Por Fátima Conti*
Curiosamente, uma boa resposta que se pode dar a essa pergunta é entender porque ela está sendo feita. Assim, precisaremos definir alguns termos e recuar um pouco na história para conseguir chegar a um razoável entendimento. [caption id="attachment_894" align="aligncenter" width="300" caption="Charge de Carlos Latuff a respeito do projeto Azeredo, clique na imagem para ampliar."][/caption] Propriedade privada e propriedade intelectualAté a Idade Média havia um enorme controle da divulgação de ideias, pois o número de cópias de cada obra era pequeno e limitado pelo trabalho manual, longo e tedioso, dos copistas.
Aproximadamente em 1455, as contribuições do inventor alemão Gutemberg para a tecnologia da impressão e tipografia, introduzindo tipos individuais de metal, desenvolvendo tintas à base de óleo e aperfeiçoando uma prensa gráfica, começaram a mudar essa realidade.
A iminente democratização da informação fez com que soberanos se sentissem ameaçados e logo concederam aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização de todos os títulos que editassem. Em contrapartida, os editores vigiariam para não fossem editados conteúdos desfavoráveis à ordem vigente, inclusive exercendo censura.
Esse privilégio, portanto, não tinha como objetivo dar qualquer direito ao escritor da obra, mas apenas garantir o monopólio de sua reprodução, daí sobrevindo o termo Copyright, ou seja, o direito de cópia.
Só durante a Revolução Francesa foi reconhecido o direito do autor sobre a sua criação. Em 1777 foi estabelecida uma distinção na natureza jurídica entre autor e editor: ao”trabalho intelectual” do primeiro foi dado o privilégio de “propriedade intelectual”, ao passo que o privilégio do editor foi uma “liberalidade”
Até a virada do século XIX para o XX as leis referiam-se apenas à reprodução de textos em papel e a material impresso, já que havia preocupação em regular o uso de uma única máquina, a imprensa.
Entretanto, por volta de 1900, para garantir lucros com as novas tecnologias que estavam surgindo, o Copyright foi ampliado de modo que abrangesse quaisquer obras, independentemente do meio (media) em que eram distribuídas. Assim, foram desenvolvidas regras de direitos de cópia específicas para cada novo meio: cinema, gramofone e rádio.
Entretanto, propriedade é algo muito bem definido juridicamente.
Note-se que alguém que comprou algo está garantindo para si a utilização de um bem. Por exemplo, se alguém possui uma caneta, a propriedade privada desse objeto garante ao dono o acesso a ele quando bem entender e o seu uso da forma que desejar, inclusive de poder vendê-la, doá-la ou emprestá-la. Atenção especial deve ser dada à exclusividade de uso que muito interessa ao proprietário, pois, se a caneta for compartilhada com alguém, no momento em que a segunda pessoa a estiver usando, a primeira estaria privada do uso.
Evidentemente esses fatos são válidos para os bens materiais.
No entanto, há muito tempo se sabe que a propriedade intelectual é bastante diferente. Por exemplo, uma ideia só pode ser possuída se não for divulgada. E, quando o é, a ideia passa a pertencer a todos que a entenderam. E o mais interessante é que, mesmo então, a pessoa que a formulou nada perde com isso. Aliás, em geral acontece o contrário, quanto mais pessoas conhecerem seus textos, sua arte, sua música, maior será a boa reputação que o autor ganhará na sociedade.
Paralelamente, um escritor ou um compositor não produz sua obra para o seu próprio deleite. Assim, quanto maior for o número de pessoas que tomar conhecimento de suas criações mais o autor terá seu talento reconhecido.
Portanto, canções, poemas, invenções e ideias não têm a mesma natureza dos objetos materiais cuja posse é garantida pelas leis de proteção à propriedade de bens materiais. Efetivamente, cultura não é mercadoria.
Exatamente porque as ideias têm essa característica de, uma vez expressas, poderem ser assimiladas por todos que as recebem, surgiu o conceito de que deveriam ser protegidas de alguma maneira, para que seus criadores não ficassem desestimulados em criá-las e expressá-las.
Foi proposto que aquele que cria a ideia deve ter direito sobre ela, de modo que quando outra pessoa a utilize ou a receba, o autor tenha uma recompensa material. Ou seja, o direito autoral concedia ao autor um monopólio sobre a exploração comercial de sua obra, de modo que aquele que desejasse ler um livro, usar alguma invenção, ou ouvir uma música teria que pagar ao autor.
Quando a propriedade intelectual foi concebida no final do século XVIII, sua finalidade era conceder ao autor um monopólio sobre a exploração comercial da obra, de forma que quem quisesse ler o livro que tinha escrito ou escutar a música que tinha composto, teria que pagar a ele.
Na constituição dos E.U.A., de 1787, já está prevista a promoção do progresso das ciências e das artes úteis assegurando aos autores e inventores, por um período limitado, o direito exclusivo aos seus escritos e descobertas e conseguir a justa recompensa pelo seu esforço e talento, sempre visando o bem comum.
