Desde o ano passado intelectuais do movimento negro e da luta de combate ao racismo e pela igualdade racial vêm denunciando as práticas de apartheid da prefeitura de São Paulo na Virada Cultural.
É impressionante como a classe média paulistana não se dá conta disso. Então vamos à luta: segue um texto publicado no ano passado, houve outros, mas selecionei este pra reflexão.
Não deixem de ler também os posts do jornalista Luiz Carlos Azenha sobre o mesmo tema, debatendo como a mídia é surda, cega e muda pra este apartheid sócio-racial: São Paulo: Tirando os pobres do centro e O 'Pertencimento' em São Paulo'
Apartheid: espaço negro é discriminado e vigiado na Virada Cultural
[Segunda-Feira, 28 de Abril de 2008 às 15:43hs]Por Dennis de Oliveira*
Entre tantos confetes despejados pela mídia para a Virada Cultural -principalmente pelo fato do Poder Público mobilizar sua estrutura para criar um "simulacro" de paz no degradado centro de São Paulo, permitindo que a classe média possa passear tranquilamente nas ruas cotidianamente ocupadas por mendigos, trombadinhas, prostitutas, vendedores de crack e outros párias - não passaram despercebidas as atitudes racistas da organização do evento para quem freqüentou o espaço destinado à apresentação dos grupos de hip-hop e black music.
Dentro da filosofia de segmentação dos espaços de acordo com os ritmos apresentados, a organização da Virada Cultural "segregou" o hip-hop e a black music para um local mais distante do centro, a Praça Cívica do Parque D. Pedro, atrás da antiga sede da prefeitura, o Palácio das Indústrias. O local é de acesso difícil e fica mais distante da maioria dos espaços centrais onde aconteceram outras apresentações.
Os freqüentadores deste espaço na Virada, além de enfrentarem a distância, ainda passaram pelo constrangimento da ação ostensiva da Polícia Militar que mobilizou o seu maior contigente para este local e ainda praticaram atos que não se verificaram em outros espaços, como uma rigorosa revista em bolsas, sacolas e no próprio corpo, tanto em homens como em mulheres.
A entrada de cervejas e refrigerantes em lata foi proibida (ao contrário de outros locais, onde a venda de bebidas era livre). O rapper Rappin' Hood afirmou: "Estamos sitiados". Para Thaíde, "a localização do palco é uma forma de demonstrar o preconceito". Estas duas declarações foram publicadas na matéria Rappers reclamam de revista da polícia e do local do palco publicada na Folha de S. Paulo de 28 de abril, na página E-5.
Na mesma página, a Folha de S. Paulo dá destaque para uma ação policial que impediu a apresentação de um grupo francês de dança no largo Santa Ifigênia. Esta mesma matéria é iniciada da seguinte forma: Foco de atenção da última Virada Cultural com o show dos Racionais MC's na praça da Sé - que terminou em pancadaria entre policiais e espectadores - o hip hop ficou longe do núcleo da festa nesta edição do ano. O que se infere desta abertura da matéria é que a discriminação deu-se por conta de uma visão construída, a partir da generalização de um fato particular, de que show de rap é um risco e, portanto, deve ser segregado e colocado sob rígida vigilância.
A lembrança ao episódio do ano passado que envolveu os Racionais também é lembrada na matéria sobre o problema com o grupo francês de dança, com destaque inclusive no "olho" (O secretário municipal de cultura … disse que a ferida de 2007 ainda estrá aberta). Traduzindo: o fato que ocorreu no show dos Racionais no ano passado prejudicou, em primeiro lugar (seguindo a hierarquia estabelecida pelo jornal em termos de destaque) a apresentação do grupo francês de dança e também foi responsável pelo constrangimento a que tiveram que passar os fãs de hip-hop e black music neste ano.
A culpa é dos pretos pobres que impedem que se civilize a cultura e o centro de São Paulo degradado pelos párias (prostitutas, mendigos, "crackeiros", bêbados). No palco do samba, na Santa Ifigênia, durante a apresentação do Quinteto em Branco e Preto no domingo à tarde, um grupo de jovens, brancos e de classe média, se divertia fumando cigarros e cigarros de maconha, bebendo latas e latas de cerveja e outras bebidas alcóolicas, apresentando-se totalmente tontos e prestes a cair em cima de pessoas - atitudes que socialmente são justificadas pelo visual "hippie" e pela permissividade de comportamentos quando estes são praticados por pessoas da classe média branca em espaços negros.
Nenhuma crítica moralista nisto, mas nota-se com os fatos que o inverso não é verdadeiro. Ou será que jovens negros podem ficar alterados com bebidas e drogas na apresentação, por exemplo, de um grupo de dança francês?
*Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, jornalista, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, presidente do Celacc (Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação) e membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro). E-mail: dennisoliveira@uol.com.br