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Como superar a fase da mera resistência
Tenho acompanhado com interesse vossa riquíssima discussão em torno de um projeto de fortalecimento e organização da blogosfera "alternativa". Com humildade, gostaria de emitir compactas opiniões sobre o assunto e oferecer algumas sugestões capazes de contribuir ao avanço do debate.
Primeiramente, apresento meu "não coma gato por lebre" profissional. Inventei de atuar como jornalista há 25 anos, antes mesmo de formar-me pela PUC-SP. Comecei na imprensa comunitária, estagiei num órgão público, fui repórter de Veja, repórter especial do Estadão, coordenador de Política e Nacional de O Globo, editor de Nova Escola e membro da equipe que criou o site do Estadão, projeto no qual atuei como editor durante cinco anos. Em 1.994, fui um dos assessores de comunicação de Lula, atuando ao lado de Ricardo Kotscho, especialmente na produção de textos temáticos. Hoje, dedico-me à edição de livros e desenvolvo projetos culturais, especialmente na área de multimídia.
Animei-me a redigir esta mensagem após ler um e-mail da sempre polêmica Caia Fittipaldi com observações a um artigo do clarividente Paulo Henrique Amorim. Chamou-me atenção um parágrafo que aqui reproduzo:
É evidente que, se Lula cair -- e duvido que caia, mas, sim, pode cair, é claro; também pode ser assassinado, é claro -- Lula terá caído, sim, por (1) não ter partido, (2) não ter feito qquer comunicação social que, pelo menos, ajudasse os eleitores suprapartidários de Lula a saber o que fazer, quando, onde e como; e (3) por não ter construído NENHUMA BASE em nenhum jornal ou televisão.
Concentro-me especialmente no item 2. De fato, não me parece haver qualquer veículo de comunicação social habilitado a oferecer cobertura jornalística alternativa aos meios hoje hegêmonicos. Se há vozes dissonantes, alçam-se de modo fragmentário, especialmente no meio digital on-line, basicamente em sites, blogs e grupos fechados de discussão. Ainda que valorize tremendamente o trabalho desses comunicadores independentes, percebo que suas denúncias, análises e exortações giram num círculo muitíssimo restrito e redundante de militantes.
Assim, qualquer idéia enfiada por Ali Kamel no JN afeta, em minutos, muito mais gente do que qualquer campanha blogosférica desenvolvida durante semanas de árdua interação. Interessante é que, no universo paralelo, existe também uma blogosfera da direita. Parte dela tem inspiração neofascista, disseminando hoaxes e outras peças do terrorismo midiático destinadas, sobretudo, a destruir reputações. Esses neocons.com, que certamente arrancariam elogios de um Giovanni Gentile, mostram-se à sociedade também nas interações com blogs mais freqüentados, como o do enchapelado Reinaldo Azevedo. No ambito dessa destra-cativa, parte dela contratada e atualmente inclinada a extremismos, desenvolve-se uma estratégia de guerrilha de sabotagem.
Do outro lado, percebe-se uma ação partigiana de resistência. Na verdade, certa esquerda e alguns libertários parecem recolhidos ao gueto, atrás de barricadas, de onde partem ocasionalmente para executar operações táticas especiais contra os camisas negras. E só. Do ponto de vista do governo Lula da Silva e de seu partido, se algo se imaginou nesse campo, é certo que nada se empreendeu seriamente. Percebe-se enorme insensibilidade dos estrategistas do governo neste campo.
Cabe, então, aos cidadãos livres, não guindados à máquina do poder, uma pergunta: basta resistir ou urge a construção de uma mídia informativa e propositiva dirigida às massas possíveis?