Entretanto, se só uma pessoa poderá explorar os benefícios da ideia, até que ponto a introdução do direito de propriedade intelectual, ao invés de promover, termina por constranger o progresso do saber, da cultura e da tecnologia? E por quanto tempo o autor terá acesso exclusivo a esse bem? Evidentemente, se a duração do direito for longa demais, pode-se dificultar o aproveitamento social da criação. Portanto, é necessário atingir um ponto de equilíbrio entre o estímulo à criação e o interesse social em usufruir o resultado da criação.
Em 1710, a primeira lei inglesa sobre direitos autorais deu ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos, com direito a renovação por mais 14 anos, desde que o autor estivesse vivo quando o período inicial expirasse.
Curioso é notar que as práticas da “propriedade intelectual” são severamente anti-capitalistas. Deve-se lembrar aqui que o capitalismo pressupõe concorrência e tanto patentes, como direito de cópia, ou marcas, são monopólios garantidos pelo estado. Os primeiros por um período de tempo determinado e as marcas por um período indeterminado.
A exploração comercial monopolista das distribuidoras
Assim, quando a propriedade intelectual foi concebida sua finalidade era conceder ao autor os ganhos exclusivos sobre a exploração de cópias da obra, sem concorrência.
Entretanto, de fato os autores poderiam auferir algum lucro?
Seria muito difícil. Pois, diferentemente do trabalho manual que modifica a matéria prima, e produz alterações nos objetos, aumentando seu “valor de uso”, o trabalho intelectual não possui necessariamente “valor de uso” vinculado a um objeto que possa ser vendido, ,já que as ideias não são materiais.
E, se uma ideia for reproduzida verbalmente não terá “valor de troca”, por maior que seja o seu “valor de uso”, pois não está limitada à produção de um meio material.
No entanto, isso acontecerá se a ideia for copiada em algum meio material, como o papel, por exemplo.
Assim, um escritor só poderá explorar a sua obra se também se tornar um editor e confeccionar um objeto vendável, como um livro ou um CD. E teria que possuir uma editora, com todos os seus equipamentos e funcionários. Evidentemente, a grande maioria dos escritores não quer assumir esse papel e não tem condições para tal.
Entretanto, a compra de uma obra intelectual implica na aquisição conjunta de um bem e de serviços, ou seja, um meio material (por exemplo: o papel) sob o qual é realizado um serviço (a cópia). Após a invenção da imprensa, houve grande diminuição de custos dos serviços de cópia, o que obrigou os autores a alienarem seu “trabalho intelectual” aos editores, os detentores dos meios de produção que, em contrapartida, exigiram dos autores a concessão do monopólio da distribuição das obras.
Portanto, embora o “trabalho intelectual” tenha um grande “valor de uso” em qualquer sociedade, seu “valor de troca” será sempre determinado por um produto (exemplos: o papel, o CD) em que estão embutidos serviços (exemplos: cópia manual, cópia impressa).
Assim, o autor precisa ceder seus direitos de exploração, sem concorrência, e acaba obrigado a dividir os lucros de sua criação. Pior ainda, nessa relação, o elo fraco é o autor, já que a distribuição de livros, discos e outros produtos sempre foi relativamente cara. É preciso considerar ainda que há muitos autores e poucas empresas interessadas.
Portanto, as empresas sempre tiveram muito poder para acertar as condições contratuais e geralmente conseguem uma exorbitante participação nos lucros provenientes da exploração comercial na venda de cópias da obra. Evidentemente, pelo fato do monopólio de exploração comercial ser cedido integralmente para as empresas, não são os autores os que mais se beneficiam. Quem efetivamente lucra são essas distribuidoras, as grandes empresas da indústria cultural.
A cópia doméstica
Entre 1800 e 1940 ocorreu uma época áurea para o Copyright, pois, por exemplo, ler e imprimir um livro exigiam equipamentos completamente diferentes.
Mas, em 1944, quando as tropas americanas libertaram a cidade de Luxemburgo, encontraram uma máquina alemã capaz de gravar som em fitas magnéticas. Esse gravador de cassete trazia algo realmente novo: integrava em um único dispositivo a capacidade de audição e de gravação, ou seja, a possibilidade de efetuar cópias.
A evolução dos computadores levou-os por esse mesmo caminho. Eles são máquinas que se destinam à cópia. Isto é, permite que possamos copiar qualquer tipo de arquivo, independentemente de sua natureza, sejam eles textos, imagens animadas ou não, sons, ou vídeos.
O estabelecimento da Internet possibilitou algo que não existia antes do século XX, os diversos meios de gravação atualmente são possíveis em um único meio. E a distância física desses conteúdos deixou de ser importante.
Com a utilização de computadores as funções de publicação, divulgação e distribuição de obras intelectuais, que geralmente eram realizadas por editoras, produtoras e gravadoras e passaram a poder ser realizadas pelo próprio autor em páginas pessoais. E, de maneira mais rápida e menos burocrática.
