Falando de corsos, máscaras e similares

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FÁTIMA OLIVEIRA

Caíram na esparrela: convenceram uma ministra a se demitir sem o benefício da dúvida para evitar uma CPI, chamada de CPI da Tapioca

Quando o Carnaval chegou, o corso dos cartões corporativos rumou da Esplanada dos Ministérios para o Palácio do Planalto. Quem possui apenas dois neurônios com sinapses íntegras sabia o curso do "corso", estratégia definida pela oposição e apoiada por racistas et caterva. Até eu, reles cidadã, mas dotada de neurônios funcionantes, sabia o curso do "corso", como estrategistas do Planalto e do PT não se deram conta? Caíram na esparrela: convenceram uma ministra a se demitir sem o benefício da dúvida ("Planalto pressiona e ministra da Igualdade Racial cai por uso irregular de cartão"), segundo a mídia, para evitar uma CPI, afoitamente chamada de CPI da Tapioca!

Esparrela, palavra muito usada por meu avô Braulino e minha avó Maria, significa armadilha, logro. "Cair na esparrela" é deixar- se enganar. O Planalto deu um tiro no pé? Vai se dar conta, pois pelo cadenciado o "corso" vai longe... A tática da oposição, aliada à prática de gregos e troianos de fritar correligionários sem comiseração, criou um caldo de cultura ideal para que o "racismo cordial", algo que não existe, acertasse a incomodante Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial.

"Mataram dois coelhos com uma só cajadada" sem que o partido da ministra, o PT, desse uma só "penada" por ela; e sem que os "negros do PT" e as "mulheres do PT" esboçassem reação! Aliás, esboçaram, já que o silêncio fala. A "penada" da direção nacional apareceu após a ministra ter se desligado do governo, explicitando que o afã de parecer a "mulher de César" é uma paranóia. Pode não ter sido, mas deu a impressão.

Na mídia, apenas o portal Mhário Lincoln do Brasil tem sido solidário na defesa da honra da ex-ministra, inclusive publicando instigante artigo de Maurício Pestana, presidente do conselho editorial da revista "Raça Brasil". No Portal Vermelho, há algo decente: "Ela reconheceu que usou indevidamente o cartão, mas justificou o uso irregular. Matilde Ribeiro disse que a secretaria não tem infra-estrutura fora da sede, em Brasília. ’Assumo o erro administrativo no uso do cartão. Os fatos partiram da dificuldade com deslocamento e hospedagem fora de Brasília’". O resto da mídia crucificou a negra!

Não advogo acobertar "coisas" fora da lei no uso do dinheiro público, apenas a ética quando houver dúvidas: apurá-las, segundo a lei. A defenestração sumária é abominável. Diante da rapidez nas "soluções" de imbróglios com autoridades negras governamentais, indago: vivemos tempos de exceção? De Tribunal de Maldita Inquisição? Só para negros? SOS, Freud!

Para Pestana, "a bola da vez do tratamento desleal e racista da elite brasileira tem sido a ministra Matilde Ribeiro. Em que pese o gasto demasiado em seu cartão corporativo, o que queremos refletir é a forma como ela tem sido julgada, não pelo costumeiros milhões de verbas públicas que assistimos todos os dias nos noticiários, até porque isso nem seria possível, uma vez que sua secretaria conta com um dos menores orçamentos da União, abaixo, inclusive, de várias estatais". E Pestana indaga: "Por que será que não se dá o mesmo espaço que se deu, e com todos os méritos, quando o governador José Serra foi intitulado como melhor ministro da Saúde do mundo, ao ministro Gilberto Gil, que recentemente no Canadá foi homenageado como melhor ministro da Cultura do mundo?"

Finalizo com a lapidar opinião do antropólogo Kabengele Munanga, diretor de estudos africanos da USP: "A saída da ministra é uma vitória das pessoas que não concordaram com a criação da própria secretaria. É uma vitória das pessoas contrárias às políticas de ações afirmativas para a população negra". Precisa dizer mais?


A médica Fátima Oliveira escreve neste espaço às terças-feiras.
Publicado em: 05/02/2008