De fato, há muitos sem-mídia no Brasil deste Século 21. E isso não ocorre somente por questões políticas e ideológicas. Exibem-se pelo menos 5 vetores de exclusão importantes:
Geográfico – a imprensa existente é a imprensa do eixo Rio-SP, mas que despreza até mesmo a maior parte dos cariocas e paulistanos. A Zona Leste de São Paulo, por exemplo, praticamente inexiste para a Folha de S. Paulo e para o Estadão. As coisas consideradas relevantes concentram-se nos Jardins, na Berrini, na Paulista, na Vila Madalena e, eventualmente, no Centro. Sim, existem as "Marginais", lembradas por engarrafamentos ou enchentes. As coisas de São Miguel Paulista, por exemplo, são sempre apresentadas de maneira exótica ou folclórica, como se tivessem lugar na Zâmbia ou em Bali.
Temático – a imprensa existente é a imprensa do assunto feito distante, como se o público-alvo viajasse num transatlântico, a admirar de longe o júbilo ou a tristeza de povos intocáveis. Trata-se de um jornalismo com ares de relato de expedição, em que tudo se move nebulosamente, de modo incerto, conforme a ilusão especular descrita no Mito da Caverna, de Platão. O tema, por mais próximo que seja, é adulterado para não despertar o "psite do sofá". As pessoas, enquanto referências, também se repetem, no processo tautológico de celebração da celebridade.
Ético – a imprensa existente é a imprensa da indignação seletiva, do que convém ao proprietário do veículo informativo ou a seus parceiros e anunciantes. Para isso, institui pesos diferentes para crimes equivalentes. Exagera aqui, mas é complacente ali. No âmbito dos inimigos, é implacável e, não raro, desenvolve processos violentos de desqualificação. Quando são exibidos os crimes dos amigos, entregam-se a platitudes, à trivialidade que induz ao esquecimento instantâneo.
Epistemológico – a imprensa existente é a imprensa que rejeita arrogantemente o estudo sobre o conhecimento nela construído e difundido. Nas grandes redações, a dúvida sobre a consistência lógica das teses, bem como da coesão factual, é motivo de anedota. O importante é que não se "veja", que não se "veja" mesmo o dissonante. Inexiste o crivo, exceto aquele da conveniência de um determinado mercado de idéias. No campo do colunismo, prevalece a doxa, freqüentemente expressão de delinqüência mesclada a incompetência. Se há uma realidade, o jeito de saber sobre ela é normalmente desprezado.
Temporal – a imprensa existente é a imprensa dos tempos intangíveis, da dromocracia que arma a bomba midiática, conforme o alerta de Paul Virilio. A notícia exclui o tempo porque está programada para desencorajar protagonismos (coisa do aqui e agora). Afinal, tudo já foi, tudo já se passou. A imprensa mostra apenas o depois. Nesse processo de alienação diária, mesmo pela Internet do "comente esta notícia", elimina qualquer possibilidade de ação transformadora. Resta a reação, quase sempre resposta adestrada, não refletida, aos estímulos do emissor. Ler jornal, em excesso, cria hoje uma sensação de inapetência e, depois, de morte.
A arte do não-piloto
Universalizada, a imprensa dos jornalões pilota a nave que conduz a multidão a todo lugar; portanto, a lugar algum. Diz tudo para não dizer nada. "A arte de fazer revista consiste em não compreender nada, escrever muito sobre o assunto e fazer com que o leitor tenha a ilusão de que aprendeu alguma coisa", conforme ensinava um cacique vejal.
Cabe dizer que parte da imprensa é orgulhosa do que não sabe ou do que inventa. Bate no peito e arrota estultices, doida para escalar o mais empinado arranha-céu e evacuar sobre a urbe. Assim, parece implausível que se converta por meio de qualquer esforço educativo.
Seria injustiça incluir todos os profissionais na chusma. Posto que tem gente boa no meio, ainda que cada vez menos. Mas quem tem mais chances de graduação nas casas-grandes da comunicação? Pode-se dizer que é o tarado pela servidão voluntária. Certa libido barbárica, seduzida pela chance de violação, energiz a esse vampiro da pena alugada. Seis preceitos definem o pensamento desse seguidor de Sacripante:
· Ser "bom", seja lá o que isso signifique, é coisa de otários ou de bravateiros. Julga-se, portanto, por si próprio.