Assim, qualquer pessoa que possua um computador conectado à Internet pode ter acesso a livros, músicas, filmes e programas produzidos por autores em qualquer lugar do planeta e, em muito pouco tempo, pode copiar uma obra para seu computador. E isso acontece sob um custo bastante baixo, já que
? o próprio usuário localiza a obra desejada e realiza a cópia; ? o sistema de cópia é eficiente, produzindo exemplares com boa qualidade; ? o meio material em que ficará a obra é um dispositivo de armazenamento magnético (exemplos: disco rígido, pendrive) ou ótico (exemplos: CDs, DVDs), que tem se tornado cada vez mais barato.
Portanto, o custo de reprodução de coleções de livros e músicas tornou-se praticamente insignificante, permitindo que qualquer pessoa possua uma grande biblioteca / discoteca pessoal em formato digital.
Aparentemente, as indústrias que se servem do Copyright não acompanharam a evolução da tecnologia e seu modelo de negócios baseado em uma monopolista produção de cópias tornou-se insustentável.
Assim, elas querem separar a simples utilização do processo de gravação. Ou seja, para garantir os seus lucros ao vender cópias, querem definir como criminosa qualquer atitude que produza essas mesmas cópias.
Para quem conhece a história do computador e da Internet essa postura é algo terrível. Afinal, o que mais é a Internet senão um sistema que permite cópia?
Interessante é notar que as cópias não legítimas aparentemente afetam pouco a indústria. É só lembrar que o próprio sistema operacional Windows, pertencente à poderosa MicroSoft, continua sendo, de longe, o mais utilizado e comprado em todo o mundo, embora também seja o que tem maior número de cópias ilegais.
E é claro que tudo isso não significa a eliminação de editoras, produtoras e gravadoras. Basta notar que a digitalização de obras intelectuais não aboliu a impressão/ gravação de livros e discos. Por exemplo, livros que já se encontram sob domínio público continuam sendo impressos embora sejam encontrados facilmente na Internet. As editoras continuam imprimindo-os, inclusive em edições ilustradas e luxuosas.
Portanto, aparentemente quem copia um arquivo não é necessariamente alguém que compraria aquele filme, vídeo ou música no varejo se não pudesse copiá-lo na Internet. E sempre haverá pessoas interessadas em adquirir as cópias, por comodidade ou por capricho. Paralelamente, o autor vê seu trabalho tendo grande “valor de troca” enquanto permanecer inédito. Assim, o pioneirismo na exploração de uma ideia garante um período de vantagem em relação à concorrência. Isso fica muito claro quando uma invenção é comercializada. Rapidamente é copiada por empresas concorrentes. Assim, não são as patentes que garantem os lucros das empresas, mas o pioneirismo.
As distribuidoras contra a cópia doméstica
As indústrias distribuidoras de medias de armazenamento, tais como fitas cassete e Cds sempre tentaram obstruir a difusão de tecnologias de gravação doméstica. E sempre usaram políticos para fazer aprovar leis que as beneficiassem. Por exemplo:
? em 1964, quando a Phillips lançou o cassete de aúdio, a indústria fonográfica primeiro tentou impedir o lançamento do equipamento e, depois, fez lobby no Congresso para que fosse criado um imposto sobre os cassetes virgens para compensar as “perdas” da indústria resultantes das cópias que os usuários fariam, no futuro, de seus LPs para as fitas cassete.
? em 1976 quando a Sony lançou o videocassete formato Betamax, enfrentou um processo, movido pela Universal Studios e a Walt Disney que a acusaram de incitar a violação dos direitos autorais. Felizmente, após oito anos, a Suprema Corte estadunidense reconheceu que a pessoa que gravava um programa exibido na TV não praticava pirataria.
? em 1987, foi lançada a fita de áudio digital, que permitia gravações digitais fiéis sem recurso à compressão de dados. Embora tenha apenas conquistado o mercado dos profissionais de áudio, essa fita fez com que a indústria fonográfica pressionasse de modo que várias leis e emendas foram propostas no Congresso americano objetivando limitar a capacidade de reprodução dos aparelhos e taxar as fitas virgens.
? em 1992, em seu último dia de mandato, o então presidente Bush (pai), ratificou o “Ato sobre a gravação doméstica de áudio” que tinha sido aprovado no Congresso, por voto oral (ou seja, não se têm registros sobre quem votou a favor e quem votou contra). Dentre outras medidas, o Ato instituiu um imposto, 2% sobre o preço de venda dos aparelhos e de 3% sobre o preço de venda das fitas virgens. Após ser recolhido o imposto seria assim distribuído: 57% para as empresas (gravadoras e editoras musicais) e apenas 43% para os autores, demonstrando que eles jamais foram o beneficiário principal da lei dos direitos autorais. O Ato também obrigou todos os aparelhos de áudio digital a serem equipados com um dispositivo que impedia a cópia em série, isto é, após feita uma cópia, não se podia fazer outra cópia a partir dela.
Nada, entretanto se compara às medidas internacionais que a Associação da Indústria Discográfica Norte-americana (RIAA), a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a Motion Picture Association of America (MPAA), a entidade que defende os interesses dos maiores estúdios produtores de filmes dos E.U.A. propuseram recentemente ao G8 (grupo do países mais desenvolvidos e Rússia).
