Marcio Alexandre M. Gualberto – Coordenador do Coletivo de Entidades Negras (CEN), editor do blog Palavra Sinistra, colaborador de Afropress e membro de Mamapress*
Não tenho dúvidas em afirmar que o Movimento Negro é uma das articulações sociais mais exitosas na história do país. Durante todo o século XX foi o MN quem abriu os olhos da sociedade brasileira para que ela percebesse o quanto era racista e preconceituosa com relação à população negra.
É o MN que vai combater e destruir o mito da democracia racial. É ele quem vai desenvolver ações de resgate da auto-estima da população negra. É ele que vai formular e pleitear políticas compensatórias para combater as desigualdades geradas pela discriminação e pelo racismo. Enfim, é um movimento forte, poderoso, que se encontra agora, no limiar de um novo século frente a frente com novos desafios.
Nesse sentido há que se pensar que o maior desafio para o MN nos próximos anos será se tornar um movimento de massas; chegou a hora de o MN falar à população; às favelas e às periferias; aos grandes centros urbanos e rurais; aos jovens, mas também aos adultos e aos idosos.
Se nas ultimas décadas coube ao MN a tarefa de ir para uma arena de embate mais no campo intelectual, hoje, o que está posto é que haverá a necessidade real e concreta deste movimento se articular com aqueles que devem ser beneficiários mais diretos de suas ações. Até porque será essa base, essa massa, que dará a capilaridade, legitimidade e força política necessária para que o MN possa tornar mais sólidas suas reivindicações e proposições.
Não se pode fechar os olhos para uma realidade cruel dos dias atuais: os recursos das agências de cooperação ou terminaram ou migraram para outras áreas. Com isso, as organizações do MN vêm atuando nos últimos anos com parcos recursos financeiros, contando apenas com a contribuição voluntária ou o sacrifício dos seus principais dirigentes para manter as ações em dia.
No entanto, nunca a questão étnico-racial esteve tão presente na agenda da sociedade brasileira. Temas como quilombos, a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana, as políticas de ação afirmativa, o Estatuto da Igualdade Racial, as desigualdades no mercado de trabalho entre outros fazem parte de uma agenda mais ampla e não somente do Movimento Negro.
Conciliar as dificuldades provocadas pela falta de recursos com uma ação forte de diálogo e aproximação com a massa da população é, sem dúvida, um dos grandes desafios imediatos que o MN terá que enfrentar. Ousar na linguagem, agir na perspectiva da formação e capacitação; inserir estes temas na realidade de pessoas que vivem na pobreza ou na miséria absoluta não será fácil, mas terá que ser feito.
Com isso o MN estará pronto para inaugurar o novo século como um movimento forte, que faça pressão, que leve gente às ruas para pleitear suas demandas. É isso que nos levará à vitória.
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Publico também o comentário relevante a este texto do Alexandre de Fábio Feliciano Barbosa**:
Sobre o artigo do meu amigo Márcio Alexandre.
É Marcinho estais coberto, todo coberto de razão, de muita razão.
O Movimento Negro (M.N) prestou e ainda presta um relevante serviço à construção e a consolidação da democracia no nosso país ao chamar a atenção para os transtornos transgeracionais que o racismo e as racializações geram nas vidas de milhões de cidadãs e cidadãos negros do nosso país.
Concordo com você quanto à massificação “das metas” do M.N que para mim tem três grandes elementos: (1) lutar contra o racismo e a racialização; (2) promover e garantir a igualdade; (3) velar pela democracia e o Estado democrático de direito. Sem esses “ingredientes políticos fundamentais” fica muito difícil falar em universalização da cidadania e proteção da dignidade humana.
Pugnar pela implementação massificadora dessas metas é a atual missão histórica do M.N no Brasil. Isto é uma imposição das “condições objetivas da história” e das “reais estruturas de poder” que vigem no Brasil desde que foi invadido pelos colonizadores portugueses.
O M.N precisa mais do que nunca das massas. Está correta, corretíssima a sua opinião. Enquanto ele não falar e não estiver com elas, os seus integrantes e lideranças nunca deixaram de ser intelectuais que integram uma “pequena burguesia negra” – instruída, estudada e bem qualificada – que vive longe, muito longe das suas origens, das aspirações políticas dos seus irmãos e irmãs de cores (raça) que vivem nas favelas, nas regiões degradadas e periferias dos nossos centros urbanos.
Sem ganhar e estar com as massas, nós militantes do M.N não temos como construir uma democracia diatópica. Mas o que é democracia diatópica? Ela existe, e está garantida, quando impera uma máxima cunhada por Boaventura de Sousa Santos: “nós temos o direito à igualdade quando a diferença nos inferioriza; e direito à diferença quando a igualdade nos aniquila”.
Valeu pelo artigo meu amigo e pelas tuas boas idéias. Vindo de ti.......
Sábado o Movimento Negro terá uma grande chance de encontrar e estar com as massas. Acontecerá, em Madureira, uma das capitais suburbanas do Samba, a Feijoada da Vitória do Império Serrano. Local: na Guarda Eloy Antero Dias – templo e sede do Reizinho de Madureira. Horário: 13:00 / 14:00. Até lá.
Só espero que o encontro com as massas não fique restrito a festas e a dias de samba. O M.N precisa encontrar e estar com as massas para aprender coisas sobre o racismo e a discriminação que ainda são completamente desconhecidas, seja por parte dos mais ilustres acadêmicos, seja por parte dos mais dedicados e competentes militantes da causa negra.
Fico feliz em saber que Império Serrano já tem o seu Momento Negro de Masas capitaneado por uma intelectualidade negra de primeira: Silas de Oliveira, Aloísio Machado, Tia Nina, Balbina, Ivã Milanês, Cizinho, Zé Luiz, Lindomar, Vovó Tereza, D. Ivone Lara, Tia Eulália, Fabrício e o saudoso Fuleiro. Com eles muito aprendi e ainda vou aprender.
**Fábio Feliciano Barbosa é sambista de Oswaldo Cruz; integrante da Ala dos Compositores do Império Serrano e professor Universitário.