· Justiça social equivale (e sempre equivalerá) a esmola, valor subtraído aos que divinos merecedores da máxima abundância.
· A idéia de "oportunidades iguais" não pode, jamais, migrar do papel liberal para a realidade.
· A discordância não é motivo para instituição de debate, mas para engendramento de uma ação de vingança.
· A verdade é apenas o resultado de uma construção retórica, muitas vezes travestida de humor irônico, na qual têm validade somente os argumentos consagrados na doutrina dos financiadores.
· Se falta disposição para o esclarecimento proporcionado pelo abandono no outro, isto é, no exercício dialético, sobra energia para a cruzada de desqualificação dos oponentes.
Engana-se, entretanto, quem imagina que esse tipo de conduta doentia permeie apenas o noticiário e o colunismo de Política e de Economia. Está presente em todos os setores da mídia e em todas as redações. Há sacripantas inchados de egocentrismo nos aquários das editorias de Ciência, Artes e Espetáculos, Esportes, Cidades e até nas baias dos pândegos.
Erra quem imagina que os receptores estejam alheios a essa deterioração acelerada dos conteúdos oferecidos pelos grandes veículos de comunicação. Um tour pelas comunidades de relacionamento da Internet será suficiente para mostrar o descontentamento do público consumidor. Há quem reclame dos "marrons" da imprensa esportiva, quem não suporte mais a empáfia dos críticos musicais e também quem tenha simplesmente desistido de assistir à bufonaria de William Homer e Fátima Bernardes.
Os novos caminhos possíveis
No entanto, o que falta à constituição de um veículo multimidiático de vocação popular e inovadora? A resposta, evidentemente, não é simples, mas alguns entraves podem ser apontados.
Assepsias tolas – Os gestores-produtores-programadores das TVs estatais ou públicas, por exemplo, insistem em certa assepsia tola e desnecessária, muitas vezes elitista, que afasta o público comum. Anos atrás, era comum ver na TV Cultura um ótimo violonista debaixo de uma lâmpada – tipo aquela de interrogatório em filmes noir – reproduzindo em seqüência vinte composições do excelente Noel Rosa. No canal concorrente, um cantor popular agitava a galera, na frente de chacretes vitaminadas, com muita cor, movimento e seguidos cortes de câmera. Adivinha onde é que o pessoal parava o seletor de canais...
Nesse caso, a questão não está somente na seleção de conteúdos, mas também na forma de apresentação. Há preconceitos e preconceitos. Confunde-se seriedade com ridícula sisudez, e até mesmo com chatice. Nesse caso, falta compreender o espírito festeiro de nossa turma de Pindorama. Muitos de nós, ainda que secretamente, gostamos das cores das nossas araras, do movimento sensual das palmeiras ao vento, de algum calor, de água em quantidade. Estudos revelam: ficamos sentados no mesmo lugar menos tempo que um polonês ou um inglês. Cinéticos por natureza, necessitamos também apreciar movimentos.
Proselitismo - A impressão que se tem é de que todo veículo de comunicação alternativo quer fazer proselitismo, convencer, induzir, arregimentar. O final de cada matéria apresenta, mesmo que subliminarmente, uma lição de moral. "Veja só do que é capaz o sistema capitalista", diz um jornal. "Afinal, os Estados Unidos tentam escravizar o resto do mundo", afirma uma revista. Claramente ou com mais sofisticação, repetem-se seguidamente esses clichês. O bom jornalismo, contudo, não necessita da repetição exaustiva e até autoritária dessas premissas. É possível apresentar as mazelas do capitalismo e também os perigos da política belicista de Bush sem o recurso fácil à propaganda explícita, cujo efeito é quase sempre nulo (ou reverso).
