Foto:Força Nacional de Segurança
"A definição da terra é definida pelo modo de vida do índio. Não há como recusar que o direito às terras pelos índios é um direito constitucional que garante a afirmação de sua identidade e o reconhecimento de sua dignidade", disse.
Segundo ele, os que questionam a demarcação "não apontam qualquer ilegitimidade com consciência para invalidá-lo". O procurador-geral lembrou ainda que o processo de demarcação foi "cauteloso, cuidadoso e traumático" e seguiu os marcos definidos na homologação.
O advogado Paulo Machado Guimarães, representante da comunidade Socó, que faz parte da reserva Raposa/Serra do Sol, manifestou-se contrário à demarcação em ilhas. "Não existe meio-termo em um ato administrativo como não existe meio-termo nos direitos constitucionais dos indígenas", disse.
"A unidade da Federação nunca esteve tão conservada como agora. As comunidades indígenas que contribuem para o desenvolvimento do Estado, trabalham, são um orgulho para o país. São, portanto, partícipes da construção de um Estado plural e que respeita a diversidade étnica", completou.
Índia faz defesa inédita no STF
De rosto pintado, a primeira índia a se formar em direito no Brasil, a wapichana Joênia Batista de Carvalho, fez a defesa da demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal. Com isso, tornou-se a primeira advogada índia a defender uma causa no STF.
Representando várias comunidades indígenas, ela iniciou sua fala destacando a violência contra os indígenas ao lembrar que "21 líderes já foram assassinados, casas foram queimadas e ameaças foram feitas."
A advogada defendeu que a definição da terra indígena é responsabilidade do próprio povo indígena. "O que está em jogo são os 500 anos de colonização", ressaltou.
Joênia alertou para o risco de os índios perderem partes da terra já homologada. "Já nos tiraram a sede do município de Normandia. De pedaços em pedaços estão tirando. E amanhã, como ficará isso?", questionou.
A contribuição da população indígena para a economia de Roraima foi outro ponto destacado. "Nós temos nossa economia, e isso sequer é contabilizado pelo Estado de Roraima, que não fala quanta economia circula ali dentro da reserva Raposa/Serra do Sol."
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Quarta-feira, 27 de Agosto de 2008
Pela primeira vez na história do Supremo, um índio sobe à tribuna para fazer uma sustentação oral. A estréia é de uma mulher: a advogada Joênia Batista de Carvalho, do povo Wapichana. Pouco antes de falar aos 11 ministros, ela relia os pontos do texto escrito à mão, com algumas rasuras. Ali estava a defesa dos cerca de 19 mil índios que desejam viver na área integral da Raposa Serra do Sol.
“Será a primeira sustentação que eu faço, e logo no Supremo”, dizia a advogada, nervosa, pouco antes de chegar ao microfone. Ela conta que foi a primeira índia a se tornar advogada no Brasil e está acostumada a fazer audiências, mas dessa vez é diferente. “Eu serei a voz dos índios na mais alta Corte do Brasil”, resumiu.
Até hoje, poucos colegas de trabalho vieram de tribos. “Somos cerca de vinte formados no País inteiro, e apenas sete têm carteira da Ordem dos Advogados do Brasil”, informa. Joênia reconhece que “advoga em causa própria” a maior parte do tempo. Isso porque ela trabalha no Conselho Indígena de Roraima (CIR). “Meu trabalho eu faço por amor, porque minha família e meu povo precisam disso. Estou defendendo uma terra que é minha, para a qual pretendo voltar depois desse tempo na cidade”, afirma.
Esse “tempo na cidade” começou quando a menina índia tinha oito anos de idade e a família a levou para estudar em Boa Vista. Foi boa aluna no ensino fundamental e passou no vestibular de Direito na Universidade Federal de Roraima. “Naquela época não havia cotas”, lembra. Durante o curso, ela começou a trabalhar com os direitos dos índios, área em que atua desde então. Em casa, ela já ouve Cristina, a filha de 13 anos, dizer que quer seguir os seus passos. “Eu darei apoio à profissão que meus filhos escolherem, porque as tribos precisam de profissionais como médicos, advogados e tantos outros”, destaca.
Para ela, a Constituição é uma das melhores em garantias aos índios, e trouxe inovações em relação à anterior. “Temos um bonito texto, agora precisamos detalhá-la para funcionar melhor”, adverte.
Família
A maior parte da família de Joênia, inclusive o pai, ainda vive na tribo Wapichana. Ela mora em Boa Vista com o marido, a mãe e dois filhos, Jackson e Cristina.