Em 2008 o G8 apoiou o estabelecimento do ACTA – “Anti-Counterfeiting Trade Agreement”, Tratado de Comércio Anti-Pirataria que, se cumprido, promoverá a existência de um Estado policial digital que deverá obrigar todos os países a tomar severas medidas que tentarão restringir o uso de equipamentos, de formatos de arquivos, ou de procedimentos que são habitualmente realizados por um enorme número de pessoas nos mais diferentes países, efetivamente restringindo a liberdade de seus cidadãos.
Tais medidas se dividem em 3 grandes grupos:
1. Alfândegas – Funcionários de alfândegas revistarão aparelhos eletrônicos tais como celulares, mp3 e notebooks, em busca de violações de direitos autorais. Se encontrado algum indício o aparelho poderá ser confiscado ou destruído e o portador será multado.
2. Cooperação dos Provedores – Os provedores de serviços a internet deverão ser obrigados a fornecer informações de clientes às autoridades, inclusive sem o devido mandato, ou aval da justiça.
3. Entidades de Fiscalização – Prevê a criação de uma agência que implemente medidas para fiscalizar e regulamentar as medidas a serem tomadas.
Ainda há outras exigências que incluem até a permissão para que autoridades judiciais possam dar continuidade a processos sem identificar os processados.
No caso do Brasil, a lei do senador Azeredo nos artigos 285-A e 285-B objetiva criminalizar o acesso a sistemas informatizados e dispositivos de comunicação sem a autorização do titular da rede.
Ou seja, não se trata só de criminalizar a pirataria, que copia em série para posterior venda. Trata-se de impedir mesmo uma cópia única, e o compartilhamento da cópia, sem objetivos comerciais. Assim, mesmo um consumidor que adquiriu um produto legítimo, não poderá fazer uma cópia para backup ou para uso pessoal.
Aparentemente, como a lei de Copyright admite discussão sobre qual é a utilização justa de obras protegidas, a lei do senador Azeredo está tentando bloquear o compartilhamento de arquivos digitais, criminalizando as formas de acesso a eles.
As redes P2P
É importante esclarecer que em 1999 o estudante Shawn Fanning conseguiu construir o Napster, um programa computacional que conseguia executar algo novo: a descentralização do armazenamento dos arquivos em servidores de Internet. Ele projetou um sistema em que usuários poderiam acessar arquivos em pastas compartilhadas em computadores de outras pessoas, ponto a ponto. Assim, os arquivos ficam no computador de cada usuário e o servidor do Napster só disponibilizava os links de acesso a eles.
Na época o programa superou a dificuldade de encontrar e copiar música em formato MP3 na internet. Na ausência de um servidor que armazenasse os arquivos, o funcionamento da rede Napster exigia a constituição de uma comunidade de usuários que compartilhasse suas músicas de maneira generosa. Ou seja, se todos estivessem na rede apenas para copiar músicas e se recusassem a disponibilizar os seus próprios arquivos, a rede fracassaria. De modo impressionante, a comunidade Napster revelou não ser egoísta: mesmo perdendo uma boa parte de sua banda de acesso, as pessoas disponibilizaram músicas para outras pessoas que nem conheciam.
Assim, não se tratava de um grande servidor distribuindo música pirateada, mas de uma rede de usuários trocando generosamente arquivos de música entre si. Uma situação semelhante ao hábito que as pessoas sempre tiveram de gravar fitas cassetes para os amigos.
Entretanto, a RIAA, a associação das gravadoras americanas iniciou um processo contra o Napster, já que a a rede poderia conter milhões de usuários.
Muitas discussões públicas aconteceram durante todo o processo, evidenciando o o caráter de desobediência civil que envolvia o uso do programa. Apesar de uma enorme campanha de propaganda nos órgãos de imprensa, as pessoas continuaram a aderir à rede Napster, demonstrando que consideram ilegítima uma lei que impede a livre troca de bens culturais.
Paralelamente, aconteceu um debate sobre a remuneração dos artistas e sobre as dificuldades de se compatibilizar a livre troca de informações com o sustento de uma classe de criadores profissionais remunerados. A possibilidade de uma sociedade sem direitos autorais começou a ser amplamente discutida.
Software livre
Para surpresa de muitos, um modelo já existente na área de Informática atende esses requisitos e envolvia um movimento iniciado por programadores que já estava sendo aplicado e está se mostrando viável.
Um dos principais expoentes desse movimento é o programador Richard Stallman, que, no início dos anos 80 trabalhava no laboratório de inteligência artificial do MIT. Ele abandonou seu emprego ao constatar que as licenças de direitos autorais que negavam acesso ao código fonte dos programas (para impedir cópias ilegais) também restringiam liberdades que os programadores sempre haviam usufruído, antes do mundo da informática ser dominado por grandes empresas: a liberdade de executar os programas sem restrições, a liberdade de conhecer e modificar os programas e a liberdade de redistribuir esses programas na forma original ou modificada entre os amigos e a comunidade.
Stallman iniciou um movimento para produzir um sistema operacional e programas que resguardassem aquelas liberdades que os programadores conheciam antes das restrições empresariais. Esta iniciativa resultou na criação da “Free Software Foundation” – FSF, Fundação para o Software Livre, que foi fundamentada juridicamente com a redação da GNU – General Public License (Licença Pública Geral do GNU).