Obsessão monotemática – A imprensa alternativa parece sempre voltada a tratar de política. Ok, sabemos que tudo é política, que não existe indivíduo apolítico e tudo mais, conceitos mais do que assimilados nas aulas do primeiro ano das PUCS, da USP, da Unicamp, da UFRJ, da UFF... Mas será necessário concentrar o discurso da vida em temas como "centralismo democrático", "papel das vanguardas" e "alienação da atividade produtiva"? Uma mídia inovadora, verdadeiramente revolucionária, incorpora com sutileza os valores e a ética da boa política, alimentando capilarmente qualquer texto (palavra usada no sentido mais amplo), prescindindo delicadamente da ideologia.
Alguém há de apontar neste texto uma apologia da sub-cultura de alienação que marca a imprensona há séculos. No entanto, é preciso atentar para a formidável diversidade da vida. É possível produzir numa teclada cinco temas que não precisariam de qualquer viés político-ideológico explícito, mas que certamente atrairiam milhões de leitores brasileiros: a magia saborosa da culinária das avós, a loucura de assistir a um Corinthians e Flamengo, o prazer (e a preocupação) de levar a filha adolescente ao primeiro baile noturno, a brevidade do cosmo organizado e a expansão inevitável do Sol ou a estupidez de fazer uma trilha no Cariri sem passar protetor solar.
Por que um jornal politicamente engajado não pode falar de vinhos? Porque Corvos e Brunellos são comercializados? Porque isso é capitalismo? Hum... E por que não pode falar das bonecas sexuais dos japoneses? Porque isso é um fetiche, símbolo da exploração feminina? Hum... Por que não discute a formação do time canarinho para a Copa de 2.010? Porque o futebol é o ópio do povo? E por que não trata do novo livro do Angeli? Porque é feio rir enquanto tem gente morrendo em Darfur? (...)
Certa esquerda, infelizmente, costuma remoer-se de culpas e agarrar-se aos cipós de preconceito pendentes na floresta das ideologias. Isso a estupidifica, aleja e paralisa. Diz de Picasso por sua filiação política, mas não tem coragem de se expor para comunicar sobre deleite estético. Curte recalques, represa tesões e revoga a vida que tanto defende na teoria.
Outra página no jornal revolucionário
O jornal (aqui entendido como mídia) que vai abrir cabeças, renovar a solidariedade e pulverizar a hipocrisia da mídia monopolista é capaz de exercitar ecletismos, de expor suas próprias dúvidas e de renovar-se interativamente, mercê do uso intensivo e democrático das novas tecnologias. Defenderá Lula quando necessário, se justo for, menos pela exposição da conspiração (que, sim, existe), e mais pela exposição da verdade, do contraditório que desmonta a farsa e desmoraliza o golpista.
Mas precisará também tratar de toda a diversidade planetária, deitando olhos sobre a literatura do cordel e também sobre a literatura de Borges, Saramago e Vidal; sobre a moda do Lagerfeld e também sobre a moda da Daspu e de Dona Emerenciana, do Morro do Vidigal; sobre a música do Black E. Peas e também sobre a música do Mano Brown, sobre o futebol do Kaká e também sobre o futebol do empacotador de supermercado que foi reprovado pela terceira vez na peneira do Vasco.
Um jornalismo revolucionário está fadado a construir ponte transdisciplinares no mundo da cultura, demolindo tabus e permitindo o maior grau possível de interatividade, facultando ao leitor-usuário graduar-se como protagonista na produção do conteúdo informativo.
Um jornalismo realmente revolucionário deve evoluir da missão de resistência e constituir-se em pólo catalizador e difusor de notícias, idéias e debates, numa dinâmica de auto-alimentação permanente, orgânica, em que o jornalista – enquanto existir – co mpartilhará suas pautas com os anônimos da multidão.
Nesse processo, cada saber difundido tornar-se-á peça de uma experiência criativa, em metamorfose constante, capaz de mobilizar, mas também de desintegrar verdades absolutas.
Um jornal realmente revolucionário, se vocacionado ao sucesso, meterá medo nos arrogantes e poderosos cegos do castelo, mas também em nós.
