O que a imprensa viu. E não viu
Por Luciano Martins Costa em 28/8/2008
Comentário para o programa radiofônico do OI, 28/8/2008
A interrupção do julgamento das ações que contestam a criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Supremo Tribunal Federal, cria a oportunidade para a imprensa oferecer mais informações sobre a disputa em Roraima.
Algumas das informações mais relevantes surgem do voto do relator, o ministro Carlos Ayres Britto. Outras aparecem nas reportagens feitas por jornalistas enviados ao local.
Detalhes do pronunciamento do relator, reproduzidos na quinta-feira (28/8) pelos jornais:
** os plantadores de arroz ocupam terras públicas, não são proprietários;
** os arrozais mais antigos foram plantados em 1992, o que não dá aos agricultores direito adquirido;
** a presença de índios na fronteira nunca foi ameaça à segurança nacional.
O voto do relator, favorável à demarcação de terras contínuas para abrigar reservas indígenas, acrescenta ainda que a discussão sobre riscos à soberania é uma cortina de fumaça - para esconder o fato de que empresas estrangeiras e investidores privados estão comprando grandes áreas na região e promovendo a internacionalização da Amazônia.
Outro aspecto ressaltado na primeira fase do julgamento, e que vinha sendo omitido pela imprensa, é que os arrozeiros são os principais responsáveis pelos danos ambientais ocorridos nos últimos anos no Estado de Roraima.
Diferença relevante
Mas as melhores contribuições para o entendimento do caso vêm, como sempre, dos repórteres enviados ao local. Por meio de seus relatos fica-se sabendo, por exemplo, que alguns fatores externos provocam a divisão na comunidade indígena entre os que defendem a reserva e os que preferem a permanência dos produtores de arroz.
Entre esses fatores está a presença de religiosos católicos e evangélicos nas aldeias. Os índios sob influência da igreja católica defendem a demarcação das terras em reservas contínuas. Os que se converteram às seitas evangélicas são a favor da permanência dos arrozeiros brancos.
Segundo relata a Folha de S.Paulo, os indígenas assistidos por missionários católicos preservam sua tradições culturais, enquanto os que freqüentam cultos evangélicos são obrigados a abandonar suas crenças.
Eis aí uma diferença relevante quando se discute a questão das populações tradicionais.
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Tarso alerta arrozeiros contra violência em Raposa Serra do Sol
BRASÍLIA (Reuters) - Um dia depois do início do julgamento sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o ministro da Justiça, Tarso Genro, alertou os arrozeiros que disputam a área contra o uso da violência e afirmou que o conflito não é uma luta de índios contra branco ou de índio contra arrozeiros."Não apelem para a violência que o Estado de direito está chegando à região", avisou o ministro em um recado aos produtores de arroz da região ao falar com jornalistas durante evento no Palácio do Planalto nesta quinta-feira.
"Não adianta estourar pontes, fazer ações violentas contra o Estado e fazer mobilizações que levem à violência. Não é uma vitória de índio contra branco ou de índio contra arrozeiro", afirmou Tarso, acrescentando que, se necessário, haverá reforço na região.
Na véspera o Supremo, Tribunal Federal (STF) interrompeu o julgamento sobre a legalidade da demarcação da reserva em área contínua após pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Antes dele, o relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, votou favoravelmente aos indígenas.
Nesta quinta, Tarso parabenizou o voto de Britto, mas lembrou que essa agenda ainda não está encerrada. "Mas achamos que a solução está bem encaminhada", afirmou para acrescentar que o Ministério da Justiça respeitará a decisão do STF seja qual for.
A ação que contesta a legalidade da reserva foi apresentada pelos senadores Augusto Botelho (PT-RR) e Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).
Localizada no Estado de Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana, a reserva Raposa Serra do Sol tem 1,7 milhão de hectares. Cerca de 19 mil índios de cinco etnias moram na área, em 194 comunidades.
Já os produtores de arroz que têm fazendas dentro da reserva sustentaram que o laudo antropológico feito pela Funai, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, é falho e não comprova que Raposa Serra do Sol era ocupada por índios no passado.
(Reportagem a de Natuza Nery, Edição de Alexandre Caverni)