A filosofia da fundação repousa no entendimento que aquele que produz a informação recebe muito mais informação do que cria. Isso se torna óbvio quando se constata que cada programador cria algumas linhas em cima de milhões de linhas de código que outros já produziram antes.
Excetuando-se poucos funcionários que recebem salários relativamente baixos da fundação, a maioria dos desenvolvedores do GNU/Linux é composta por programadores ligados a empresas e universidades que contribuem voluntariamente para o projeto.
Em 1991 um estudante de Ciência da Computação da Universidade de Helsinki, Finlândia, Linus Torvalds, publicou uma versão gratuita do “kernel” (núcleo do sistema operacional que gerencia aplicativos e funções de um computador, como drivers, memória e sistema de arquivos) do Linux, que logo foi adotado por muitos.
Portanto, a fundação tem como objetivo não só romper monopólios, mas, fazê-lo por meio de um empreendimento coletivo e, em grande parte, voluntário.
Crime ou desobediência civil?
Sabe-se que desde que obras e patentes começaram a ser registradas, os direitos sobre elas passaram a ser violados.
Há que se considerar que uma parte dessa violação é crime e outra é desobediência civil. É importante notar que o crime é uma violação da lei. É clandestino e existe o entendimento de que a lei violada é uma lei legítima. Já a desobediência civil é pública e é motivada pelo caráter ilegítimo da lei.
Evidentemente, a pirataria comercial é apenas crime. Mas o que dizer de pessoas que reproduzem uma obra para fins não comerciais?
Por exemplo, sempre se encenou peças teatrais em escolas. E as pessoas sempre declamaram poesias, cantaram e tocaram canções para os amigos e para a comunidade sem pagar os direitos. Isso sempre ocorreu, mesmo na época em que alguém tinha que copiar manualmente os textos.
Evidentemente, à medida que a tecnologia disponibilizou aparelhos domésticos de gravação como o mimeógrafo, o gravador e a fotocopiadora, as pessoas automaticamente continuaram a reproduzir cópias, de modo cada vez mais fácil, livros, letras e músicas de canções, fotos e vídeos, para si e seus amigos, sem pagar os devidos direitos.
E, quando surgiu a possibilidade de reprodução digital de arquivos, continuaram a fazê-lo, já que intuíam que aquele pagamento não fazia sentido, pois apenas estavam usufruindo desse bem coletivo que é a cultura humana. Copyleft
Stallman concebeu um tipo de licença de direitos autorais que assegurasse a manutenção das liberdades em versões reproduzidas e melhoradas dos programas, à qual denominou Copyleft . O termo surgiu em uma carta de um amigo que havia escrito: “Copyleft: all rights reversed” (Esquerdos autorais: todos os direitos invertidos), contrapondo-se à nota que é encontrada em muitas obras: “Copyright: all rights reserved” (Direitos autorais: todos os direitos reservados).
O Copyleft ou Licença de Documentação Livre, baseia-se em diferentes tipos de licenças que permitem ao autor, garantindo o reconhecimento de sua produção e autoria, estabelecer os usos que autorizam e os que limitam a sua obra.
O autor abdica dos direitos de propriedade em favor da livre circulação das criações intelectuais, pois o Copyleft encara os utilizadores de conteúdo como potenciais criadores. A licença permite a livre cópia, divulgação e, até, a modificação do original, e torna possível a difusão do conteúdo para um maior número de pessoas.
Portanto, “Software livre” se refere à liberdade dos usuários executarem, copiarem, distribuírem, estudarem, modificarem e aperfeiçoarem o programa e refere-se a quatro tipos de liberdade:
? liberdade 0: pode-se executar o programa, para qualquer propósito,
? liberdade 1: pode-se estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as próprias necessidades,
? liberdade 2: pode-se redistribuir cópias a quem as deseje e
? liberdade 3: pode-se aperfeiçoar o programa, e liberar os aperfeiçoamentos, para que toda a comunidade se beneficie.
Evidentemente o acesso ao código-fonte é um pré-requisito para as liberdades 1 e 3.
A licença garante a livre distribuição e modificação das obras e, em contrapartida, as novas distribuições ficavam vinculadas à mesma licença.
Assim, um programador pode modificar um programa livre, mas necessariamente o novo programa resultante destas modificações deve ser distribuído nos mesmos termos da GPL. A pessoa que copia e aprimora um programa livre, fruto de esforços coletivos voluntários, deve respeitar a condição de manter as suas características: o direito de rodar livremente, de modificar livremente e de copiar livremente.
Ou seja, a licença não permite que, a partir do produto base, alguém faça uma alteração, e o patenteie sob uma licença “Copyright” e o venda sob essa licença. Se for feita alguma alteração, a obra tem que ser liberada para a sociedade de acordo com a mesma licença e, se a obra for modificada e comercializada, existe a obrigação de referenciar o(s) autor(es) original(is).