Fonte Novae
Walter Falceta
Tenho acompanhado com interesse vossa riquíssima discussão em torno de um projeto de fortalecimento e organização da blogosfera "alternativa". Com humildade, gostaria de emitir compactas opiniões sobre o assunto e oferecer algumas sugestões capazes de contribuir ao avanço do debate.
Primeiramente, apresento meu "não coma gato por lebre" profissional. Inventei de atuar como jornalista há 25 anos, antes mesmo de formar-me pela PUC-SP. Comecei na imprensa comunitária, estagiei num órgão público, fui repórter de Veja, repórter especial do Estadão, coordenador de Política e Nacional de O Globo, editor de Nova Escola e membro da equipe que criou o site do Estadão, projeto no qual atuei como editor durante cinco anos. Em 1.994, fui um dos assessores de comunicação de Lula, atuando ao lado de Ricardo Kotscho, especialmente na produção de textos temáticos. Hoje, dedico-me à edição de livros e desenvolvo projetos culturais, especialmente na área de multimídia.
Animei-me a redigir esta mensagem após ler um e-mail da sempre polêmica Caia Fittipaldi com observações a um artigo do clarividente Paulo Henrique Amorim. Chamou-me atenção um parágrafo que aqui reproduzo:
É evidente que, se Lula cair -- e duvido que caia, mas, sim, pode cair, é claro; também pode ser assassinado, é claro -- Lula terá caído, sim, por (1) não ter partido, (2) não ter feito qquer comunicação social que, pelo menos, ajudasse os eleitores suprapartidários de Lula a saber o que fazer, quando, onde e como; e (3) por não ter construído NENHUMA BASE em nenhum jornal ou televisão.
Concentro-me especialmente no item 2. De fato, não me parece haver qualquer veículo de comunicação social habilitado a oferecer cobertura jornalística alternativa aos meios hoje hegêmonicos. Se há vozes dissonantes, alçam-se de modo fragmentário, especialmente no meio digital on-line, basicamente em sites, blogs e grupos fechados de discussão. Ainda que valorize tremendamente o trabalho desses comunicadores independentes, percebo que suas denúncias, análises e exortações giram num círculo muitíssimo restrito e redundante de militantes.
Assim, qualquer idéia enfiada por Ali Kamel no JN afeta, em minutos, muito mais gente do que qualquer campanha blogosférica desenvolvida durante semanas de árdua interação. Interessante é que, no universo paralelo, existe também uma blogosfera da direita. Parte dela tem inspiração neofascista, disseminando hoaxes e outras peças do terrorismo midiático destinadas, sobretudo, a destruir reputações. Esses neocons.com, que certamente arrancariam elogios de um Giovanni Gentile, mostram-se à sociedade também nas interações com blogs mais freqüentados, como o do enchapelado Reinaldo Azevedo. No ambito dessa destra-cativa, parte dela contratada e atualmente inclinada a extremismos, desenvolve-se uma estratégia de guerrilha de sabotagem.
Do outro lado, percebe-se uma ação partigiana de resistência. Na verdade, certa esquerda e alguns libertários parecem recolhidos ao gueto, atrás de barricadas, de onde partem ocasionalmente para executar operações táticas especiais contra os camisas negras. E só. Do ponto de vista do governo Lula da Silva e de seu partido, se algo se imaginou nesse campo, é certo que nada se empreendeu seriamente. Percebe-se enorme insensibilidade dos estrategistas do governo neste campo.
Cabe, então, aos cidadãos livres, não guindados à máquina do poder, uma pergunta: basta resistir ou urge a construção de uma mídia informativa e propositiva dirigida às massas possíveis?
