Do Nós da Comunicação
João Casotti e Marcos Moura
O continente africano é historicamente apresentado com base em aspectos negativos, como miséria e conflitos étnicos. Para tentar reverter essa imagem, a TV Brasil vem apresentando, desde o dia 25 de setembro, todas as sextas-feiras, às 22 horas, a série ‘Nova África’, produzida pela Baboon Filmes, vencedora de concorrência pública.
Donos da produtora, os repórteres cinematográficos Henry Ajl e Markus Bruno convidaram o jornalista Luiz Carlos Azenha e a historiadora Conceição Oliveira para definirem a linha editorial do projeto, que, a princípio, deveria visitar 46 dos 53 países do continente mostrando a realidade cultural de cada um deles. O objetivo é quebrar os estereótipos estabelecidos há décadas com relação à África por meio dos livros escolares, do cinema e da mídia e mostrar um “olhar de dentro dos países”, esquecendo “o olhar de fora”.
“A ideia inicial era percorrer o maior número de países para mostrar toda a diversidade do continente. Mas a logística e o tempo de exibição do programa (26 episódios no mesmo número de semanas) fez com que mudássemos os planos: aprofundaremos os temas. Se seguíssemos à risca os 43 países em uma temporada, correríamos o risco de cobrir muito superficialmente a África, o que geralmente acontece com esse tipo de pauta”, afirma Aline Midlej, repórter da expedição, que conta ainda com o produtor Paulo Eduardo Palmério, o Padu, e o cinegrafista Henry Ajl. A equipe esteve, até agora, em seis países africanos (Moçambique, África do Sul, Botsuana, Namíbia, Ruanda e República Democrática do Congo) e na Bélgica, uma escala europeia fundamental para entender todas as questões políticas e coloniais do cotidiano congolês. Só na viagem de estreia, nos quatro primeiros países listados, foram 12 mil quilômetros de carro cruzando o continente.
“Existem coisas que somente no lugar a gente percebe. Aí vem a parte jornalística interessante, que é não deixar passar. Há situações que não planejamos, mas aconteceram, e isso foi muito rico”, explica Conceição.
Ambas concordam que muito dos estereótipos criados em torno da África está na forma equivocada com que o continente é tratado pela mídia. “A imprensa ainda não aprendeu e está longe de aprender a falar sobre a África. As pessoas são obrigadas a olhar de outra forma para o continente, por situações como a realização da Copa do Mundo, por exemplo. E não por iniciativa da imprensa, mas do próprio continente que, aos poucos, está conseguindo impor e mostrar seu protagonismo histórico. A imprensa, em geral, não aprendeu quase nada sobre a África. Existem projetos paralelos, mas a grande imprensa, inclusive a brasileira, ainda cerca a África de estereótipos”, salienta Aline.
Apesar da Copa estar cada vez mais próxima, o foco do episódio sobre o país foi centrado no pós-apartheid. “Nossa pauta no país era a relação com a terra, já que não houve reforma agrária, após a queda do regime de segregação racial. Depois de 15 anos do fim do apartheid, apenas 3% das terras voltaram para a mão dos negros. A outra parte está nas mãos de 60 mil fazendeiros brancos. Mas apesar de não ser a pauta principal, pudemos ver que, hoje, Johannesburgo é um grande canteiro de obras para a Copa”, comentou Conceição.
Ela também destacou uma iniciativa interessante de países que fazem fronteira com a África do Sul. “Está sendo criada uma cultura transnacional. Namíbia e Botsuana, por exemplo, têm planos de atrair turistas, que poderiam visitar parques próximos durante a Copa. As viagens seriam curtas. Acho que esse é um potencial muito importante. O turismo explorado de maneira sustentável pode criar uma nova relação. Mas estamos falando de apenas uma parte do continente. A grande pegada da série é isso: acabar com uma visão recorrente e uma série de expressões que definem grosseiramente o continente ”, prosseguiu a historiadora.
Influência brasileira no continente africano
Moçambique foi a primeira escala da viagem e recebeu carinho especial da produção, ocupando três episódios da série. Ficou clara para a equipe a influência cultural brasileira no país lusófono. “Brasileiros e moçambicanos têm uma relação bastante antiga na literatura e na música. Percebemos vários escritores que leram e têm muitas referências da poesia e literatura brasileira. Na atualidade, o que percebemos é a influência da TV brasileira, que chega via parabólica de maneira muito recortada. As duas TVs que pegam são Record e Globo, com isso, eles acompanham muito as novelas e esses seriados para adolescentes, como Malhação e coisas do gênero. Assim, o olhar que a massa tem é muito recortado. É a imagem da zona sul carioca, por exemplo. Diferente do mundo intelectual, onde existe uma troca. Não vemos uma troca cultural profunda veiculada de maneira massiva. Percebemos jovens de Moçambique falando na linguagem de nossas novelas. Se a TV continuar da mesma forma, será impactante”, esclarece Conceição.
“O que me chamou a atenção é um certo imaginário muito forte dos moçambicanos sobre os brasileiros. Acho que há algo bom nisso se for trabalhado para estreitar nossos laços com os países no continente africano que falam português. Para que pessoas como a Ana, uma moça da Ilha de Moçambique que se emocionou simplesmente ao saber que éramos brasileiras, possa de fato conhecer o que é o Brasil. No caso de Moçambique temos em comum o idioma e há uma série de pontos que devem ser trabalhados. Ana é um grito que traduz uma vontade de criar elos mais próximos entre os países. Quanto mais nos afastamos das grandes cidades como a capital Maputo, esse imaginário cresce. Esses vínculos precisam ser trabalhados, pois há uma série de semelhanças que vão além da colonização portuguesa”, concordou Aline, que citou o exemplo de um músico para citar como a distância física pode ser encurtada.
“O rapper Azagaia, que é um homem ligado à internet, com perfil diferente da Ana, tem uma série de lacunas que quer preencher. Ele encontrou Marcelo D2 em um festival, em Portugal, mas ainda não conseguiram fazer uma música juntos. Ele até nos cobrou esse contato. Azagaia nunca viajou de Moçambique para o Brasil, mas consegue, pela internet, diminuir as distâncias”, disse.
Em tempos em que a tecnologia ajuda cada vez mais a educação e inclusão social, não é a internet a principal ferramenta de comunicação dos africanos, e sim os telefones celulares. “Percebemos foi que o celular é uma tecnologia disseminada, que chega ao interior de Moçambique, por exemplo. Está em todos os lugares. As propagandas de celulares nas ruas são fortíssimas. Azagaia apareceu na produção a partir de uma conversa minha com um jovem moçambicano, de Maputo, pelo Twitter. Ele possui blog e compartilha notícias de sua localidade. Em Moçambique, onde pesquisei mais sobre isso, a internet, porém, não é uma coisa estruturada”, assegura Conceição.