Evidentemente, corre-se risco de apropriação em países onde não existe legislação específica para este tipo de licença,onde alguém pode simplesmente se apoderar de uma obra e registrá-la em seu nome. Isto é, corre-se exatamente o mesmo risco relativo ao Copyright: se houver uma utilização indevida da obra sem conhecimento do respectivo autor, esse deverá iniciar um processo legal contra o infrator, seja qual for a licença do produto.
Note-se que o objetivo não é acabar com os direitos de autoria. O que as licenças de Copyleft propõem é divulgar uma alternativa legal ao atual sistema de propriedade de direitos intelectuais.
Aliás, à medida que a tecnologia aumenta a facilidade de cópia transforma o Copyright em algo quase inútil. Como todos sabem, as violações de licença e as cópias sem autorização são extremamente frequentes. Assim, se assumirmos que é quase impossível evitar tais ações provavelmente conseguiremos proteger a autoria.
Ressalte-se que, tanto como a população em geral, muitos criadores não conhecem essas licenças corretamente e sujeitam-se à lógica dominante apenas por desconhecerem outras alternativas.
Importante é notar que a licença Copyleft não impede a comercialização da obra, desde que a empresa permita a livre distribuição e modificação da obra produzida. Por exemplo, uma editora pode editar e vender uma obra distribuída na Internet sob Copyleft, de maneira semelhante às obras que já estão sob domínio público. Mas, como a licença não permite ações monopolistas, não poderá impedir que outra editora o publique ou que uma pessoa copie o livro impresso por qualquer meio.
Inicialmente, apenas programas computacionais começaram a ser criados sob essa licença, mas, depois, o movimento pela livre circulação da cultura e do saber estendeu-se a outros tipos de conteúdos, especialmente os artísticos, literários, musicais, científicos e jornalísticos.
Em 2001 surgiram outras licenças que estão consagradas pela Creative Commons, uma organização sem fins lucrativos fundada por Lawrence Lessing, professor de Direito da Universidade de Stanford. Quando um autor escolhe a licença para a sua obra, decide se alguém pode ou não fazer uso comercial, se pode modificá-la ou se a obra derivada deve ou não ter o mesmo tipo de licença relativamente à original.
Isso foi necessário e eficiente pois por exemplo, a livre modificação de textos pode ser aplicada a alguns tipos de trabalhos, como textos de manuais de programas, que até podem ser empreendimentos coletivos. Já, com relação à produção científica, a modificação do texto não faz sentido, pois é absolutamente necessário identificar o autor, atribuir-lhe responsabilidades e garantir a confiabilidade da fonte.
Em geral essas novas licenças são centradas na manutenção da integridade da obra e usam o Copyleft para garantir a liberdade de reprodução. E garantem ao autor o direito de ser remunerado quando seu trabalho intelectual tiver que ser consubstanciado em meio físico para fins de comércio. Assim, supera-se a velha ideologia da “propriedade intelectual” e instala-se a tutela do “trabalho intelectual”. O estímulo ao criador
Uma pergunta se faz necessária: o estímulo material é o único e o melhor estímulo que pode-se dar para o desenvolvimento do saber, da cultura e da tecnologia?
Ou seja, antes das leis de propriedade intelectual aparecerem, as pessoas não tinham estímulo para escrever poesia, prosa, canções? Ninguém queria inventar algo?
Será que a falta de perspectiva de recompensa material, antes da lei dos direitos autorais ser promulgada, impediu que pessoas talentosas como escritores, pintores, cientistas, filósofos se dedicassem à música, à pintura, à literatura, à ciência?
A resposta, evidentemente é uma negativa. Um talento é um dom. E, aparentemente, os talentosos são movidos para a prática intelectual pelo desejo de se distinguirem, pelo desejo de auxiliar a comunidade, pela expectativa do reconhecimento, em vida ou póstumo, ou, simplesmente, pelo simples amor pela sua arte.
É importante responder outra pergunta: Os talentosos poderiam contribuir para esse bem coletivo e anônimo que é a cultura humana sem, antes, ter usufruído e incorporado a contribuição de muitos outros talentosos, contemporâneos e do passado?
Deve-se lembrar que todos sempre fomos beneficiados por ideias alheias. Por exemplo, imagine que o nosso alfabeto fosse patenteado. Não se poderia escrever ou ler sem pagar para usá-lo. E o alfabeto provém do criação de muitas pessoas, inclusive separadas no tempo e no espaço, que o criaram e melhoraram até se tornar no que é hoje.
Assim, também deve-se perguntar: Os talentosos devem ser remunerados por suas contribuições?
Acredito que a absoluta maioria das pessoas concorda que é preciso estimular materialmente o criador.
Porém, é óbvio que deve-se desenvolver um sistema que premie as boas ideias, sem limitar a criação, nem dar a fabricação de algum objeto que possa ser construído a partir de uma ideia para um empreendedor monopolista. Concursos podem ser uma boa maneira de premiar as melhores ideias.
E como fica o autor?
Evidentemente, o monopólio do direito de cópia é contrário ao interesse do autor em ter sua obra divulgada para o maior número possível de pessoas e recebe por isso apenas o que o distribuidor queira lhe dar, sendo que sua remuneração dependerá apenas da venda de sua obra materializada.