De fato, há muitos sem-mídia no Brasil deste Século 21. E isso não ocorre somente por questões políticas e ideológicas. Exibem-se pelo menos 5 vetores de exclusão importantes:
Geográfico – a imprensa existente é a imprensa do eixo Rio-SP, mas que despreza até mesmo a maior parte dos cariocas e paulistanos. A Zona Leste de São Paulo, por exemplo, praticamente inexiste para a Folha de S. Paulo e para o Estadão. As coisas consideradas relevantes concentram-se nos Jardins, na Berrini, na Paulista, na Vila Madalena e, eventualmente, no Centro. Sim, existem as "Marginais", lembradas por engarrafamentos ou enchentes. As coisas de São Miguel Paulista, por exemplo, são sempre apresentadas de maneira exótica ou folclórica, como se tivessem lugar na Zâmbia ou em Bali.
Temático – a imprensa existente é a imprensa do assunto feito distante, como se o público-alvo viajasse num transatlântico, a admirar de longe o júbilo ou a tristeza de povos intocáveis. Trata-se de um jornalismo com ares de relato de expedição, em que tudo se move nebulosamente, de modo incerto, conforme a ilusão especular descrita no Mito da Caverna, de Platão. O tema, por mais próximo que seja, é adulterado para não despertar o "psite do sofá". As pessoas, enquanto referências, também se repetem, no processo tautológico de celebração da celebridade.
Ético – a imprensa existente é a imprensa da indignação seletiva, do que convém ao proprietário do veículo informativo ou a seus parceiros e anunciantes. Para isso, institui pesos diferentes para crimes equivalentes. Exagera aqui, mas é complacente ali. No âmbito dos inimigos, é implacável e, não raro, desenvolve processos violentos de desqualificação. Quando são exibidos os crimes dos amigos, entregam-se a platitudes, à trivialidade que induz ao esquecimento instantâneo.
Epistemológico – a imprensa existente é a imprensa que rejeita arrogantemente o estudo sobre o conhecimento nela construído e difundido. Nas grandes redações, a dúvida sobre a consistência lógica das teses, bem como da coesão factual, é motivo de anedota. O importante é que não se "veja", que não se "veja" mesmo o dissonante. Inexiste o crivo, exceto aquele da conveniência de um determinado mercado de idéias. No campo do colunismo, prevalece a doxa, freqüentemente expressão de delinqüência mesclada a incompetência. Se há uma realidade, o jeito de saber sobre ela é normalmente desprezado.
Temporal – a imprensa existente é a imprensa dos tempos intangíveis, da dromocracia que arma a bomba midiática, conforme o alerta de Paul Virilio. A notícia exclui o tempo porque está programada para desencorajar protagonismos (coisa do aqui e agora). Afinal, tudo já foi, tudo já se passou. A imprensa mostra apenas o depois. Nesse processo de alienação diária, mesmo pela Internet do "comente esta notícia", elimina qualquer possibilidade de ação transformadora. Resta a reação, quase sempre resposta adestrada, não refletida, aos estímulos do emissor. Ler jornal, em excesso, cria hoje uma sensação de inapetência e, depois, de morte.
A arte do não-piloto
Universalizada, a imprensa dos jornalões pilota a nave que conduz a multidão a todo lugar; portanto, a lugar algum. Diz tudo para não dizer nada. "A arte de fazer revista consiste em não compreender nada, escrever muito sobre o assunto e fazer com que o leitor tenha a ilusão de que aprendeu alguma coisa", conforme ensinava um cacique vejal.
Cabe dizer que parte da imprensa é orgulhosa do que não sabe ou do que inventa. Bate no peito e arrota estultices, doida para escalar o mais empinado arranha-céu e evacuar sobre a urbe. Assim, parece implausível que se converta por meio de qualquer esforço educativo.
Seria injustiça incluir todos os profissionais na chusma. Posto que tem gente boa no meio, ainda que cada vez menos. Mas quem tem mais chances de graduação nas casas-grandes da comunicação? Pode-se dizer que é o tarado pela servidão voluntária. Certa libido barbárica, seduzida pela chance de violação, energiz a esse vampiro da pena alugada. Seis preceitos definem o pensamento desse seguidor de Sacripante:
· Ser "bom", seja lá o que isso signifique, é coisa de otários ou de bravateiros. Julga-se, portanto, por si próprio.
