto-ajuda e Paulo Coelho como leituras preferidas, não tem mais a mínima condição de permanecer no topo da hierarquia de uma instituição que já teve mentes brilhantes deste país.
Miguel Reale, que muitos chamam de “direitista”, “reacionário”, “safado” e outras coisas piores, quando foi reitor da Universidade de São Paulo JAMAIS permitiu que a ditadura reprimisse estudantes dentro do campus. Ele era coerente com seus princípios, por mais questionáveis que sejam suas posições. É do jogo termos discordâncias. Mas não é do jogo intimidar os estudantes com a truculência típica da PM. Em Paraisópolis, neste ano mesmo, eles tinham a desculpa de que lá havia traficantes e bandidos. Hoje havia flores e palavras de ordem. Nada mais brega. Nada mais inofensivo.
Enquanto o governo estadual não oferecer diálogo, enquanto não abrir mão da bomba de efeito moral como instrumento político, enquanto esta reitora não renunciar ao cargo, estarei ao lado dos estudantes. E depois disso espero que o ME se modernize. Não se pode mais expor as pessoas a esse risco - mas impera a necessidade de eliminar esse risco. Leia-se: a polícia não negocia com estudantes.