Joênia teve oito irmãos, mas quatro morreram pequenos de sarampo e outras doenças, na década de 70. Em casa, em Boa Vista, ela tenta manter as tradições da família, a espiritualidade indígena e o dialeto Wapichana, embora as crianças saibam melhor o português. Mesmo assim, os dois não se esquecem de onde vieram. Na escola, a filha se sentiu deslocada por ser índia, mas logo fez amigos. “Eu mostrei a ela que ser índio é orgulho, que não precisamos esconder nossa identidade nem nossa honra”, declara a mãe.
A advogada não contou para os pais que faria a sua primeira sustentação hoje – e diante da mais alta Corte da Justiça brasileira. “Minha mãe tem medo quando eu venho a Brasília, fica doente porque acha que tem muita gente me querendo mal. Então eu não contei para ela não se preocupar”, diz. Os filhos de Joênia e o marido, contudo, sabem que ela foi ouvida por todo o País em favor da permanência da terra com os índios.
MG/EH
O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação que contesta a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, disse que dividiu seu voto em tópicos para facilitar a análise da matéria. O primeiro tópico é intitulado “Os índios como tema de matriz constitucional”. Segundo o ministro, a Constituição tem nove dispositivos/preceitos sobre os índios e 18 “comandos esparsos” que complementam aqueles nove dispositivos. O segundo tópico, sobre o qual discorre neste momento, tem como título “O significado do substantivo índios”, que engloba as diversas etnias indígenas.
(Assista ao vivo, aqui)
Quarta-feira, 27 de Agosto de 2008 Raposa Serra do Sol: entenda o caso
Em 15 de abril de 2005, um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou a Portaria nº 534, do Ministério da Justiça, que demarcou a área de 1.747.464 hectares como Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Trata-se de uma área que abriga 194 comunidades com uma população de cerca de 19 mil índios dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana.
A União, por intermédio da Fundação Nacional do Índio (Funai), iniciou em 1992 o relatório de identificação da terra para fins de demarcação. Entretanto, a presença dos produtores de arroz vindos do sul do País, impediu a conclusão da reserva, uma vez que eles alegam possuir títulos que lhes garantem a posse das terras.
A portaria de 2005 deu prazo de um ano para os não-índios abandonarem a terra indígena. No entanto, logo após a edição deste documento e do decreto presidencial que o homologou, começaram a tramitar diversas ações na Justiça, contestando a demarcação. Somente no Supremo Tribunal Federal tramitam mais de 30 ações relacionadas a Raposa Serra do Sol.
Prejuízos a Roraima
Entre os principais argumentos estão os de que a portaria ampliou a área demarcada, que seria, inicialmente, de 1.678.800 hectares, e que a retirada dos produtores de arroz instalados na região afetaria seriamente a economia do estado, pois a cultura representaria em torno de 7% de seu Produto Interno Bruto. Roraima, maior produtor de arroz da Região Norte do Brasil, contribuiria, também, para o abastecimento dos estados vizinhos com o cereal.
Alega-se, também, que 46% da área de Roraima são reservas indígenas e 26%, áreas de conservação, o que deixaria o estado sem espaço para desenvolver-se economicamente.
Em uma das ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) – a Ação Civil Originária (ACO) 1167 –, o governador do estado, José de Anchieta Júnior, pede a exclusão, em qualquer demarcação de terras indígenas, especialmente daquela da Raposa Serra do Sol, da área de fronteira até que seja ouvido o Conselho de Defesa Nacional; das sedes dos municípios de Uiramutã, Normandia e Pacaraima; dos imóveis com propriedade ou posse anterior a 1934 e das terras tituladas pelo Incra antes da Constituição de 1988; dos imóveis situados na faixa de fronteira; das plantações de arroz irrigado no extremo sul da área indígena e as áreas destinadas à construção da hidrelétrica do Cotingo.
Comunidade militar
A demarcação da área e a retirada dos não-índios da região motivou, também, manifestações contrárias na área militar. Uma das vozes a se levantar foi a do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno. Em palestra no Clube Militar, no Rio de Janeiro, ele classificou a política indigenista praticada atualmente no país como "lamentável, para não dizer caótica". Ainda conforme o general, "a política indigenista brasileira está completamente dissociada do processo histórico de colonização do nosso País. Precisa ser revista com urgência”.
Sem se referir especificamente à reserva Raposa Serra do Sol, o general criticou a separação de índios e não-índios. Ele e outros militares consideram que a política indigenista do governo brasileiro seria complacente com a atuação de Organizações Não-Governamentais (ONGs) estrangeiras que atuam na fronteira amazônica e que isso seria uma ameaça à soberania nacional.