· Justiça social equivale (e sempre equivalerá) a esmola, valor subtraído aos que divinos merecedores da máxima abundância.
· A idéia de "oportunidades iguais" não pode, jamais, migrar do papel liberal para a realidade.
· A discordância não é motivo para instituição de debate, mas para engendramento de uma ação de vingança.
· A verdade é apenas o resultado de uma construção retórica, muitas vezes travestida de humor irônico, na qual têm validade somente os argumentos consagrados na doutrina dos financiadores.
· Se falta disposição para o esclarecimento proporcionado pelo abandono no outro, isto é, no exercício dialético, sobra energia para a cruzada de desqualificação dos oponentes.
Engana-se, entretanto, quem imagina que esse tipo de conduta doentia permeie apenas o noticiário e o colunismo de Política e de Economia. Está presente em todos os setores da mídia e em todas as redações. Há sacripantas inchados de egocentrismo nos aquários das editorias de Ciência, Artes e Espetáculos, Esportes, Cidades e até nas baias dos pândegos.
Erra quem imagina que os receptores estejam alheios a essa deterioração acelerada dos conteúdos oferecidos pelos grandes veículos de comunicação. Um tour pelas comunidades de relacionamento da Internet será suficiente para mostrar o descontentamento do público consumidor. Há quem reclame dos "marrons" da imprensa esportiva, quem não suporte mais a empáfia dos críticos musicais e também quem tenha simplesmente desistido de assistir à bufonaria de William Homer e Fátima Bernardes.
Os novos caminhos possíveis
No entanto, o que falta à constituição de um veículo multimidiático de vocação popular e inovadora? A resposta, evidentemente, não é simples, mas alguns entraves podem ser apontados.
Assepsias tolas – Os gestores-produtores-programadores das TVs estatais ou públicas, por exemplo, insistem em certa assepsia tola e desnecessária, muitas vezes elitista, que afasta o público comum. Anos atrás, era comum ver na TV Cultura um ótimo violonista debaixo de uma lâmpada – tipo aquela de interrogatório em filmes noir – reproduzindo em seqüência vinte composições do excelente Noel Rosa. No canal concorrente, um cantor popular agitava a galera, na frente de chacretes vitaminadas, com muita cor, movimento e seguidos cortes de câmera. Adivinha onde é que o pessoal parava o seletor de canais...
Nesse caso, a questão não está somente na seleção de conteúdos, mas também na forma de apresentação. Há preconceitos e preconceitos. Confunde-se seriedade com ridícula sisudez, e até mesmo com chatice. Nesse caso, falta compreender o espírito festeiro de nossa turma de Pindorama. Muitos de nós, ainda que secretamente, gostamos das cores das nossas araras, do movimento sensual das palmeiras ao vento, de algum calor, de água em quantidade. Estudos revelam: ficamos sentados no mesmo lugar menos tempo que um polonês ou um inglês. Cinéticos por natureza, necessitamos também apreciar movimentos.
Proselitismo - A impressão que se tem é de que todo veículo de comunicação alternativo quer fazer proselitismo, convencer, induzir, arregimentar. O final de cada matéria apresenta, mesmo que subliminarmente, uma lição de moral. "Veja só do que é capaz o sistema capitalista", diz um jornal. "Afinal, os Estados Unidos tentam escravizar o resto do mundo", afirma uma revista. Claramente ou com mais sofisticação, repetem-se seguidamente esses clichês. O bom jornalismo, contudo, não necessita da repetição exaustiva e até autoritária dessas premissas. É possível apresentar as mazelas do capitalismo e também os perigos da política belicista de Bush sem o recurso fácil à propaganda explícita, cujo efeito é quase sempre nulo (ou reverso).
