A espetacularização da barbárie e a cabeça de nossas crianças

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[A mídia] "quando se apropria, divulga, espetaculariza, sensacionaliza ou banaliza os atos de violência está atribuindo-lhes um sentido que, ao circularem socialmente, induzem práticas referidas à violência. Se a violência é linguagem – forma de comunicar algo -, a mídia ao reportar os atos de violência surge como ação amplificadora desta linguagem primeira, a da violência" (RONDELLI, E. Imagens da violência: práticas discursivas. Tempo Social, S.P, v. 10, n. 2. p. 145-157, out.1998).

O artigo de Rosely Sayão (reproduzido ao fim deste post) é interessante, mas ela deixa de tocar numa questão que, a meu ver, é fundamental: a responsabilidade da mídia na forma de divulgação destas notícias.
Da hora que acordamos, no horário do almoço, no jantar e nos noticiários da madrugada a espetacularização da violência é o foco. Faz quinze dias ao menos que estamos sendo bombardeados com a morte trágica de uma criança e se nós adultos nos chocamos imaginem as crianças.
Neste sentido um texto que vale a pena ser lido é o de Robson Sávio Reis Souza*, 'Mídia e violência- o papel da imprensa na segurança pública', cujo trecho destaco aqui:

'Dependendo dos traços de personalidade e das experiências cotidianas das crianças, a violência na mídia satisfaz diferentes necessidades: "compensa" frustrações e carências em meio a ambientes problemáticos, ao mesmo tempo em que oferece "emoção" aos infantes que vivem em áreas menos problemáticas. Apesar das inúmeras diferenças culturais, os padrões básicos das implicações ligadas à violência na mídia são semelhantes em todas as partes do mundo. Os filmes, individualmente, não se constituem o problema, mas a extensão e a onipresença da violência na mídia contribuem para o desenvolvimento de uma cultura global agressiva. As "características de recompensa" da agressividade são mais sistematicamente incentivadas do que as formas não agressivas de lidar com a própria vida, fazendo prevalecer, dessa forma, o risco da violência na mídia.

Em combinação com a violência da vida real, vivenciada por muitas crianças, é alta a probabilidade de que orientações direcionadas para a agressividade sejam mais intensamente promovidas do que aquelas que incentivam comportamentos pacíficos.'
(*) Professor da PUC-Minas, filósofo, mestre em Administração Pública, especialista em comunicação social, em estudos de criminalidade e segurança pública; coordenador de Comunicação e Informação do CRISP (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG)

Tragédias na Mídia

Rosely Sayão
(11/04/2008)

Nas últimas semanas, temos sido bombardeados, por todas as mídias, por notícias que revelam violências contra crianças praticadas possivelmente por adultos próximos a elas. É uma criança torturada aqui, outra ali, outra que morre lá e assim por diante. E não podemos esquecer que as crianças, hoje, têm acesso a todos os veículos de comunicação e recebem essas informações.

Que sentidos elas dão a esses fatos? Tomemos dois exemplos que chegaram a mim. Uma criança, de oito anos, perguntou à mãe se o pai poderia matá-la quando ficasse muito bravo. Outra, um pouco mais nova, perguntou se iria ficar de mãos amarradas quando fosse ao castigo. Certamente, muitos leitores devem ter passado por experiências semelhantes com seus filhos e seus alunos.

As crianças estão angustiadas com tais notícias porque identificam nelas que os adultos próximos, ao invés de de protetores, podem ser ameaçadores. Justamente aqueles em quem elas depositam a maior confiança se revelam, nas notícias, suspeitos de agir de modo contrário. E agora?

Agora, mais uma parte da infância de nossas crianças fica comprometida, fato cada vez mais banal. Mas será que não se pode fazer nada? Sim, podemos e devemos fazer algo por elas, que, sozinhas, não conseguem entender e expressar toda a angústia que as invade.

A maioria das escolas costuma ignorar o fato de que seus alunos sabem dessas notícias e continuam seus trabalhos como se nada de excepcional ocorresse. Pois todas elas têm recursos para, de alguma maneira, tratar dessas questões. É um bom momento, por exemplo, para oferecer aos alunos, nas aulas de expressão artística, estratégias para dar forma ao que eles imaginam, sentem e pensam sobre tais fatos.

O simples fato de colocar de modo simbólico sentimentos e angústias já aponta pistas sobre outras formas de trabalhar o tema. Depois, é importante que se fale a respeito, sem psicologismos nem interpretações leigas, para que, coletivamente, eles se sintam acolhidos em suas preocupações e aprendam sobre os direitos das crianças e dos adolescentes e os valores sociais da justiça e da responsabilidade com o bem comum.

Para os pais, esse é um bom momento para oferecer aos filhos mais segurança em relação aos vínculos familiares e dar maior relevância aos valores morais e éticos. É muito importante, por exemplo, afirmar que a família ama e respeita a vida, que nenhuma violência deve ser aceita pelos integrantes do grupo familiar, que casos como os noticiados são exceções -apesar de tanto alarde-, que os impulsos agressivos podem ser controlados e, também, estabelecer um diálogo a respeito das opiniões dos pais e dos filhos sobre esses fatos.

Todas as tragédias servem para nos fazer refletir sobre a humanidade e o nosso cotidiano. Por isso, é importante que os adultos pensem a respeito das pequenas violências, simbólicas ou reais, que o mundo adulto comete contra os mais novos. Afinal: nossas posições demonstram que somos a fim deles ou que estamos mais para ser o fim deles?

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Outras fontes:

Sobre uma análise crítica da cobertura do caso Isabella:

O mundo não é para inocentes

Caso Isabella: o fato-onibus

Albergaria: “Caso Isabella virou novela doentia” - Terra - Mídia

Para Época Lula jogou Isabella da Janela

Caso Isabella

O caso Isabella

Um caso de saúde pública e A morbidez do PIG

O caso Isabela Nardoni é uma nova escola base?

Série jornalista 17

A vida dos outros

A televisão e a violência, o impacto sobre a criança e o adolescente (livro completo)

Lista de links de sites sobre proteção à infância