A livre divulgação da obra em meio digital em geral é muito benéfica ao autor pois, além de servir como ponto de venda da obra diretamente ao consumidor, lhe dá grande visibilidade, prestígio e o valoriza como um bom profissional no mercado,
Este prestígio social deve garantir a oferta de novos trabalhos por encomenda, inclusive na forma de palestras e shows que remunerarão seu trabalho intelectual.
Assim, o Copyleft privilegia o autor em detrimento do interesse das empresas.
As distribuidoras e a propaganda anti-pirataria
É evidente que estamos em uma época em que ocorrem muitas transformações e que a a velha economia, baseada na defesa irracional da indústria cultural, em detrimento da cultura e dos verdadeiros produtores da cultura, os autores intelectuais também deve se transformar.
Entretanto, na tentativa de sustentar a ideologia da “propriedade intelectual” a “indústria cultural” criou impressionantes estatísticas para alicerçar a tese que a pirataria acarreta prejuízo de bilhões de reais por ano.
Evidentemente, tais números são projeções que consideram que cada pessoa que copia uma obra intelectual, compraria o produto se não pudesse efetivar a cópia.
Aqui é interessante lembrar um caso concreto e muito próximo aos brasileiros: como explicar que “Tropa de Elite” foi o filme brasileiro mais compartilhado em redes P2P e também fez enorme sucesso de bilheteria do cinema nacional?
Também pode-se recordar que atualmente percebe-se nos E.U.A. uma evolução positiva do faturamento dos estúdios de cinema, apesar da cópia de arquivos torrent ser cada vez maior.
Nota-se, portanto que a pessoa que copia um arquivo não é necessariamente alguém que compraria aquele filme, livro ou música no varejo se não existissem serviços de torrent.
Há números alarmantes sobre o quanto o Brasil perde em impostos e empregos devido à alta proporção de programas piratas usados.
Entretanto, novamente, os valores consideram que cada pessoa que copia um programa, compraria e instalaria aquele produto se não efetuasse a cópia. Mas, ignoram quantos instalariam programas gratuitos e ou livres, ou sequer comprariam computadores se conseguissem avaliar corretamente os custos.
A ampliação dos direitos autorais para as distribuidoras
Paralelamente, com o passar do tempo, nota-se que à medida que obras em poder da indústria cultural aproximam-se do prazo de expiração dos direitos autorais, a lei dos direitos autorais estadunidense foi revisada e/ou protelada, mas sempre resultando em ampliação do período de direito de propriedade intelectual.
Por exemplo, em meados da década de 90, grandes empresas começaram a se preocupar com algumas de suas obras cujos direitos autorais expirariam em breve. Personagens como Mickey Mouse, Pluto, Pateta, Pato Donald e Perna Longa, filmes como “E o vento levou” e uma série de músicas de George Gershin, entre elas a canção “Rhapsody in Blue” e a ópera “Porgy and Bess” logo entrariam em domínio público.
A Walt Disney e a Time Warner fizeram uma campanha encabeçada no Congresso pelo Senador Trent Lott que, em 1998, resultou na ampliação dos direitos autorais após a morte do autor de 50 para 70 anos, caso o direito fosse propriedade de uma pessoa e de 75 para 95 anos caso o direito fosse propriedade de uma empresa.
Percebe-se que o tempo de monopólio foi gradativamente aumentado por políticos patrocinados por grandes editoras e grandes conglomerados de mídia e empresas que vivem de patentes. Assim, aquele ponto de equilíbrio que deveria existir entre o estímulo à criação e o interesse social em usufruir o resultado da obra criada passa quase a inexistir.
E a pedofilia e os crimes violentos?
O projeto de Lei Substitutivo 00076/2000 do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) teve um trâmite bastante estranho.
Em primeiro lugar havia várias pelo menos oito (8) versões preliminares e aparentemente houve épocas em que não se sabia qual estava em discussão. Houve protelações, adiamentos. Entidades foram alijadas do processo de discussão. O dia da votação foi marcado às pressas, exatamente a Subprocuradora-Geral da República e Coordenadora de Defesa dos Direitos Humanos e do Cidadão que havia opinado sobre a inconstitucionalidade de vários dispositivos da proposta no seminário na Câmara tinha entrado em férias. E, muito curiosamente, quando a matéria entrou em deliberação, o relator anunciou que poria em votação a versão de um substitutivo que ele havia enviado à Consultoria, e não a versão revisada pelo parecer que estava em pauta.
Assim, como afirma Colares, “se por um lado é importante termos respaldo legal para punir atos lesivos à sociedade”, é preocupante saber que um texto “cuja tramitação não teve transparência, não contou com a participação de importantes segmentos da sociedade e parte de premissas no mínimo estranhas ao ordenamento jurídico brasileiro” foi aprovado.
Paralelamente, outro projeto foi aprovado na mesma noite, o Projeto de lei (PLS 250/08) proposto pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Pedofilia, que criminaliza novas condutas envolvendo crianças e adolescentes e atualiza penas para crimes já previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É importante notar que os dois projetos tinham algo em comum pois o material contendo pornografia infantil envolvendo criança ou adolescente, pode ocorrer por vários meios, inclusive por computadores conectados à internet.