Obsessão monotemática – A imprensa alternativa parece sempre voltada a tratar de política. Ok, sabemos que tudo é política, que não existe indivíduo apolítico e tudo mais, conceitos mais do que assimilados nas aulas do primeiro ano das PUCS, da USP, da Unicamp, da UFRJ, da UFF... Mas será necessário concentrar o discurso da vida em temas como "centralismo democrático", "papel das vanguardas" e "alienação da atividade produtiva"? Uma mídia inovadora, verdadeiramente revolucionária, incorpora com sutileza os valores e a ética da boa política, alimentando capilarmente qualquer texto (palavra usada no sentido mais amplo), prescindindo delicadamente da ideologia.
Alguém há de apontar neste texto uma apologia da sub-cultura de alienação que marca a imprensona há séculos. No entanto, é preciso atentar para a formidável diversidade da vida. É possível produzir numa teclada cinco temas que não precisariam de qualquer viés político-ideológico explícito, mas que certamente atrairiam milhões de leitores brasileiros: a magia saborosa da culinária das avós, a loucura de assistir a um Corinthians e Flamengo, o prazer (e a preocupação) de levar a filha adolescente ao primeiro baile noturno, a brevidade do cosmo organizado e a expansão inevitável do Sol ou a estupidez de fazer uma trilha no Cariri sem passar protetor solar.
Por que um jornal politicamente engajado não pode falar de vinhos? Porque Corvos e Brunellos são comercializados? Porque isso é capitalismo? Hum... E por que não pode falar das bonecas sexuais dos japoneses? Porque isso é um fetiche, símbolo da exploração feminina? Hum... Por que não discute a formação do time canarinho para a Copa de 2.010? Porque o futebol é o ópio do povo? E por que não trata do novo livro do Angeli? Porque é feio rir enquanto tem gente morrendo em Darfur? (...)
Certa esquerda, infelizmente, costuma remoer-se de culpas e agarrar-se aos cipós de preconceito pendentes na floresta das ideologias. Isso a estupidifica, aleja e paralisa. Diz de Picasso por sua filiação política, mas não tem coragem de se expor para comunicar sobre deleite estético. Curte recalques, represa tesões e revoga a vida que tanto defende na teoria.
Outra página no jornal revolucionário
O jornal (aqui entendido como mídia) que vai abrir cabeças, renovar a solidariedade e pulverizar a hipocrisia da mídia monopolista é capaz de exercitar ecletismos, de expor suas próprias dúvidas e de renovar-se interativamente, mercê do uso intensivo e democrático das novas tecnologias. Defenderá Lula quando necessário, se justo for, menos pela exposição da conspiração (que, sim, existe), e mais pela exposição da verdade, do contraditório que desmonta a farsa e desmoraliza o golpista.
Mas precisará também tratar de toda a diversidade planetária, deitando olhos sobre a literatura do cordel e também sobre a literatura de Borges, Saramago e Vidal; sobre a moda do Lagerfeld e também sobre a moda da Daspu e de Dona Emerenciana, do Morro do Vidigal; sobre a música do Black E. Peas e também sobre a música do Mano Brown, sobre o futebol do Kaká e também sobre o futebol do empacotador de supermercado que foi reprovado pela terceira vez na peneira do Vasco.
Um jornalismo revolucionário está fadado a construir ponte transdisciplinares no mundo da cultura, demolindo tabus e permitindo o maior grau possível de interatividade, facultando ao leitor-usuário graduar-se como protagonista na produção do conteúdo informativo.
Um jornalismo realmente revolucionário deve evoluir da missão de resistência e constituir-se em pólo catalizador e difusor de notícias, idéias e debates, numa dinâmica de auto-alimentação permanente, orgânica, em que o jornalista – enquanto existir – co mpartilhará suas pautas com os anônimos da multidão.
Nesse processo, cada saber difundido tornar-se-á peça de uma experiência criativa, em metamorfose constante, capaz de mobilizar, mas também de desintegrar verdades absolutas.
Um jornal realmente revolucionário, se vocacionado ao sucesso, meterá medo nos arrogantes e poderosos cegos do castelo, mas também em nós.
Fonte Novae