Suspensão da retirada
No dia 26 de março de 2008, a Polícia Federal deu início à Operação Upatakon 3, destinada à retirada dos não-índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Entretanto, a Ação Cautelar 2009, proposta pelo governo de Roraima, levou o Supremo Tribunal Federal a suspender a operação, até que seja julgado o mérito da causa. Apesar de suspensa a retirada, a Polícia Federal foi mantida na reserva indígena, para evitar conflitos.
Houve ainda um pedido por parte do governo federal para que o STF autorizasse a Polícia Federal a recolher o armamento utilizado pelos arrozeiros para garantir a posse das fazendas. Entretanto o ministro Carlos Ayres Britto, relator do tema, negou o pedido por entender que o desarmamento de somente um dos lados em conflito não seria uma medida eficaz para garantir a paz na região.
Conheça os argumentos da ação em julgamento pelo Plenário do STF sobre Raposa Serra do Sol
Entre dezenas de ações que envolvem a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no estado de Roraima, que tramitam no Supremo Tribunal Federal, a primeira sobre a demarcação da área a ficar pronta para julgamento é a Petição (PET) 3388, ajuizada em abril de 2005 e analisada nesta quarta-feira (27) pelo Plenário do STF.
A ação foi proposta pelo senador Augusto Botelho (PT-RR) contra a Portaria 534, editada em 2005 pelo Ministério da Justiça, que demarca a reserva indígena em área contínua, e contra o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que homologou a demarcação, em 15 de abril do mesmo ano.
Na ação, o senador afirma que todo o processo administrativo que resultou na edição da portaria e na homologação da demarcação foi viciado, “divorciado da norma regente do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas”.
Segundo o senador, a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua põe em contraposição, de um lado, o princípio constitucional da tutela dos índios e, de outro lado, os princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica, do devido processo legal, da livre iniciativa, da proporcionalidade e o princípio federativo.
Para Botelho, a STF deve sopesar todos esses princípios constitucionais e considerar a demarcação descontínua da reserva para evitar que “centenas ou milhares de trabalhadores que hoje cultivam terras na área se desloquem para a periferia da capital do estado de Roraima”. Ele afirma que essa “seria uma forma de equacionar a questão de forma a permitir que nenhum princípio federativo envolvido seja vilipendiado em prol de outro”.
Vícios de origem
Na ação, o senador relaciona as inúmeras ilegalidades que teriam viciado o procedimento administrativo que levou à demarcação da reserva em área contínua. Ele cita relatório produzido por uma comissão de peritos convocada pela 1ª Vara da Justiça Federal de Roraima especialmente para avaliar o processo administrativo da demarcação.
Esse documento, denominado “Relatório da Comissão de Peritos”, teria chegado à conclusão de que o processo que culminou na demarcação foi “eivado de erros e vícios insanáveis” porque:
- ouviu apenas os indígenas favoráveis à demarcação em área contínua, todos indicados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI);
- teve a participação do governo do Estado comprometida, inclusive por omissão e descaso do próprio governo;
- não convidou acadêmicos para participar do processo;
- dos grupos religiosos, incluiu somente a Igreja Católica no grupo técnico que analisou a demarcação, sem explicitar a razão;
- não ouviu alguns municípios com terras na área da reserva (Normandia);
- não considerou os produtores agropecuários, os comerciantes estabelecidos na região, os garimpeiros, os arrozeiros e outros atores que vi
vem no local;
- o relatório antropológico sobre a demarcação é uma coletânea de peças que não forma um corpo lógico e não considera os reflexos da demarcação em área contínua para a segurança e defesa nacionais e para a economia do estado de Roraima;
- o laudo antropológico da Funai (Fundação Nacional do Índio) é uma reprodução de laudo que já havia sido apresentado para justificar outro tipo de demarcação das terras da Raposa Serro do Sol.