Relatos de pessoas presentes à sessão confirmam a confusão generalizada durante a votação: — “A gente nem sabia direito no que estava votando” – reclamou inconformado o senador Aloízio Heleno de Tróia”, a versão final do projeto não foi impressa para apreciação, nem estava na pauta de ontem.” —
“Alguém falou que tinha a ver com pedofilia, então a gente tinha que aprovar”, concordou a senadora Christiane F. Cumplicy de Azeredo, “ainda mais com a presença na sessão dos pais daquela menina, exposta na Internet daquele jeito horroroso!”. —
Aparentemente esse último comentário refere-se ao caso Maria Claudia Del’isolo, uma jovem assassinada brutalmente em Brasília, cujas fotos, já morta, circularam na Internet. Entretanto, no caso não houve qualquer violação de segurança, e nem transferência dos dados da rede da Policia Civil para a Internet. É importante notar que as fotos e qualquer outro conteúdo de um Processo Penal são públicos, só podendo ser sigilosos em casos muito específicos quando o segredo de justiça é decretado pelo juiz. Assim, a insistência do Senador Azeredo em vincular o PLC ao caso Maria Cláudia só reforça um grande temor constatado na Internet, ou seja, que o seu projeto tem a intenção de estabelecer um controle arbitrário da utilização da internet por parte do Estado.
Portanto, aparentemente, esse tema de forte apelo popular, a pedofilia, e crimes com violência sexual e morte foram utilizados para mascarar os interesses financeiros de instituições protegidas pela proposta do senador Azeredo e fazer aprovar ambos os projetos, sendo que o Projeto Azeredo não contempla medidas específicas para o combate à pedofilia ou aos crimes violentos.
O cibercrime
Crimes de informática ou cibercrimes são condutas ilegais realizadas com o auxílio de um computador, normalmente conectado à internet.
São muitos os tipos reconhecidos. Por exemplo: manipulação de caixas eletrônicos, pirataria de programas ou demais obras, plágios com ofensa a direitos autorais, abusos nos sistemas de telecomunicação, como envio de e-mails com conteúdo ameaçador, publicação de imagens de conteúdo ilegal, ofensivas à moral ou que envolvam pedofilia.
É importante notar que alguns cibercrimes ofendem a pessoa humana, a moral e os costumes, mas outros crimes tem traços fortemente econômicos.
O governo brasileiro tem demonstrado preocupação com a pirataria digital econômica que, aparentemente ocasiona, grandes perdas para o Fisco.
Considerações sobre a criminalização da pirataria digital
A pirataria digital, lesa principalmente os interesses das empresas distribuidoras, muito mais que aos autores. Portanto, a criminalização da pirataria digital tem, na realidade, o objetivo de garantir o monopólio do direito de reprodução da obra, monopólio esse que os “piratas” estão rompendo.
Evidentemente, o alto valor de livros, CDs, DVDs e de programas de computador é sustentado pela escassez de obras intelectuais que é criada artificialmente pelo mesmo monopólio do direito de cópia concedido pelo Estado às empresas que possuem os meios de efetuar tais cópias.
Essa escassez artificial, longe de beneficiar os direitos do autor da obra intelectual, praticamente só beneficia a chamada “indústria cultural”, em detrimento de uma grande camada da população, que fica impossibilitada de escolher entre o consumo de bens de subsistência e de bens culturais pois, devido aos preços elevados, obviamente é obrigada a consumir os primeiros, e isso a leva a permanecer fadada ao trabalho braçal, à ignorância e à miséria.
No plano internacional esse fato aumenta as diferenças existentes entre países desenvolvidos e os “em desenvolvimento” e, no plano nacional, aumenta o fosso cultural existente entre os membros de uma elite econômica e cultural e a grande massa da população.
Entretanto, a “indústria cultural”, que nada cria, apenas copia, jamais admitiu esses fatos e sempre tentou justificar o combate à pirataria sob a bandeira da proteção ao autor.
Aqui, cabe lembrar que o próprio ACTA foi elaborado quase que em segredo e foi noticiado como um tratado destinado a defender as pessoas do perigo de medicamentos falsos, só ficando clara a possível invasão da privacidade dos usuários de Internet a possível instalação de um Estado digital policial bem recentemente.
Ou seja, jamais a sociedade foi bem informada a respeito dos motivos que levam as empresas usarem políticos para viabilizar leis e ações que interessam enormemente a elas mesmas.
Conclusão
Como bem disse em 2003 o então ministro da Cultura, sr Gilberto Gil: “O maior constrangimento às nossas futuras liberdades pode vir não do governo, mas de departamentos legais das corporações, trabalhando para proteger, pela força, o que já não pode ser protegido pela eficiência prática ou pelo consentimento social geral.”
Assim, acredito que a pergunta mais importante que qualquer cidadão que viva em qualquer país democrático e capitalista deva fazer atualmente não é “Afinal, o que é o cibercrime?”, mas “O que os poderosos querem caracterizar como cibercrime? E por que?”
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*Fátima Conti – fconti@uol.com.br
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