A essas irregularidades, o senador soma outras, a seguir:
- o laudo antropológico da Funai é assinado por uma única pessoa, a antropóloga Maria Guiomar de Melo, o que demonstraria a parcialidade e a conseqüente nulidade do documento, diante da “absoluta desobediência aos critérios que devem reger o procedimento administrativo de demarcação”;
- pessoas nomeadas para compor grupo interdisciplinar responsável pela produção do laudo sequer sabiam que compunham o grupo e “ficaram ainda mais espantadas quando souberam que foram nomeadas em virtude de formação especializada que nunca possuíram”;
- o laudo é “a origem e a justificação” de todas as decisões do governo federal para a demarcação da reserva em área contínua;
- a demarcação em área contínua vai gerar “irremediáveis prejuízos à segurança e à defesa nacionais” e “aos próprios índios, com ocorrência de êxodo rural” e “exacerbação dos conflitos” porque a demarcação abrange índios de diferentes etnias;
- os índios que habitam a área estão totalmente integrados à sociedade e serão prejudicados, uma vez que o decreto que demarca a reserva proíbe “o trânsito e a permanência de pessoas ou grupos não-índios” na região;
- a demarcação, como quer o governo, “subverte toda uma ordem que há décadas se vem cristalizando” e também obriga “não-índios que habitam a região há três ou mais gerações” a abandonar suas terras;
- a demarcação rompe com o equilíbrio federativo, uma vez que o estado de Roraima possui mais da metade de seu território como bem da União. Ou seja, grandes extensões territoriais, que poderiam ser alvo de políticas públicas do governo estadual, são afetadas por outro ente federativo, a União;
- o senador diz que, segundo as Forças Armadas, a demarcação da reserva, com áreas ricas em minerais e de difícil controle, ocupadas por minorias pouco expressivas da população brasileira, pode levar a pressões internacionais insuportáveis e a uma impossibilidade de fiscalização da área. As Forças Armadas lembram, ainda, a pretensão da Venezuela de estender sua fronteira até o rio Essequibo, localizado em território fronteiriço ao da reserva (próximo à Guiana), e a intenção da ONU (Organização das Nações Unidas) de restringir a atuação militar em território indígena;
Por fim, o senador Augusto Botelho afirma que uma comissão criada pelo Senado elaborou relatório propondo a demarcação descontínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, com a exclusão:
- das áreas necessárias à exploração econômica;
- das sedes do município de Uiramutã e das vilas de Àgua Fria, Socó, Vila Pereira e Mutum;
- das estradas estaduais e federais da área, com o livre trânsito nessas vias;
- da área do Parque Nacional Monte Roraima;
- das áreas tituladas pelo Incra e dos imóveis com propriedade ou posse anterior a 1934;
- de faixa de 15 quilômetros ao longo da fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela.
Em abril de 2005, o Ministério da Justiça editou a Portaria 534 para definir os limites da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. O documento possui seis artigos que delimitam a reserva e excluem dela algumas áreas.
O artigo 1º declara as terras de posse permanente dos grupos indígenas que vivem na região: os Ingarikó, os Macuxi, os Taurepang e os Wapichana. O artigo 2ª determina a extensão da área da reserva, que tem 1,7 milhão de hectares de área contínua situados nos municípios roraimenses de Normandia, Pacaraima e Uiramutã. A reserva faz fronteira com a Venezuela e a Guiana.
O terceiro artigo da portaria determina expressamente que, como a terra indígena contém faixa de fronteira, ela se submete ao parágrafo 2º da Constituição Federal. Esse dispositivo declara que, como bem da União, a faixa de fronteira é considerada fundamental para a defesa do território nacional.
O artigo 4º da portaria exclui da reserva as linhas de transmissão de energia que passam por ela; os leitos das rodovias e os equipamentos e instalações públicos federais incluídos na reserva; e, por fim, a área destinada ao 6º Pelotão Especial de Fronteira, localizada em Uiramutã, bem como o núcleo urbano existente naquele município.
O artigo 5º proíbe o ingresso, o trânsito e a permanência de pessoas ou grupos de não-índios dentro da reserva, ressalvando a presença e a ação de autoridades federais e de particulares autorizados. O parágrafo único desse artigo determina que a retirada dos não-índios será realizada em pelo menos um ano a partir da data de homologação da reserva por decreto presidencial. Por fim, o 6º artigo determinou que a portaria passou a vigorar na data de sua publicação, em 15 de abril de 2005.
Apesar de a homologação ter ocorrido logo após a portaria entrar em vigor, a demarcação não foi efetivada diante do litígio suscitado sobre a extensão da área da reserva e da tensão criada entre os índios e grupos favoráveis à demarcação e os não-índios residentes no local, que contam com o apoio do governo estadual, favorável à demarcação descontínua da reserva.
As ressalvas contidas na portaria apontam que o Parque Nacional do Monte Roraima pode ser considerado como bem público da União destinado à preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios. Essas ressalvas também asseguram a ação das Forças Armadas para defesa do território e da soberania nacionais, e da Polícia Federal para garantir a segurança, a ordem jurídica e a proteção dos direitos indígenas na faixa de fronteira.
(Dados do site do STF)